Feridas da transposição do São Francisco
Cidades vivem racionamento severo e comunidades da zona rural dependem de caminhão-pipa.
Velho Chico
O rio São Francisco nasce no cerrado de Minas Gerais, a uma altitude de 1.200 metros, na Serra da Canastra. Percorre 2.863 quilômetros cortando seis estados. Com 18 afluentes, a sua bacia hidrográfica abrange 505 municípios - o equivalente ao território da França. A imagem é do trecho que separa Petrolina (PE) de Juazeiro (BA).
Vida de pescador
Em Juazeiro (BA), curimatá, mandi e piau garantiam a renda dos pescadores. Já faz tempo que eles reclamam do baixo volume do São Francisco e da poluição. "Sofremos com a seca, com a falta de saneamento e o desmatamento nas margens, que carrega areia para dentro do rio. Já não dá mais pra viver só da pesca, todos aqui têm outro trabalho", conta Roberto Pescador.
Esgoto direto no rio
Em Petrolina (PE), a galeria pluvial também despeja esgoto direto no rio. Nas mesmas águas, banhistas aproveitam um dia de calor. Segundo o Comitê da Bacia do Rio São Francisco, a falta de saneamento básico é crítica: não há água suficiente para diluir efluentes urbanos, industriais e de mineração.
Transpondo águas
Oficialmente chamada de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), a transposição das águas segue dois traçados, o Eixo Norte e o Leste. Segundo o governo federal, a meta é garantir oferta de água a 12 milhões de moradores da região semiárida nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Vendo a água correr
Para encher a garrafa, a moradora da comunidade rural Riacho do Mel (PE) escalou o paredão para alcançar o Eixo Leste. Sem serviço de abastecimento em casa, ela sonha em usar a água trazida pela transposição para plantar uva. Por enquanto, ela precisa comprar galões de água, que não sabe de onde vêm, com a única fonte de renda disponível no momento: Bolsa Família.
À espera da chuva
A poucos quilômetros do Eixo Leste, Inácio, de 88 anos, gasta a maior parte da aposentadoria com o caminhão-pipa, a única forma de matar a sede de toda a família. O volume fica armazenado numa cisterna, originalmente construída para acumular chuva, que não cai com regularidade há anos. A terra está pronta para o cultivo de feijão, milho e mandioca. "Só falta chover", diz.
Lembranças do pai
Mário, que trabalhou na obra, levou a esposa para ver a água chegar no reservatório de Barro Branco. Emocionado, ele conta que, desde criança, ouvia o pai dizer que um dia as águas do Velho Chico chegariam ao sertão. "Mas ele morreu antes disso, há quatro meses. Eu só espero que o governo cuide para que o sonho de meu pai não se transforme num elefante branco".
Água contaminada
Cansadas de esperar, famílias como a de Cileide invadiram as casas populares abandonadas em Monteiro (PB), ao lado da galeria subterrânea que leva águas do São Francisco. Mas a única fonte disponível é um poço com água salobra, transportada em baldes. A diarreia do filho de 4 anos dura dois meses: "Ele está abaixo do peso. A médica disse que é pela água contaminada".
Sobre o açude
O chão onde Osvaldo, de 59 anos, pisa já foi coberto pelo açude Poções, que abastece Monteiro. A seca esvaziou o reservatório, que aguarda as águas do São Francisco para encher. Osvaldo mora há 30 anos na região e diz nunca ter visto tamanho "desastre". O trabalhador rural procura capim para alimentar as duas vacas que mantém: o que o salva é a aposentadoria da esposa.
Caçadora de água
Neide, 33 anos, cruza a divisa entre Pernambuco e Paraíba para pescar. "Está cada vez mais difícil encontrar água", conta. Há 12 anos, ela e o marido pescam principalmente tilápia e traíra de segunda a quinta, os outros dias são de venda em feiras. Ela sonha em ver o açude Poções cheio de novo. "A nossa esperança é que a água chegue e nossa vida melhore."