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'Slow food'

25 de fevereiro de 2011

Em vários países do mundo, Carlo Petrini, fundador da "slow food" e do movimento Terra Madre, é um verdadeiro ídolo. Em entrevista, ele explica por que uma nova ordem agrária é tão importante para o futuro da humanidade.

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Foto: Slow Food/Stefan Abtmeyer

Há alguns anos, ele foi escolhido pelo diário britânico The Guardian como uma das 50 pessoas capazes de mudar o mundo: Carlo Petrini e seus mais de 100 mil seguidores lutam por uma nova ordem agrária mundial, em defesa da preparação tradicional de alimentos saborosos, regionais e sem agrotóxicos, bem como de rendimentos justos para agricultores, pescadores e produtores de alimentos.

Deutsche Welle: Em seu livro Terra Madre, você alia o tema do prazer de comer à dignidade e ao respeito. Por que essas três coisas estão, a seu ver, interligadas?

Carlo Petrini: Isso sempre esteve interligado. O prazer é a condição primordial para que possamos apreciar aquilo que comemos, para que possamos ter um apreço pelas pessoas com as quais nos encontramos e também para que tenhamos auto-estima.

Seus críticos o acusam de salientar o valor do prazer em um mundo no qual bilhões de pessoas morrem de fome e ficariam felizes de ter qualquer coisa para comer.

Esses críticos não levam em consideração que o prazer não é uma espécie de privilégio dos ricos, mas um direito de todos. Também nos países pobres, onde nosso movimento é forte, nos países em que há problemas como subnutrição e fome, as pessoas simples preparam seus alimentos a fim de que se tenha prazer em comer. O prazer é um direito de todos e não uma regalia para poucos.

Terra Madre é formada pelas chamadas associações de alimentos, ou seja, associações que reúnem produtores e aqueles que compram seus produtos. Quantas associações do gênero há hoje? Você poderia descrever como elas funcionam?

Achtung: Nur für Berichterstattung über Slow Food - Terra Madre Treffen 2004
Terra Madre: rede internacionalFoto: Archivio Slow Food

Terra Madre é uma rede informal de comunidades do alimento, que têm todas as mesmas metas: lutar para manter a biodiversidade, a agricultura de pequeno porte, o trabalho dos pequenos produtores e a proteção do meio ambiente. A rede está presente em 163 países, com pelo menos 6 mil comunidades do gênero. Elas são unidas por uma anarquia fortemente disseminada e não são regulamentadas como associações. Elas são uma rede que se mantém coesa porque seus membros têm convicções em comum.

Da mesma forma como você, também a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e outras organizações da ONU afirmam que é preciso investir mais nos pequenos agricultores, porque, caso contrário, não poderemos alimentar a população mundial no futuro. Você acredita que tais associações ou um movimento como o Terra Madre poderão, de fato, substituir a indústria alimentícia e a agricultura industrial praticada em grandes extensões de terra? Ou elas devem apenas complementar a produção industrial de alimentos?

Essa é uma questão interessante. Acho que ambos têm que ser ativos, ou seja, tanto a produção industrial quanto os pequenos produtores precisam ser eficientes, para que possamos atingir o que queremos. É preciso haver uma espécie de cooperação entre as pequenas comunidades e os grandes produtores.

Pois hoje os pequenos produtores já conseguem solucionar determinados problemas que a indústria agrária não consegue. Porque eles têm conhecimento da geografia do lugar, estão enraizados ali, partem de princípios pragmáticos. Por isso é infinitamente necessário protegê-los. Todo mundo jura, obviamente, que vai fazer isso. Por outro lado, estamos sempre ouvindo que, diante da fome no mundo, é preciso apostar na indústria em grande escala, na produção industrial.

Eu digo que essa premissa é falsa. Isso não pode estar apenas nas mãos da grande indústria, mas sim da cooperação entre todos. Os pequenos produtores precisam ser acima de tudo fortalecidos, porque são os mais frágeis. E, por isso, o principal desejo da Terra Madre é defender esses pequenos produtores e atuar em prol da biodiversidade também no sentido de sua proteção.

Em seu livro, você descreve que na Índia, por exemplo, muitos pequenos produtores acabam se suicidando, por estarem altamente endividados, sendo obrigados a comprar todo ano novas sementes. Em todos os países do mundo, a maioria das pessoas que passam fome é de pequenos produtores rurais. Com é possível ajudar àqueles que não conseguem viver daquilo que produzem em suas terras?

Onde ocorrem esses suicídios, onde há essa desagregação da coesão social, observamos também uma hegemonia da produção industrial. Aí impera a lógica da grande indústria, ancorada na química e em organismos transgênicos. Por isso os pequenos produtores sofrem tanto, por estarem tão à mercê do controle perverso da produção industrial em grande escala.

Achtung: Nur für Berichterstattung über Slow Food - Tomaten
'O prazer não é um privilégio dos ricos, mas um direito de todos'Foto: Slow Food/Stefan Abtmeyer

Naqueles lugares onde os pequenos produtores ainda mantêm suas raízes, onde eles ainda têm uma relação intacta com as comunidades, com os costumes locais, ali há muitas pequenas comunidades que, de fato, podem viver e sobreviver. Elas usam também as possibilidades de comunicação, como por exemplo o rádio.

Conheci há pouco uma comunidade rural na Índia, onde aproximadamente 100 mulheres formaram uma rede deste tipo. Elas mantém uma plantação orgânica, disseminam conhecimento e instruções sobre uma pequena emissora local de rádio. Este é um exemplo de que pode funcionar.

Essas pequenas comunidades usam também a internet, elas não se fecham aos recursos dos novos tempos, não são retrógradas nem querem reaver aquilo que existia nos bons, ou melhor, nos velhos e ruins tempos. A ideia é impulsionar essa rede de comunidades para frente.

Mas muitos jovens querem ir para a cidade. Eles têm a sensação de que lá podem ganhar melhor, mesmo tendo que viver em localidades com milhões de habitantes, como por exemplo Nova Délhi, onde não encontram emprego e passam ainda mais fome.

Diz-se sempre que devemos trazer as pessoas de volta ao campo. De fato, esse é o tema central a ser tratado. Na Europa, podemos verificar uma mudança muito decisiva: enquanto, no fim da Primeira Guerra Mundial, 50% da população ainda vivia no campo, hoje a zona rural concentra apenas 3 a 5% da população.

Em cada país, é preciso tratar do assunto de forma distinta. Em países pobres, temos, todavia, situações muito diferentes. Nos países africanos, 60% ou mais da população vivem no campo; na América Latina são 60 a 70%.

O que atrai as pessoas ou o que poderia detê-las de mudar para a cidade? Agora, a as cidades prometem aos jovens uma vida social ativa, diversas atrações, um mundo moderno, todas as possibilidades da vida urbana, que, segundo consta, não existem no campo.

Muitas ONGs e organizações governamentais acham que reformas e incentivos econômicos na zona rural seriam suficientes para trazer a população de volta. Isso não é verdade. É acima de tudo a vida social que atrai as pessoas para as cidades. É aqui que é preciso agir.

É necessário possibilitar, também fora das cidades, tais comodidades da vida urbana. É preciso voltar a oferecer no campo cinema, teatro, música, formas de diversão e sociabilidade. Pois se isso não acontecer, iremos observar cada vez mais o que já vimos hoje, ou seja, que muitos desses lugares ou pequenos povoados vão se tornando gradativamente cidades-dormitório, onde não há mais vida social.

Há mais de 20 anos, você iniciou a ideia da slow food, em contraponto à fast food; um movimento contra as coisas que vão se tornando cada vez mais rápidas. Agora temos um mundo no qual há internet, smartphones, precisamos estar disponíveis todo o tempo. Como você vê a recepção hoje dessas ideias coletivas e de um pensar mais lento, mais refletido?

Carlo Petrini Gründer Slow Food
O italiano Carlo PetriniFoto: AP

A lentidão não é um valor absoluto. A lentidão excessiva acaba se transformando em burrice. É preciso degustar a lentidão em doses homeopáticas. O fator decisivo é que isso está em nossas mãos, nós precisamos determinar os ritmos das nossas vidas.

Hoje, por exemplo, estou absolutamente lento. Concedi duas entrevistas e vou dar um tempo. Amanhã, ao contrário, estarei muito rápido, pois precisarei funcionar muito bem, tenho milhares de coisas para fazer. O que importa é que eu posso decidir se faço e o quanto faço.

Terra Madre percorreu esse caminho desde a questão da comida, passando pela da agricultura, até a política ambiental. Essa longa marcha definitivamente não chegou ao fim, precisamos continuar, pois esse assunto está mesmo no cerne da política ambiental de hoje.

A questão em torno dos alimentos é o ponto de partida para muitas outras. Nós – católicos, protestantes, cristãos – tendemos a ver a comida como um ingrediente, como algo de pouca relevância. Mas isso está errado, pois a comida é o que nos dá energia para a vida. Só podemos viver porque comemos. Por isso a questão de uma alimentação correta é um ponto de partida imprescindível para considerações políticas.

Entrevista: Anke Rasper (sv)

Revisão: Roselaine Wandscheer