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Fundo Amazônia

23 de outubro de 2009

O ambientalista alemão Lutz Ribbe fala sobre as chances de êxito do Fundo Amazônia, a cúpula do Clima em Copenhage e a mútua responsabilidade de europeus e brasileiros no combate ao aquecimento global.

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Região do Amazonas ameaçada pelo desmatamentoFoto: AP

O Fundo Amazônia foi criado em julho de 2009, como forma de obter recursos para incentivar a preservação da floresta. A ideia é financiar projetos de prevenção e combate ao desmatamento e também de conservação e uso sustentável das florestas no bioma amazônico. A gestão do Fundo cabe ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que estima captar 21 bilhões de dólares até 2021, sendo 1 bilhão de dólares já no primeiro ano.

A Deutsche Welle conversou com Lutz Ribbe, diretor da ONG Euronatur e membro da mesa-redonda entre a União Europeia (UE) e o Brasil sobre o Fundo Amazônia e também sobre as mudanças climáticas.

Deutsche Welle: O Fundo Amazônia foi lançado como um megaprojeto do governo brasileiro. O senhor acha que ele pode atender às expectativas e realmente proteger a floresta? Há como ter certeza de que o dinheiro vai chegar aonde precisa?

Lutz Ribbe: É claro que existe o perigo de os fundos não chegarem até onde deveriam e que se percam por falsos canais. Uma grande parte dos problemas que temos na Amazônia resulta de práticas ilegais, e a pergunta é se o governo pode e quer acabar com essas práticas. A ideia de criar um fundo desse tipo é importante e necessária: o que está acontecendo na região não pode continuar.

O governo brasileiro diz, não sei se com razão ou não: "Vocês europeus também já destruíram suas florestas, há 200, 300, 500 anos, e destruíram muita coisa, agora estamos fazendo o mesmo. Se vocês não querem que isso aconteça, precisam nos ajudar a nos desenvolver". Então é importante oferecer ajuda. Mas como isso vai ser feito concretamente, quem recebe dinheiro e como vamos garantir que o desmatamento não recomece depois de 10, 20 ou 100 anos – aí há muitas perguntas em aberto.

Lutz Ribbe Direktor der NGO Euronatur
Lutz Ribbe, diretor da ONG Euronatur e membro Comitê Econômico e Social EuropeuFoto: picture-alliance / ZB

Na sua opinião, realizar um projeto de grandes proporções é a melhor estratégia?

De um grande fundo é possível fazer vários pequenos projetos. Eu mesmo fui enviado pelo Comitê Econômico e Social Europeu (CESE) da UE, justamente para avaliar a questão do desmatamento global e como impedi-lo. Constatamos que os atuais projetos não beneficiam a população local. Não se promove um desenvolvimento regional sustentável que respeite o meio ambiente.

Pratica-se a exploração, pura e simples, para o proveito de alguns negociantes de madeira, poucas grandes empresas e alguns latifundiários. Portanto, a ideia de apoiar a população local no contexto de um desenvolvimento sustentável é o caminho certo. Isso vai custar dinheiro que também poderia vir de um grande fundo. Mas esse dinheiro não pode ir para latifundiários. De fato, é preciso apresentar concepções regionais.

Ambientalistas simpatizam com o fundo, pois acham que nós, ricos, temos de contribuir para que o planeta não seja desmatado. Por um lado, isso é compreensível, mas por outro lado tem também um aspecto negativo. Pois será que temos pagar para impedir totalmente a destruição da natureza? A rigor, isso é uma inversão total do princípio de causa e efeito.

O programa REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation in Developing Countries) é outro grande projeto desse tipo, mas para todo o planeta. Será uma concorrência para o Fundo Amazônia, ou os dois podem funcionar paralelamente?

O mais importante seria primeiro esclarecer como participamos diretamente no desmatamento – seja como União Europeia, seja como Alemanha. As coisas não acontecem isoladamente. Os produtos clandestinos fabricados lá, seja madeira ilegal ou subprodutos da soja, são exportados e muitos vêm para a Europa.

O Partido Liberal Democrático alemão, por exemplo, exige a continuação da importação de ração animal – que em parte vem de regiões como o Amazonas –, a fim de fortalecer a posição alemã na produção animal. Isso mostra que muitos políticos ainda não entenderam bem as conexões e as dimensões do problema. Temos que dar nossa contribuição para que a demanda de tais produtos seja reduzida.

O projeto REDD é adequado para isso, mas em geral ainda estamos muito longe de compreender por completo as interconexões globais e de tirar a conclusão de que não podemos participar do desmatamento importando produtos.

Em julho houve uma mesa-redonda com representantes do Brasil e da União Europeia, da qual o senhor participou. Foram tomadas decisões ou traçadas metas concretas para a Conferência Mundial do Clima em Copenhague, em dezembro?

Acredito que ainda sejam necessários muitos debates entre Brasil e Europa sobre esse assunto. Os brasileiros, por exemplo, não entendem que somos relativamente críticos em relação aos temas biocombustíveis e energia de biomassa, para os quais eles têm outra estratégia. Eles não produzem seu combustível à base de petróleo, como nós, mas sim à base de cana-de-açúcar.

Quando discutimos com os colegas brasileiros, ficou claro que as premissas do Brasil e da Alemanha são completamente diversas. Essa mesa-redonda não objetiva propor decisões, mas pretende ser uma plataforma de debates. Ainda há muito trabalho de esclarecimento a fazer, para que nos entendamos e ajustemos os conceitos de desenvolvimento nacional que servem para o Brasil – como por exemplo, a utilização da biomassa – mas que não podem ser simplesmente transferidos para a situação global.

Regenwald in Amazonas
Mata virgem é destruída pelo fogo no AmazonasFoto: AP

Então é preciso ir passo a passo e aprender sobre os pontos de vista individuais?

O caminho é, de fato, seguir com esse intercâmbio: nós fornecemos alguma coisa, eles pegam, vocês nos dão dinheiro, nós damos algo em troca – é sempre esse global exchange. Ainda estamos longe de poder criar uma produção sustentável para nós mesmos, e, em segundo lugar, entender como isso pode ser levado a uma escala global de troca. Costumamos ver apenas como podemos obter matérias-primas e como mandar o dinheiro para pagar por elas. Essa é uma abordagem errada.

Primeiro precisamos esclarecer – seja no Brasil, seja na Europa - o que, afinal de contas, significa economia sustentável. Enquanto acreditarmos que deveríamos, com a nossa pequena agricultura na Europa, alimentar o mundo inteiro, e que para isso precisamos da ração brasileira, não teremos entendido qual é realmente o problema deste planeta.

Em sua opinião, qual é o grau do risco da Amazônia e quais são as chances de uma proteção efetiva?

O grau do risco é extremamente alto. Temos que reconhecer que, devido à grande pressão internacional, o governo brasileiro percebeu que alguma coisa precisa ser feita. Mas quando vemos o tamanho do país e as estruturas administrativas, percebemos que as condições para o Estado intervir são totalmente diferentes.

Não há nenhum processo democrático nas relações diárias nesses locais. Considere como agem os latifundiários e os comerciantes de madeira, como estão sendo assassinados funcionários das administrações e das associações que lutam contra a exploração.

Aí reconhecemos que a coisa não vai funcionar sem melhorias nas estruturas administrativas e sem estruturas democráticas, sem a participação da sociedade nos modelos de desenvolvimento. Trata-se também de a Europa fornecer ajuda para estabelecer um outro tipo de relação econômica. Mas simplesmente dizer que criaremos um fundo e com isso e a Amazônia e o mundo estão salvos, isso não dá.

Um fundo como esse deveria então fomentar áreas diversas?

Um fundo é um mecanismo que promove melhorias de cima para baixo. Mudanças positivas na sociedade – o que na Amazônia significa conservação da mata virgem e desenvolvimento sustentável – têm que partir sempre da base. Se não conseguirmos usar o fundo para levar adiante diversos projetos pequenos e de democratização, não vai funcionar.

A Conferência Mundial do Clima, em Copenhague, deve trazer alguma decisão em relação à Amazônia?

Tenho minhas dúvidas, pois acho que em Copenhague vai se discutir muito mais sobre metas gerais de proteção do clima global. O centro das discussões serão as emissões de combustíveis fósseis, portanto do setor industrial. O resto – como uma reforma na agricultura, setor que, afinal de contas, produz um quinto das emissões globais –, provavelmente será tratado apenas à margem.

E aqui eu gostaria de deixar claro que não precisamos ir tão longe e apontar o dedo para os outros, quando se trata dos problemas causados por esses gigantes acumuladores de carbono. A destruição dos pântanos na Europa tende a tornar-se comparável ao que acontece na região amazônica.

A Europa tampouco achou meios de impedir o que está sucedendo em sua própria casa. Tenho minhas dúvidas de que Copenhague terá êxito nesse caso – embora eu gostaria que tivesse, é claro.

Entrevista: Manuel Neumann
Revisão: Augusto Valente