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Gravadora

Felipe Tadeu9 de julho de 2007

O selo Piranha honra a sina cosmopolita da capital alemã, lançando música dos quatro cantos do mundo. Brasil é destaque.

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Sede da Piranha Records no bairro berlinense de KreuzbergFoto: Piranha Records

O Muro de Berlim ainda estava de pé quando um abnegado etnólogo de 39 anos, habitante da cidade que era o principal palco dos embates da Guerra Fria, resolveu intervir na cena para fazer política à sua maneira: culturalmente. Christoph Borkowsky juntou-se a quatro amigos não menos indignados com a Berlim sitiada pelos mísseis de Washington e Moscou para, através da música, contribuir para dias melhores.

O selo Piranha nasceria em 1987, desdobrando-se posteriormente em outras frentes como a Piranha Records, a Piranha Eventos e a Womex - World of Music Expo, que seguem até hoje promovendo a música dos países subestimados pelas indústrias fonográfica e do entretenimento em escala mundial.

Brasilianischer Musiker Lenine, Womex 99
Lenine no Womex 99Foto: DW/Felipe Tadeu

O nome Piranha surgiria como constatação a respeito do setor em que o quinteto (dentre os fundadores, só Brigitte Bieg e Christoph permanecem no grupo) pretendia atuar e como símbolo das idéias coletivistas da equipe.” Trabalhamos num meio cercado por tubarões. Há algo melhor do que ser uma piranha dentre eles?”, pergunta Christoph, sempre que é indagado pela escolha do peixe voraz dos rios brasileiros para o batismo da firma.

Mama África

A idéia de realizar um trabalho que aliasse etnologia, música e política surgiu na cabeça de Christoph Borkowsky Akbar (o último nome adquirido de sua esposa afegã) quando ele estava em pleno deserto da Namíbia, em meados da década de 70, desenvolvendo seus estudos para uma tese de doutorado sobre movimentos de resistência numa ex-colônia alemã na África.

Para Christoph, a lembrança mais marcante destes tempos eram as festas de final de semana, regadas a muita música que explodia das caixas de som dos anfitriões africanos. Quando a bateria que alimentava a aparelhagem pifava, as próprias pessoas passavam a cantar e tocar animadamente. “Quando voltei para a Alemanha, percebi a importância que a música em suas mais diversas formas pode ter para a saúde mental e do corpo”, declarou ele.

Em 1979, Christoph se lançou à aventura de produzir um concerto beneficente para os fugitivos do Afeganistão, tendo como atração bandas punks de Berlim e Nova York. O evento fez sucesso e ali brotou a semente do selo que iria abrir generosos espaços para a música das chamadas minorias na Alemanha.

Sons da pátria

A fundação da firma Piranha, ocorrida oito anos depois, iria gerar o primeiro festival Heimatklänge (Sons da Terra Natal, em português), que se consolidaria como o maior festival musical do verão berlinense nos últimos anos. Paulo André, um dos mais importantes produtores de música do Brasil contemporâneo, criador do prestigiado festival Abril pro Rock, de Recife, conhece bem o Heimatklänge:

“Em 1995, quando Chico Science e a Nação Zumbi realizavam sua primeira turnê internacional, nós passamos pelo festival organizado pela Piranha. Foram cinco shows em cinco dias consecutivos em agosto daquele ano”, relembra empolgado à DW-WORLD o ex-produtor do falecido Chico Science.

A passagem de Chico Science pelo evento berlinense iria render frutos muito proveitosos para a música brasileira, em especial para os pernambucanos. “Christoph me aconselhou naquela época a ir para a segunda edição da Womex – evento também produzido pela Piranha -, que estaria acontecendo em Bruxelas, na Bélgica. Eu fui o primeiro brasileiro a ir ao encontro e estabeleci uma relação profissional com eles, com quem desenvolvemos atualmente o Porto Musical”, conta Paulo André.

A Womex é considerada por muitos a feira de música mais relevante do cenário internacional, e Paulo André é um que pensa assim: “Ela é a convenção mais importante para a música brasileira. Talvez a Midem, na França, seja até maior, mas ela é muito voltada para o mercado fonográfico. Com a redução desse mercado com a questão do download, acho que o importante hoje para a nossa música é a circulação. A Womex é o lugar perfeito para você investir na circulação internacional de um artista”, percebe o produtor de Pernambuco.

Berlim- Recife

Christoph Borkowsky, Geschäftsführer Piranha Records
Christoph BorkowskyFoto: Piranha Records

A parceria entre os brasileiros e o selo de Berlim veio se solidificando desde a última década. Em 1999, o Brasil foi escolhido como país-tema da Womex, e artistas como Lenine, Baden Powell e Cascabulho tocaram no evento, ganhando visibilidade para a sua arte musical na Europa.

Na ocasião, Carlos de Andrade, do selo Visom e hoje presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), declarou: “Viemos para buscar novos distribuidores e parceiros europeus. O mercado alemão é bastante acessível, uma vez que você coloque coisas de excelente nível técnico e musical”.

Schallplatte 'Cabruêra', Piranha Records
Cabruêra: sambas para noites insonesFoto: Piranha Records

A partir daí, a Piranha Records passou a lançar CDs de música brasileira, como do grupo Cascabulho e seu álbum Fome Dá Dor de Cabeça; Forró Novo de Oswaldinho do Acordeão, a banda paraibana Cabruêra e seu curioso Proibido Cochilar (com o esperto título em inglês Sambas for Sleepless Nights), e, mais recentemente, o Heimat – Von Fern So Nah (Pátria – De Longe Tão Perto), do baixista brasileiro radicado na Dinamarca Jorge Degas e o alemão Andreas Weiser, dentre outros títulos.

O Porto Musical emplacou em 2007 sua terceira edição, num intercâmbio do Porto Digital (pólo composto por 105 empresas de tecnologia da informação sediado em Recife), a Womex e a Astronave, produtora de Paulo André. “Em 2003, Christoph Borkowsky foi convidado pelo Instituto Goethe da Alemanha para conhecer o carnaval do Rio de Janeiro, já que a Piranha também produz o Carnaval das Culturas em Berlim. Christoph quis fazer escala em Pernambuco, tivemos umas reuniões importantes, ele voltou a Recife um ano depois e, em 2005, realizávamos o primeiro Porto Musical”, versão tropical da Womex, que ocorre anualmente na cidade do frevo.

Christoph Borkowsky e sua equipe sabem não só o que estão fazendo em termos de democracia cultural, como estão no lugar certo para isso: “Berlim tem um papel-chave nas nossas atividades. A cidade tem uma dinâmica única, por ser aberta, multicultural, onde vivem pessoas muito interessantes”, afirmou o etnólogo ao site Mein Berlin.