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Gregos e refugiados se unem para revitalizar Lesbos

Jessica Bateman de Lesbos
11 de setembro de 2018

Chegada de milhares de migrantes por dia no auge da crise migratória abalou economia da ilha grega. Agora moradores e recém-chegados trabalham para revitalizá-la e para integrar os refugiados.

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Adonis Zeivekis (centro), Thierry Harbonimana e Kwizera Ahmed Aimable
Adonis Zeivekis (centro), Thierry Harbonimana e Kwizera Ahmed Aimable dão aulas de TI para refugiados e moradoresFoto: DW/J. Bateman

Três anos se passaram desde que a pitoresca ilha grega de Lesbos virou alvo dos holofotes mundiais, num momento em que, em pleno auge da crise de refugiados, cerca de 3 mil pessoas chegavam diariamente a suas praias. Embora jornalistas já tenham deixados os hotéis, e turistas estejam novamente passeando pelo belo porto, a crise não desapareceu.

O notório campo de Moria – que apesar de ter sido construído para abrigar 2,5 mil pessoas, atualmente abriga quase 8 mil – foi declarado "o pior campo de refugiados do mundo" pela organização Médicos Sem Fronteiras, com altos níveis de violência.

E isso não afeta apenas os moradores do local. O número de turistas na ilha segue 50% abaixo de seu auge, com muitas empresas locais tendo fechado suas portas, e pequenos crimes, como roubos, alimentando tensões na comunidade.

Comerciante Panos, da ilha grega de Lesbos
Moradores como o comerciante Panos sentem que a ilha foi abandonada pelas autoridadesFoto: DW/J. Bateman

Os habitantes locais, que muitas vezes eram os primeiros a prestar socorro no auge da crise, sentem-se amargurados e ignorados.

"A União Europeia e o governo grego transformaram esta ilha num depósito de almas perdidas", diz Panos, que dirige um atacado de alimentos.

É por isso que, na prática, o foco tem se voltado para projetos que podem beneficiar tanto os refugiados quanto a comunidade grega local, a fim de ajudar a revitalizar essa pequena ilha que carregou nos ombros um fardo de uma questão global muito maior do que lhe cabia.

"Centenas de voluntários do norte da Europa e da América vieram para cá, mas ninguém dava ouvidos para a comunidade local e o que ela julgava necessário", diz Adil Izemrane, cofundador da ONG Movement on the Ground (MOTG), que apoia alguns desses projetos.

Ele explica que, quando perguntou pela primeira vez ao presidente do vilarejo de Moria, Nikos Trakellis, que tipos de benefícios poderiam ser trazidos a sua comunidade, ele se pôs a chorar, porque "ninguém jamais lhe havia feito tal pergunta antes".

Um dos projetos mais bem-sucedidos é um campeonato de futebol entre crianças do campo e do vilarejo de Moria. A guetização forçada de moradores do campo, juntamente com diferenças culturais e temores relacionados ao crime e à violência, faz com que o estabelecimento de confiança entre as comunidades não seja uma tarefa fácil. O objetivo do torneio é, em primeiro lugar, estabelecer laços entre as crianças – e, assim, também entre seus pais.

"As crianças não se importam com rótulos. Elas fazem amizade com qualquer um", diz Tanja Matijevic, cientista ambiental que hoje trabalha como treinadora de futebol.

Crianças refugiadas de Lesbos formam uma roda num campo de futebol
Torneio de futebol une crianças gregas e refugiadasFoto: DW/J. Bateman

"O vilarejo de Moria não é rico. A maioria das pessoas aqui atravessa o dia a dia no modo sobrevivência. Se a cabra de uma família é roubada porque as pessoas no campo estão muito desesperadas, isso tem um grande impacto", afirma. "A maioria dos pais tem nos agradecido por termos iniciado uma liga esportiva, já que não é algo para onde eles normalmente teriam condições de enviar seus filhos."

O filho de dez anos de idade de Spyros Lalos participa do campeonato. "Acho que muitas pessoas ficaram nervosas com a ideia, tanto pais quanto crianças. Mas meu filho gostou e fez amizade com algumas delas. Cada vez que eles jogam juntos, fica um pouco mais fácil, e todos relaxam mais", conta.

Aprendizado digital para imigrantes e gregos

Outro morador de Lesbos interessado em estabelecer laços é Adonis Zeivekis, de 25 anos e morador do vilarejo de Thermi, a poucos quilômetros ao norte de Moria. "Eu sou daqui e cresci aqui, então, eu entendo os dois lados do problema. Queria tentar me envolver e ajudar ambos de alguma forma", diz.

Uma solução na qual Zeivekis e a MOTG estão trabalhando é a de dois laboratórios digitais de aprendizagem, um no campo de Moria e outro em Mytilene, a principal cidade da ilha, onde tanto imigrantes quanto gregos receberão aulas de TI.

Ao lado de Zeivekis, trabalham como professores dois residentes do campo, Thierry Harbonimana e Kwizera Ahmed Aimable, ambos do Burundi. "Teremos professores refugiados nas aulas em grego, e então, posteriormente, misturaremos os dois grupos", explica Zeivekis.

Harbonimana acredita que aumentar o número de pequenas interações informais entre as duas comunidades é a melhor maneira de quebrar barreiras.

"Qualquer coisa que nos ajude a nos acostumarmos uns aos outros é boa", avalia. "Na semana passada, participamos de algumas festividades religiosas aqui – é algo pequeno, mas todo mundo gostou." 

"Ontem tivemos um evento de música com refugiados tocando e que era aberto a todos. Não acho que a maioria dos moradores seja contra os refugiados. O rancor é porque não temos a infraestrutura necessária para eles", acrescenta Zeivekis.

Oliveiras e barracas em Lesbos, na Grécia
Um projeto está em andamento para reparar olivais danificados por barracas de imigrantesFoto: DW/J. Bateman

Harbonimana, porém, explica que pode ser difícil para os residentes do campo se envolverem nos projetos quando todos estão tão focados na própria sobrevivência do dia a dia: "Alguns estão tão preocupados com o que virá a seguir, se vão ou não conseguir seus documentos, que não conseguem pensar em mais nada."

Outros projetos incluem um food truck, no qual refugiados cozinham com ingredientes provenientes da agricultura local e convidam os moradores para compartilhar as refeições.

Panos, que ajuda a fornecer a comida, cita a grande comunidade albanesa de Lesbos como prova de que a integração na ilha é possível. "Não há nenhum motivo por que as pessoas não podem ficar na ilha, conseguir empregos, ter suas famílias aqui", avalia.

Moria aguarda plano do governo

Fora de Moria, os olivais foram destruídos para construir barracas improvisadas. "A situação era tão ruim que as pessoas decidiram deixar o campo principal", diz Izemrane.

A MOTG trabalha agora com a comunidade para reconstruir a área e criar jardins comuns para tanto locais quanto moradores do campo cultivarem seus produtos. O projeto deverá ser concluído ainda este ano.

No entanto, embora algumas pessoas estejam apresentando soluções que podem ajudar a todos, a raiva permanece devido à falta de uma estratégia geral por parte das autoridades responsáveis.

"No começo, todos estavam apenas tentando lidar com a crise. Mas já se passaram três anos, as pessoas continuam chegando e ainda não há um plano de longo prazo. E provavelmente será assim por muitos anos", diz Izemrane. "As pessoas não sabem o que estão fazendo aqui ou o que vai acontecer com elas, sendo isso a origem de muitas das frustrações."

O governo grego, encarregado do campo de Moria, afirma que não tem recursos para melhorar as condições. Enquanto isso, os que estão na ilha continuam esperando, desesperados para saber o que o futuro os reserva.

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