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Prêmio Sakharov

21 de outubro de 2010

O dissidente cubano Guillermo Fariñas foi agraciado com o Prêmio Sakharov 2010 para a Liberdade de Pensamento, concedido pelo Parlamento Europeu. Em entrevista à DW, Fariñas fala da resistência ao regime castrista.

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Guillermo Farinãs em março de 2010, durante a greve de fome de 135 diasFoto: AP

Ninguém pode acusar o dissidente Guillermo "Coco" Fariñas de ter se deixado intimidar pelo governo cubano. O psicólogo e jornalista de 48 anos fez greve de fome por 135 dias este ano, interrompendo-a somente quando a Igreja Católica cubana anunciou que o regime aceitara o compromisso de libertar 52 presos de consciência detidos durante a onda de repressão conhecida como a Primavera Negra, em 2003. Na época, o regime castrista prendera 75 dissidentes, dos quais 26 adoeceram, uma preocupação fundamental de Fariñas.

O protesto, que provocou grande repercussão midiática, foi iniciado um dia após a morte do prisioneiro de consciência Orlando Zapata Tamayo, um pedreiro que deixou de comer por 86 dias para reivindicar melhores condições carcerárias.

Nascido en Santa Clara, no centro da ilha, Fariñas é um dos oposicionistas cubanos mais conhecidos, por ter protagonizado 23 greves de fome, primeiro contra o governo de Fidel e depois contra o de Raúl Castro. Filho de um revolucionário que, em 1965, combateu ao lado de Che Guevara na Crise do Congo, Fariñas seguiu inicialmente a carreira militar, como seu pai, e defendeu a Revolução Cubana em sua juventude.

Libertadores Raul Castro und Che Guevara
Raúl Castro e Ernesto Che Guevara durante a Revolução Cubana, em junho de 1958Foto: AP

Em 1988, formou-se em Psicologia. Um ano depois, o fuzilamento do Arnaldo Ochoa, acusado pelo regime de narcotráfico e alta traição, marcou o rompimento de Fariñas com a liderança cubana. Nesse mesmo ano, abandonou a Unión de Jóvenes Comunistas e partiu para a oposição.

Desde então, passou 11 anos e meio no cárcere, acusado de porte de armas, em represália por suas denúncias de corrupção e de violação dos direitos humanos na ilha.

Em 2005, Fariñas fez greve de fome durante sete meses para reivindicar o acesso à internet para todos os cubanos, o que lhe acarretou diversos problemas de saúde.

Guillermo Fariñas recebeu o Prêmio Ciberliberdade da organização Repórteres Sem Fronteiras em 2006. No mesmo ano, a cidade de Weimar, na Alemanha, lhe concedeu seu Prêmio de Direitos Humanos, dotado em 2.500 euros – quantia que Fariñas doou aos presos políticos cubanos.

Em seu livro Radiografía de los miedos en Cuba (Cuba, 2009), Guillermo Fariñas retrata uma sociedade submissa e oprimida, e relata que o povo de Cuba vive em constante estado de terror.

Nomeado pelo Parlamento Europeu para o Prêmio Sakharov, ao lado da oposicionista etíope Birtukam Mideksa e da ONG israelense Breaking the Silence, Guillermo Fariñas obteve a confirmação da agraciação nesta quinta-feira (21/10). O prêmio que honra a liberdade de consciência já foi concedido às Damas de Branco e ao presidente do Movimento Cristão de Libertação, Oswaldo Payá.

Deutsche Welle: Sr. Fariñas, o que significa para o senhor receber o Prêmio Sakharov?

Guillermo Fariñas: Eu gostaria de dedicá-lo a Cuba, que está sofrendo tanto, aos seus cidadãos, a todos os cubanos que morreram ou fugiram buscando a democracia em outros países. Gostaria de dedicá-lo a todos os irmãos que me apoiaram durante a greve de fome e ao povo de Cuba, que não se deixou ludibriar pelas difamações que o governo cubano propagou contra a minha pessoa.

A situação de Cuba mudou desde que o senhor encerrou a greve de fome em 8 de julho passado?

Acho que a situação de Cuba mudou, sim, e de maneira abrupta. No momento, o governo está na defensiva. A reivindicação da grande maioria dos ativistas pró-democráticos de Cuba, que era a libertação dos presos políticos e de consciência, está surtindo efeito de maneira gradativa.

Isso deu à oposição uma nova perspectiva. O governo se viu na obrigação de se pronunciar sobre o assassinato de Orlando Zapata em seus órgãos de imprensa, mesmo que de forma difamatória e denegridora. Viu-se na obrigação de falar das Damas de Branco, mesmo que de maneira pejorativa, e de falar sobre a greve que realizamos com um grupo de irmãos.

Isso deu ao povo a sensação de que há homens e mulheres dispostos a enfrentar o governo e dar a vida por suas ideias, algo que invalidou o discurso de que não passamos de mercenários.

NO FLASH Kuba Guillermo Farinas
Após a greve de fome, Fariñas se declarou disposto a retomar sua atividade jornalísticaFoto: picture-alliance/dpa

O senhor passou 135 dias em greve de fome em protesto à forma como as autoridades tratam os presos de consciência. Qual é o seu estado de saúde?

No momento, estou convalescente e sendo observado e tratado por dois especialistas. Um deles é o cirurgião Dr. Pedro Figueroa pois, devido às sequelas da greve de fome, tive que tirar a vesícula no dia 3 de setembro. Tenho uma cicatriz de 24 pontos que está me causando grandes dores.

Mas a principal sequela da greve de fome e de sede são dois trombos que tenho nas veias da parte lateral esquerda do pescoço e do antebraço esquerdo. Estou tomando anticoagulantes e sendo observado meticulosamente por um angiologista, Dr. Amel Alfonso.

Como ficou a situação de Cuba depois que Raúl Castro anunciou as reformas econômicas em junho passado?

Após Raúl Castro ter anunciado que, em 2010 e 2011, um milhão e quinhentos mil cubanos serão postos na rua, a situação econômica, política e social de Cuba piorou de maneira brusca. Os protestos nos meios de transporte, nas filas para adquirir alimentos, entre os amigos por telefone já não se fazem às escondidas, mas sim de forma aberta.

Houve muitas brigas nas reuniões em que os líderes do Partido Comunista foram explicar aos trabalhadores que eles seriam mandados embora. Houve reclamações de cunho político e ideológico, o que realmente aponta para a instabilidade do governo cubano.

A Espanha defende a política de diálogo com Havana e aposta numa mudança por esse meio. Qual a sua opinião sobre a política de Madri?

Kuba Fidel Castro und sein Bruder Raul Castro
Fidel Castro e Raúl Castro, em 2004Foto: AP

Na minha opinião pessoal e na de um grupo de opositores pacíficos cubanos dentro do país, a suspensão da "posição comum" não seria adequada neste momento. Ela foi imposta justamente para conseguir que o governo cubano cumprisse com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e para que fosse alcançada a democratização de Cuba.

O fato de que dezenas de presos políticos estão sendo libertados não representa necessariamente um passo rumo à liberdade ou à democratização do país, já que as leis permanecem intactas e, a qualquer momento, esses presos poderiam retornar ao cárcere por arbitrariedade dos governantes.

O senhor quer que os Estados Unidos suspendam a proibição de que cidadãos norte-americanos visitem Cuba. Em que consiste essa proposta?

Isso seria benéfico para a democratização de Cuba. Lembremos que Cuba era uma sociedade muito fechada em 1978 e 1979, até que o governo – por motivos econômicos – se viu obrigado a permitir a entrada da comunidade cubana residente nos Estados Unidos. A sociedade cubana pôde então ver como viviam, como pensavam, como se vestiam, e se sentiu ludibriada pelo que o governo cubano havia dito.

Em 1980, houve um êxodo de massa: de 4 milhões de cubanos que requereram a saída do país, 125 mil realmente foram embora. Foi o chamado Êxodo de Mariel, em 1980.

Acho que o governo cubano não pode mais enganar o mundo no que toca à comunidade cubana residente no exterior. Todos os familiares das pessoas que vivem fora têm alguma solvência econômica, têm um nível de vida mais alto que os cubanos daqui.

O governo manipulou o nacionalismo e a agressividade do povo norte-americano contra Cuba. E as pessoas realmente não conhecem os americanos. Se os americanos pudessem entrar no país, acredito que o governo, apesar de se fortalecer economicamente, se debilitaria do ponto de vista ideológico.

Isso aceleraria as mudanças, porque o último reduto que se mantém já não é mais a comunidade cubana norte-americana, mas sim os próprios cidadãos norte-americanos e o povo norte-americano, que – segundo a propaganda castrista – quer invadir o país.

Quando as pessoas virem que os americanos vão nos trazer prosperidade, haverá uma mudança de postura entre os que continuam sendo enganados pela propaganda governamental.

Autora: Eva Usi (sl)
Revisão: Rodrigo Rimon