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Gustavo Dudamel: desafio alpino e o peso da omissão política

María Santacecilia / Augusto Valente4 de novembro de 2015

Em Berlim, o maestro venezuelano participou de uma maratona musical com dois outros colegas e vai reger uma ópera. Sobre ele ainda paira a cobrança por sua passividade pública em relação ao regime chavista de seu país.

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Regente venezuelano Gustavo Dudamel tem 34 anos
Foto: Richard Reinsdorf

O regente Gustavo Dudamel está na capital alemã para uma série de apresentações, das quais a parte mais importante cabe às cinco récitas da ópera As bodas de Fígaro, de Wolfgang Amadeus Mozart, na Staatsoper. Antes, porém, o filho mais famoso do "El Sistema" – o longevo e bem sucedido programa de educação musical e orquestras juvenis da Venezuela – enfrentou uma competição inusitada.

A ocasião foi o centenário da estreia de Eine Alpensinfonie (Uma sinfonia alpina), de Richard Strauss (1864-1949). Nesse poema sinfônico, o compositor de Munique, relembrando uma vivência de adolescência, narra um dia de escalada e descida de uma montanha, em cerca de uma hora de música.

O trajeto, que se inicia e termina à noite, é pontuado pelo nascer do sol, o encontro com uma cascata, um campo florido, uma geleira, a chegada ao topo, e culmina com uma tempestade e uma visão mística, antes do cair da noite final. Certos analistas, contudo, se recusam a ver na virtuosística e complexa peça musical apenas a descrição de uma excursão: inspirada em ideias do filósofo Friedrich Nietzsche, ela representaria toda a curva da existência humana.

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Richard Strauss se inspirou em vivência de adolescência para compor a "Sinfonia alpina"

Ex-competidores unidos em "cúpula alpina"

O próprio Richard Strauss regeu a Hofkapelle de Dresden na estreia da obra, em 28 de outubro de 1915, na antiga Berliner Philharmonie. Assim, para comemorar a ocasião, a Filarmônica de Berlim programou a Sinfonia alpina nada menos do que três vezes, em dias seguidos, com três dos principais maestros da atualidade à frente de três diferentes orquestras alemãs.

A abertura do que o jornal Tagesspiegel denominou "cúpula alpina" coube ao mais jovem da trinca, o venezuelano Dudamel, de 34 anos, regendo a Staatskapelle Berlin. Seguiu-se o berlinense Christian Thielemann, 56 anos, com a Sächsische Staatskapelle Dresden. E na conclusão do ciclo a própria orquestra Filarmônica de Berlim tocou sob a batuta do letão Andris Nelsons, de 36 anos.

Os três maestros têm mais em comum do que fato de comporem a atual elite do pódio orquestral internacional: seus nomes, entre outros, estiveram em evidência em maio, como possíveis sucessores do inglês Simon Rattle na direção musical da Filarmônica de Berlim, a partir de 2018. Depois de uma primeira votação frustrada, um mês mais tarde, a escolha acabou caindo sobre o menos carismático – porém excelente – Kirill Petrenko, de 43 anos e natural da Sibéria.

Dudamel e o "adversário" Andris Nelsons (esq.), da Letônia

Escalada espetacular – com ressalvas

Como o julgamento musical é, em parte, subjetivo, fica quase impossível definir quem saiu vencedor da maratona alpina. E provavelmente a questão é supérflua, já que, num ranking de tão alto nível, o importante, de fato, é ter competido – com bravura.

Ainda assim, não há como ignorar que o regente sul-americano não emplacou como o favorito da crítica musical alemã – num concerto que também incluiu a pós-romântica Passacagliade Anton Webern (1883-1945) e a Sinfonia nº 103, "Rufar de tímpanos", de Joseph Haydn (1732-1809).

Segundo o Tagesspiegel, Dudamel se confirmou como "escalador experimentado, sempre de olho nos trechos mais bonitos" da Sinfonia alpina, contudo "encarou a tarefa como um esportista", sem buscar "segundos sentidos ou níveis narrativos paralelos".

O Der Freitag destaca a espetacular intensidade da "cena da tempestade", nas mãos do venezuelano, como algo que "seguramente não se vai voltar a escutar tão cedo". Todo o mais, antes e depois, contudo, não teria transcendido o kitsch imanente à obra, "composto com alto gênio, porém exclusivamente ilustrativo". Comparando, o crítico louva a superioridade da versão de Thielemann.

O Berliner Morgenpost concorda que a "tormenta de horror, de dimensões apocalípticas" foi o ponto culminante da noite, depois de Dudamel ter conduzido os 140 músicos da Staatskapelle Berlin ao cume "sem rodeios, como um guia sob um cronograma apertado".

Escalada concluída, o jovem venezuelano – numa até então atípica aproximação ao mundo operístico – se prepara agora para reger As bodas de Fígaro no Teatro Schiller, onde a Staatsoper de Berlim está provisoriamente aquartelada. A estreia da nova montagem de Jürgen Flimm é em 7 de novembro.

Venezuela Dirigent - Gustavo Dudamel Chor
Dudamel rege concerto comemorativo pelos 40 anos de "El Sistema" na VenezuelaFoto: Imago/Xinhua

A sombra da passividade política

Desde sua chegada à capital alemã, Gustavo Dudamel tem se recusado a conceder entrevistas. Talvez por, recentemente, uma nuvem política ter ameaçado obscurecer sua fulgurante carreira musical. O ponto de atrito foi sua recusa de comentar os efeitos na Venezuela do "socialismo do século 21", do finado Hugo Chávez e de seu sucessor, Nicolás Maduro.

No final de setembro, num artigo de opinião para o Los Angeles Times, intitulado "Por que guardo silêncio sobre a política venezuelana", o maestro admitia as críticas a sua passividade, reconhecendo que uma atividade como a sua pode ter ramificações políticas.

Ele assegura trabalhar "pela paz, a justiça e a igualdade de oportunidades". Mesmo assim, confirma que não quer expor "El Sistema" – cuja história remonta a muito antes do advento do chavismo –, manifestando publicamente sua opinião. Uma decisão respeitável? Seus detratores insistem que não.

Waleri Gergijew
Do maestro Valery Gergiev cobra-se seu excesso de engajamento político por PutinFoto: picture-alliance/dpa/CTK Photo/Michal Dolezal

A posição de Dudamel é inversamente análoga à de seu colega russo, o veterano Valery Gergiev, sob a mira da opinião pública por seu apoio ostensivo ao regime de Vladimir Putin.

Mas é improvável que a opção (a)política do jovem venezuelano chegue a representar um obstáculo a sua carreira. A trajetória de Dudamel é extremamente sólida, e os maestros têm o privilégio de uma vida profissional potencialmente muito longa – a exemplo do próprio Richard Strauss e ao contrário de cantores, dançarinos e outros artistas. Afinal, o tempo é paciente e costuma apagar tanto atos como omissões.