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Imigrantes africanos lutam por reconhecimento em Israel

Kate Shuttleworth, de Tel Aviv (sv)9 de janeiro de 2014

Luta de família da Eritreia evidencia dificuldades que refugiados africanos enfrentam em Israel, onde o Estado se recusa a emitir certidões de nascimento completas para filhos de estrangeiros.

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Gabramora e Welideslage com a filha Bet El: luta por documentos completosFoto: DW/K. Shuttleworth

Bet El vai fazer 2 anos em julho de 2014 e ainda não tem a mínima ideia a respeito da influência que Israel exerce sobre sua vida. Quando ela nasceu, o Estado de Israel negou-se a incluir o nome de seu pai na certidão de nascimento.

Os pais – Ruth Welideslage, de 27 anos, e Garber Gabramora, de 34 – haviam se casado na Eritreia no ano de 2005. Eles têm dois filhos que ainda estão na Eritreia: Milkas, de 7 anos, e Yad El, de 5. Gabramora nunca viu seu segundo filho.

Ao contrário de muitos refugiados, ele nunca pagou atravessadores para garantir sua entrada em Israel. Sua história é diferente: ele foi sequestrado.

Gabramora passou dez anos prestando trabalhos como motorista e soldador aos militares eritreus. Sua mulher teve sequelas da segunda gravidez e não pôde mais cuidar do primeiro filho do casal. Ela enviou uma mensagem para Gabramora, mas esta nunca lhe foi entregue.

"Outra pessoa do lugar onde eu vivia estava de férias do serviço e, quando voltou para a unidade, perguntou se eu havia recebido a mensagem. Fui falar com os oficiais e perguntei se isso era verdade. Fiquei muito triste e saí correndo", relata ele.

Três semanas mais tarde, dois militares foram até a casa dele e o prenderam, embora ele tenha tentado negociar. Gabramora foi levado para uma prisão em Assab, uma cidade portuária da Eritreia, por ter se recusado a retornar ao militares. Mas ele conseguiu fugir e foi para a Etiópia e, de lá, para o Sudão, de onde contactou sua família.

"Estava trabalhando na soldagem no Sudão quando me ofereceram um emprego em outro lugar. Essas pessoas me colocaram num carro rumo ao Sinai sem a minha permissão, ou seja, fui sequestrado", relata Gabramora.

Ele teve de pagar 2.500 euros para os sequestradores, mas estes queriam levâ-lo para Israel.

Israelisches Flüchtlingslager in Sadot
Israel criou polêmicos centros de detenção 'abertos' para controlar migração africanaFoto: DW/K. Shuttleworth

Terra prometida?

Na maioria dos casos, as pessoas são transportadas para Israel em caminhões, mas Gabramora teve de atravessar a pé, tendo sido baleado por forças egípcias de segurança. Por sorte, sobreviveu.

A mulher dele não tinha ideia de onde ele estava e ficou preocupada. "Não sabia se ele estava preso, se estava na Eritreia ou na Etiópia. Só quando ele ligou do Sudão é que fiquei finalmente sabendo", conta ela.

Quando Gabramora chegou a Israel, foi posto por seis meses na prisão de Saharonim e, depois de ser solto, recebeu uma passagem de ônibus para Tel Aviv. "Quando cheguei a Tel Aviv, achei que eles estavam me mandando para algum lugar e que alguém iria me receber no desembarque do ônibus, oferecer um lugar para morar, algo para comer, mas não era nada disso. Eu não conhecia ninguém na cidade e não tinha dinheiro nem para comprar água. Conversei com algumas poucas pessoas e todo mundo dizia estar na mesma situação. E que em poucos dias eu saberia o que fazer e como sobreviver", recorda Gabramora.

Ele conseguiu então trabalhos ocasionais em Netanya e depois mudou-se para Yavne. Foi quando começou a tentar trazer sua mulher para Israel. Ela havia sido presa quando os militares descobriram que o marido havia desaparecido e estava sendo obrigada a pagar a quantia de 3.500 euros.

"Eu disse que iria pagar, mas precisava de tempo. Eles me deram três meses para isso. Quando me liberaram, fugi para a Etiópia. Meus filhos ficaram com minha sogra – mas ela é muito idosa e não está em condições de cuidar deles", relata Welideslage, mulher de Gabramora.

Ele acabou pagando 750 euros para que ela pudesse ir para a Eritreia um ano mais tarde, em 2010. Welideslage cruzou a fronteira do Sinai e ficou presa durante seis semanas em Israel.

O casal vive agora em Yavne, ao sul de Tel Aviv. Gabramora vinha trabalhando como soldador, mas o seu visto expirou, e ele está prestes a ter que abandonar o trabalho.

Bet El é a primeira filha dos dois a nascer em Israel, em 2012. Mas sua certidão de nascimento não inclui o nome de Gabramora.

Restrição de direitos

O Estado de Israel só emite certidões de nascimento para estrangeiros com o nome da mãe. De nada adiantou Gabramora ter feito um pedido ao ministro do Interior para que emitisse uma certidão de nascimento completa, com seu nome e de sua mulher.

"Eles me disseram que a lei é assim. Perguntei ao homem do guichê se as certidões de nascimento de seus filhos contêm somente um nome e ele me disse que não. Perguntei a ele por que a da minha filha deveria ser assim", relata Gabramora.

Afrikanische Flüchtlinge demonstrieren in Israel
Refugiados africanos estão lutando por seus direitos em IsraelFoto: Reuters

"Eles tratam bebês como animais. É muito importante que a minha filha tenha meu nome em sua certidão de nascimento", completa. Gabramora e Welideslage vão ter mais um filho em três meses e, de acordo com novas leis que estão sendo debatidas em Israel, é possível que esse bebê não tenha nenhuma certidão de nascimento.

O Estado aperta o cerco

O Estado de Israel planeja parar de emitir certidões de nascimento para filhos de estrangeiros nascidos no país, deixando-os sem qualquer documento oficial que confirme o nascimento da criança – uma mudança que contraria a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. A mudança na lei atingiria todos os filhos de estrangeiros, sejam estes diplomatas, sejam refugiados.

Não ter uma certidão de nascimento pode trazer muitas dificuldades para uma pessoa, lembra a Associação dos Direitos Civis em Israel (ACRI). Ela não pode obter passaporte, mudar-se para outro país, casar ou cursar uma universidade.

As autoridades de Israel afirmam que não são obrigadas a emitir a documentação e querem impedir os estrangeiros de usar certidões de nascimento para forçar a permanência no país. Documentos encaminhados ao Judiciário em fins de 2013 revelam os planos do governo de passar a emitir somente notificações de nascimento manuscritas quando uma criança nasce num hospital. Essas notificações não teriam caráter oficial.

A ACRI entrou com uma ação legal em favor de uma família de requerentes de asilo proveniente da República Democrática do Congo: um casal com permissão de permanência e de trabalho em Israel obteve a certidão de nascimento do filho recém-nascido somente com o nome da mãe, tendo sido negada uma certidão incluindo o nome do pai.