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Intervenção da Siemens pode resolver impasse da francesa Alstom

Andreas Becker (av)28 de abril de 2014

Paris vê união de sua campeã de energia e transportes com multinacional alemã como alternativa à incorporação pela americana GE. Mas especialistas detectam mudança de mentalidade e perda de bases industriais da França.

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Foto: Reuters

Em princípio, o presidente da francesa Alstom, Patrick Kron, e o da General Electric (GE), Jeffrey Immelt, já estavam de pleno acordo: a americana GE, um dos maiores conglomerados de tecnologia do mundo, incorporaria a companhia francesa por quase 10 bilhões de dólares. Porém, os dois altos empresários haviam feito seus cálculos sem considerar a política.

"Nós nos recusamos a ver essa figura de proa nacional ser vendida, pelas costas dos acionistas, dos assalariados e do governo francês", comunicou o ministro da Economia da França, Arnaud Montebourg, nesta segunda-feira (28/04), pela rede social Twitter. Ele disse que pretende "defender os interesses econômicos e industriais da França".

A Alstom é considerada uma empresa de valor estratégico para o país, por atuar no setor da energia e, sobretudo, por fabricar turbinas para as numerosas usinas termonucleares do país. Porém, há mais em jogo: o caso da Alstom seria "infelizmente, mais um sinal de que a França saiu dos trilhos", disse o presidente do partido conservador de oposição UMP, Jean-François Copé, à emissora Europe 1.

"Não repitamos os erros do passado", apelou ex-ministro do Interior Jean-Pierre Chevènement, citando as empresas Pechiney, Arcelor-Mittal e Lafarge como exemplos de consórcios industriais incorporados por concorrentes estrangeiros.

Base industrial ameaçada

O socialista Chevènement não inclui em sua lista, porém, a injeção de capital da montadora estatal chinesa Dongfeng e do Estado francês no grupo PSA-Peugeot-Citroën, cujos acionistas aprovaram na última sexta-feira a bilionária operação de resgate.

Os exemplos demonstram que a França corre o risco de perder sua base industrial. A agência europeia de estatísticas Eurostat estima que a indústria representa 12,8% da economia nacional – portanto, menos da metade do que ela é na Alemanha e bem menos do que na Espanha ou na Itália.

Dez anos atrás, o então governo conservador salvou a Alstom com verbas públicas, evitando assim que a alemã Siemens assumisse seu setor de energia. No entanto, agora poderá ser justamente essa a solução para a Alstom: a incorporação de seu departamento de tecnologia energética pela Siemens. Em contrapartida, a empresa alemã lhe entregaria seus negócios de transportes ferroviários. Até o momento, o trem de alta velocidade TGV da firma francesa concorre com o ICE da Siemens.

Mudança de mentalidade

Bildergalerie Hochgeschwindigkeitszüge Frankreich TGV
TGV da Alstom compete com ICE da SiemensFoto: picture-alliance/dpa

A GE e a Siemens faturam, cada uma, cerca de 75 bilhões de euros em transações industriais, contra 20 bilhões da concorrente francesa.

"A Alstom faz grande parte de seus negócios com clientes franceses, por exemplo, a empresa ferroviária SNCF ou a operadora de energia Gaz de France", observa Thomasz Michalski, economista da escola superior de economia HEC Paris. "E esses clientes não compraram muito nos últimos anos."

O governo francês parece preferir a oferta da Siemens a uma incorporação pela GE, embora não tenha nenhuma objeção por princípio a uma intervenção a partir do exterior. "De fato, ainda existe esse reflexo de querer manter as francesas as firmas", admite Michalski, "mas o governo sabe que está seriamente endividado e que dispõe de pouco espaço para uma intervenção".

Porém Michalski vê indícios de uma mudança de mentalidade, para além da falta de recursos financeiros. Quando, em 2012, o conglomerado siderúrgico ArcelorMittal desligou suas fornalhas na região de Lorraine, houve, sim, clamor por parte da política, mas nenhuma intervenção estatal, no fim das contas.

Também em abril deste ano, quando a Lafarge, segunda maior fabricante mundial de material de construção, anunciou que transferiria sua central para a Suíça, após a fusão com a suíça Holcim, campeã do setor, Paris tampouco interferiu.

Choque de culturas

Entretanto, o Estado quer evitar por todos os meios que se repita o caso do tradicional conglomerado industrial Pechiney. Em 2003, na época como quarta maior fabricante de alumínio do mundo, ela foi incorporada pelo grupo canadense Alcan. "A Alcan então desmembrou a Pechiney, vendeu algumas partes, fechou outras e demitiu os funcionários", lembra Michalski.

O economista ressalta que, para os franceses, foi um choque a decisão de subordinar inteiramente aos interesses dos acionistas a manutenção dos postos de trabalho e das arrecadações tributárias, numa opção contrária à ética e cultura empresarial nacional.

"Por isso, os franceses preferem uma aliança com uma firma alemã. Ela tem uma cultura mais semelhante à sua própria do que a 'cultura dos shareholders', das empresas anglo-saxônicas", explica Michalski.

Para Montebourg, a oferta da Siemens poderia resultar no nascimento de duas campeãs europeias. O ministro da Economia compara a situação à criação do consórcio aeronáutico Airbus, como concorrência à fabricante americana Boeing, que dominava o mercado.

"Ou somos comprados pela Boeing, ou criamos uma Airbus da energia e outra dos transportes", comentou Montebourg no Twitter.

O ministro da Economia e vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, considera a ideia francamente atraente. Uma fusão da Siemens com a Alstom apresenta "grandes chances" para ambos os países", declarou seu porta-voz.