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"Investir em energia nuclear só agrava crise climática"

Gero Rueter
11 de março de 2021

Quando o Japão lembra o 10º aniversário do desastre de Fukushima, muitos apostam na energia atômica como resposta ao aquecimento global. Em entrevista à DW, especialista explica por que discorda dessa tese.

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Mycle Schneider
Mycle Schneider diz que reatores nucleares são o pior investimento para quem pensa em clima e eficiência econômicaFoto: Nina Schneider

Enquanto o Japão lembra o 10º aniversário do desastre nuclear de Fukushima, continua o debate global sobre os méritos do uso da energia nuclear para enfrentar a crise climática. Muitos ambientalistas se opõem, apontando para o risco de colapsos nucleares e a dificuldade de descarte adequado do lixo nuclear.

No entanto, o método tem sido defendido por outros por sua capacidade de produzir grandes quantidades de energia livre de carbono. Editor do Relatório de Status da Indústria Nuclear Mundial (WNISR, na sigla em inglês), que avalia anualmente a situação e as tendências da indústria global de energia atômica, Mycle Schneider, diz em entrevista à DW que a energia nuclear deve ser descartada como solução para contornar a crise climática.

"Não só porque é a forma mais cara de geração de eletricidade hoje, mas principalmente porque a construção de reatores leva muito tempo", diz. Ele afirma que atualmente outras fontes energéticas são mais baratas. "Energias renováveis ​​se tornaram tão baratas que, em muitos casos, estão abaixo dos meros custos operacionais das usinas nucleares", ressalta.

DW: O aquecimento global não deve passar de 1,5° C. Que papel a energia nuclear pode desempenhar nessa meta?

Mycle Schneider: Hoje temos que colocar a questão da urgência em primeiro lugar. O problema é quanta redução de gases do efeito estufa posso alcançar e com que rapidez isso pode ser feito para cada euro gasto. Isso quer dizer: é a combinação entre o custo e a viabilidade da maneira mais rápida possível.

E se estamos falando sobre a construção de novas usinas de geração de energia, então a energia nuclear está simplesmente descartada. Não só porque é a forma mais cara de geração de eletricidade hoje, mas principalmente porque a construção de reatores leva muito tempo. Isso significa que cada euro investido em novas usinas nucleares agrava a crise climática, porque esse dinheiro não fica disponível para opções de proteção climática mais eficientes.

E as usinas nucleares já existentes?

As usinas existem, fornecem eletricidade. No entanto, hoje muitas medidas para maior eficiência energética são mais baratas do que os meros custos operacionais de usinas nucleares. Esse é o primeiro ponto que, infelizmente, é sempre esquecido.

O segundo é que hoje as energias renováveis ​​se tornaram tão baratas que, em muitos casos, estão abaixo dos meros custos operacionais das usinas nucleares.

Deixe-me dar dois exemplos: o preço mais baixo do mundo para a energia solar é atualmente em Portugal, de 1,1 centavos de euro por quilowatt-hora. E agora temos os primeiros resultados da Espanha com custos de energia eólica e solar em torno de 2,5 centavos por quilowatt-hora. Esses são custos que estão abaixo dos custos puramente operacionais da grande maioria das usinas nucleares do mundo.

Frequentemente, era possível até mesmo pagar de 1 a 1,5 centavos por quilowatt-hora para armazenamento de eletricidade, além dos custos de geração de energia eólica e solar, e permaneceria abaixo dos custos operacionais das usinas nucleares. E então temos que fazer a mesma pergunta aqui: quantas emissões posso evitar com um euro, um dólar ou um yuan?

Por que agora ainda são anunciados projetos de construção?

Muitas vezes tenho a sensação de que, quando se trata de energia nuclear, acabamos no trumpismo. Os fatos não importam mais. Em toda parte se fala de planos e projetos. Mas, na realidade, pouco ou nada acontece. Documentamos isso em detalhes todos os anos em mais de 300 páginas em nosso Relatório de Status da Indústria Nuclear Mundial.

Quais são os interesses por trás disso?

Esses são interesses próprios muito claros. Se a indústria atualmente não lançar nem mesmo projetos fantasmas, morrerá ainda mais rápido.

E por que os políticos participam disso?

Existem diferentes interesses aqui. Durante uma visita à Creusot Forge em dezembro de 2020, por exemplo, o presidente francês [Emmanuel] Macron deixou claro que também há interesses estratégicos militares na manutenção da indústria nuclear. E a França nunca escondeu o fato de que os interesses civis e militares no campo nuclear estão intimamente ligados.

Em outros países, como a China, existem interesses diferentes. A China está financiando infraestrutura em um grande número de países por meio de sua iniciativa Belt & Road, conhecida como Nova Rota da Seda. Isso é geopolítica em grande escala.

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O cofinanciamento da central nuclear de Hinkley Point C no Reino Unido, por exemplo, insere-se neste contexto. Nesse caso, é irrelevante que seja um projeto ineficiente economicamente. A escala dos investimentos chineses em infraestrutura é gigantesca. Fala-se de 1 trilhão de dólares. Quer dizer: é preciso olhar para cada país, e em cada país existem interesses próprios.

E que interesses as empresas de energia têm em ainda continuar operando reatores não lucrativos?

O principal motivo é que uma usina nuclear em operação gera receita. Assim que uma usina nuclear é desativada, surgem passivos no balanço patrimonial e surgem despesas adicionais.

Você pode ver isso no exemplo do Japão. O fechamento oficial de usinas nucleares frequentemente demorava anos porque as empresas não podiam se dar ao luxo de retirar essas usinas nucleares de seus ativos no balanço patrimonial. Algumas dessas operadoras teriam falido da noite para o dia.

Não há dúvida de que operadores como o produtor de energia nuclear EDF na França estão em uma crise financeira muito grave. A questão é: como eles vão sobreviver a isso? Certamente, a longo prazo, não sobreviverão sem subsídios governamentais massivos. Mas enquanto ainda se podem ganhar euros, mesmo que deixem de ser lucrativos, as questões dos gastos com demolição e gestão de resíduos não entram em jogo.

Os gatos esquecidos de Fukushima

Quais são os custos de uma desativação?

Da ordem de um bilhão de euros por reator. Na França, apenas um terço disso foi reservado. Isso quer dizer: o problema começa quando os reatores são desativados.

E quanto custa o armazenamento final de resíduos altamente radioativos?

Ninguém sabe os custos reais porque não existe um repositório permanente em funcionamento.

Existe alguma perspectiva para um depósito permanente em funcionamento no futuro?

Atualmente não há repositório permanente em funcionamento. Os projetos mais avançados estão na Finlândia e na Suécia. No entanto, o conceito lá é baseado em um design do início dos anos 1980 com armazenamento em recipientes de cobre. Mas pesquisas recentes mostraram que os recipientes de cobre são muito mais suscetíveis à corrosão do que se supõe. Isso significa: o início do funcionamento na Suécia e na Finlândia ainda não está totalmente claro. E essa situação também se aplica a outros países, que estão ainda mais distantes no planejamento ou onde não existem sequer conceitos teóricos, muito menos locais para a construção desses depósitos.

E como estão os países asiáticos nesse aspecto?

No Japão não há um local de armazenagem, não há um plano. Na Coreia também é a mesma coisa. Na China, discute-se se o lixo nuclear deve ser reprocessado ou não. Lá estão mais distantes ainda. Basicamente, esses países se comportam exatamente como os países do Ocidente, onde as usinas nucleares foram construídas duas ou três décadas antes. Isso significa: não há planejamento prévio e nenhum conceito coerente de como o lixo altamente radioativo deve ser armazenado para a eternidade.