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Jornalistas preocupados com liberdade de imprensa na França

26 de junho de 2019

Repórteres foram acusados de revelar segredos de Estado e interrogados pelos serviços de inteligência franceses, o que gerou temores de que o jornalismo investigativo pode estar sob ameaça no país.

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Frankreich Paris | Präsident Emmanuel Macron - Antwort auf Gelbwesten-Proteste
Macron e a mídia, uma relação difícilFoto: Reuters/P. Wojazer

Sentadas num café no centro de Paris, cerca de cem pessoas assistem a um vídeo que mostra como jornalistas do Disclose, um novo veículo da mídia on-line, identificaram tanques franceses em vídeos de guerra no Iêmen.

Um dos autores, o jornalista investigativo Mathias Destal, explica no vídeo por que ele e sua equipe acreditam que a empresa estatal de armamentos Nexter forneceu armas e tanques à Arábia Saudita, que foram usados contra civis no Iêmen. O governo, segundo ele, sabia disso.

A reportagem não chocou apenas o público. Ela também provocou uma dura reação do governo francês, que processou o jornalista por revelar segredos de Estado: os relatos são baseados em documentos secretos.

Destal e dois outros jornalistas do Disclose foram interrogados pelos serviços secretos.

"Fomos recebidos por duas policiais que nos levaram quatro andares abaixo do nível do solo para uma sala de interrogatório – foi bastante intimidante", contou.

Os interrogadores tinham inúmeras perguntas sobre a política editorial do Disclose, como ele é financiado e se Destal entendeu o que significa a expressão "segredo de estado".

"Um dos meus colegas foi questionado sobre algumas de suas postagens no Twitter e no Facebook que não estão relacionadas a esse relatório", disse o jornalista.

Apenas uma pergunta tinha a ver com as fontes dos jornalistas, o que fez Destal pensar que era, acima de tudo, uma tentativa de intimidá-lo.

"Como jornalista, normalmente se é processado por difamação perante um tribunal especial. Mas, neste caso, os investigadores não parecem questionar a veracidade do que escrevemos. E a investigação não é conduzida por juízes independentes, mas pelo Promotor Público que está, pelo menos formalmente, sob a autoridade do Ministério da Justiça", explicou.

Destal poderia pegar cinco anos de prisão e ter que pagar uma multa de até 75 mil euros (325 mil reais).

E Disclose não é o único veículo de mídia que está na mira do governo. Nos últimos três meses, os serviços secretos interrogaram oito jornalistas de várias publicações, assim como o diretor do jornal Le Monde sobre o escândalo das armas no Iêmen e o chamado caso Benalla, referente a Alexandre Benalla, ex-segurança do presidente Emmanuel Macron que agrediu manifestante no Primeiro de Maio de 2018.

Pauline Ades-Mevel, porta-voz da ONG Repórteres Sem Fronteiras, em Paris, afirma que os eventos são um ataque ao jornalismo investigativo. "O fato de os serviços secretos interrogarem jornalistas é um problema, mas se torna um grande problema quando muitos jornalistas estão sendo interrogados em tão pouco tempo", aponta a porta-voz.

Ela explica que os processos judiciais estariam tirando dos jornalistas tempo e recursos que eles poderiam dedicar a outras investigações. E que isso provavelmente também afugentaria potenciais fontes e teria um efeito intimidante sobre outros jornalistas investigativos: "Eles pensarão duas vezes antes de investigar certas histórias".

Além disso, as acusações vêm num contexto mais amplo, explica Jean-Marie Charon, especialista em mídia e pesquisador da Escola de Ciências Sociais (Ehess). Segundo Charon, a França está caminhando para trás em relação à liberdade de imprensa.

"Foram introduzidas algumas leis ao longo dos últimos anos que fortalecem o arsenal na luta contra o terrorismo e também protegem os segredos comerciais. Essas leis restringem cada vez mais a forma como os jornalistas podem trabalhar", critica Charon.

Charon acrescenta que os jornalistas também estiveram na mira das autoridades durante os recentes protestos dos "coletes amarelos", manifestações que foram inicialmente desencadeadas por um novo imposto de combustível e depois se transformaram numa revolta contra a elite política e o governo Macron.

"A polícia espancou jornalistas ou confiscou ou danificou seu material em 105 casos. Tudo isso – as acusações, as novas leis e a repressão aos jornalistas – leva a crer que há temas que os jornalistas não devem cobrir", diz Charon.

No passado, os governos franceses tiveram, muitas vezes, uma relação complicada com a mídia. Nessa questãok, Charon avalia Macron como pior que alguns de seus antecessores.

"Macron parece acreditar que a imprensa precisa ser mantida sob controle. Em vários pontos, ele se apresenta um pouco como sabe-tudo, explicando aos jornalistas como devem fazer seu trabalho e dizendo que a mídia está noticiando muitas coisas, mas não as importantes", comenta o especialista em mídia.

Raphael Gauvain, parlamentar do partido de Macron, diz discordar que os jornalistas estejam sendo alvo de excessos.

"Nós não estamos, de forma alguma, tentando amordaçar a imprensa. É completamente normal conduzir investigações quando segredos de Estado são revelados. Os serviços secretos realizaram o interrogatório, sim, mas eles estão atendendo a uma solicitação do promotor e não do ministro da Justiça", afirma o parlamentar.

"Devemos confiar na nossa democracia e na funcionalidade do nosso sistema jurídico. O último vai decidir, no final, quem tem prioridade – nossos segredos de Estado ou a liberdade de imprensa", sublinha Gauvain.

O pesquisador de mídia Charon, no entanto, explica que o governo está expandindo a definição de segredos de Estado: "Eu entendo que o termo é usado para proteger as vidas dos soldados, por exemplo, no Mali. Mas, aqui, isso estaria ajudando o governo a manter a sua reputação. Não é assim que deveria ser."

O jornalista Destal, por sua vez, afirma estar convencido de que continuará seu trabalho investigativo – agora mais do que nunca.

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