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O rastro do terror de direita em Freital

7 de setembro de 2020

Em 2015, habitantes de cidade do leste alemão que demonstraram solidariedade com refugiados passaram a ser alvos de ataques e ameaças. Cinco anos depois, Justiça começa a julgar quatro acusados de orquestrar atentados.

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Protesto de direita contra a chegada de refugiados na cidade alemã de Freital, em 2015
Protesto de direita contra a chegada de refugiados na cidade alemã de Freital, em 2015Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Meyer

As ameaças, que tiveram início em 2015, fazem com que Steffi Brachtel se pergunte o mesmo todos os dias. "O que me espera atrás do próximo carro? O que me aguarda quando a porta do elevador se abrir?"

Ela se recorda dos insultos que recebeu através da internet e da sensação de ser vigiada. "Em agosto de 2015, minha caixa de correio explodiu. Meu filho foi atacado", disse. Brachtel vive na aparentemente tranquila Freital, cidade de 40 mil habitantes cortada pelo rio Weissritz, próxima a Dresden.

Sua vida virou de cabeça para baixo há cinco anos, quando ela se juntou a outras pessoas para ajudar os refugiados que lá chegavam. O ódio contra eles eclodiu na cidade antes mesmo da chegada dos estrangeiros. Centenas de pessoas saíram às ruas vez após vez, depois de saberem que os migrantes seriam acomodados em um antigo hotel.

Em 2015, havia duas imagens contrastantes. De um lado, se via a terrível guerra civil na Síria e suas consequências catastróficas para centenas de milhares de mulheres, homens e crianças, que fugiam a pé e de barco em busca de segurança. Muitos morreram afogados nas tentativas de atravessar o Mar Mediterrâneo rumo à Europa. Crianças mortas apareciam nas pitorescas praias gregas.

Por outro lado, havia imagens de lugares como Freital, onde multidões enfurecidas tomavam as ruas reclamando que os refugiados recebiam apoio do governo aos quais eles mesmos, como cidadãos, não tinham acesso. O ódio deixou Brachtel em choque.

"Para mim, foi terrível ver esse ódio e pré-julgamento vindo de minha cidade. Nasci aqui e tive uma infância feliz. Mas agora, há também esse lado feio", afirmou.

O ódio não se resumiu aos protestos de rua. Várias iniciativas de cidadãos foram formadas. Pessoas se intitularam defensoras da cidade e passaram a promover campanhas de desinformação sobre os refugiados. Redes sociais foram tomadas por insultos racistas contra os migrantes e seus apoiadores, como Brachtel.

Uma iniciativa autodenominada Grupo Freital foi mais longe. Segundo Brachtel, eles "queriam o terror, e foi isso que fizeram". Em 2018, oito membros e afiliados ao grupo receberam pesadas penas de prisão, acusados de fundar uma organização terrorista e de "atentar contra abrigos de refugiados e apartamentos, escritórios e veículos de seus opositores com explosivos. Os réus visavam criar uma atmosfera de medo e repressão", afirma a decisão do tribunal em Dresden.

Steffi Brachtel, que sofreu ameaças por participar de grupos de ajuda aos refugiados em Freital
Steffi Brachtel, que sofreu ameaças por participar de grupos de ajuda aos refugiados em FreitalFoto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert

As condenações, porém, não colocaram fim às preocupações de Brachtel. Ela não sai mais de casa á noite, por saber que os terroristas têm mais apoiadores do que os oito que estão presos. "Você se sente sem poder algum", disse. "Sempre me senti segura, mas logo as ameaças se aproximam de você. Você lê os insultos online que trazem informações sobre sua família. Isso leva à paranoia."

Michael Richter era membro do Conselho Municipal em 2015. Como líder local do partido A Esquerda, ele trabalhou com Brachtel no apoio aos refugiados, o que fez com que também se tornasse um alvo. "Tive acesso aos documentos do tribunal. Eles sabiam tudo sobre mim. Depois de explodirem meu carro, eles tentaram o mesmo como meu novo veículo, comigo dentro. Eles sabiam de tudo", contou. 

Os detalhes bastaram para que ele deixasse Freital em 2017. "Era opressivo, catastrófico", disse. "Um dos suspeitos era meu vizinho." Depois de sair em licença médica por nove meses, Richter se estabeleceu na Baviera, sul da Alemanha, onde trabalha em uma fazenda e evita a política. "Sinto-me livre agora", diz. "Posso expressar minha opinião livremente."

Novo julgamento

Um segundo julgamento contra quarto outros membros do Grupo Freital teve início neste 7 de setembro. Um dos acusados também era membro do Conselho Municipal.

O partido ultradireitista e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) conta atualmente com a maior fatia de representantes no Conselho. Em 2015, Rene Seyfried, o líder local da legenda, promoveu protestos em frente aos centros de acolhimento através de um grupo de chat online que incluía extremistas de direita. Um dos réus é um ex-funcionário de Seyfried. Nas conversas, ele escreveu "vou caçar todos eles".

Ao invés de expressarem preocupação com as manchetes negativas sobre a cidade, o prefeito e outras autoridades locais preferiram minimizar a violência em Freital, ao se referirem aos acusados como "vagabundos". "Espero que esse segundo julgamento finalmente mostre aos que ainda duvidam que se trata de são criminosos, não apenas de um punhado de vagabundos'", afirmou Brachtel.

Julgamento de oito mebros do Grupo Freital em 2018
Julgamento de oito mebros do Grupo Freital em 2018Foto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert

Sobre os eventos de 2015, o gabinete do prefeito disse à DW através de nota que "esses foram atos repreensíveis de um pequeno grupo". O comunicado não menciona os muitos moradores de Freital que desdenharam dos ataques contra os migrantes não sendo "contra alemães", tampouco o atentado contra um político eleito.

Para Brachtel, os dois julgamentos tiveram impacto sobre a mentalidade de seus vizinhos. Os crimes são vistos agora como sendo de extremismo de direita e não apenas como pequenos delitos. Mesmo assim, ela se mantém cautelosa. "Acho que isso poderia voltar a acontecer. É apenas a ponta do iceberg. Há ainda muito apoio ao que ocorreu aqui. O perigo ainda existe", afirmou.

Atualmente, 120 refugiados vivem em Freital, espalhados pela cidade em apartamentos privados. Há uma média de 325 habitantes para cada refugiado. Muitos deles são membros de clubes esportivos e outras iniciativas, segundo as autoridades locais. Alguns estão ativamente envolvidos nos trabalhos comunitários. Um relatório municipal avaliou como "construtiva" a presença dos migrantes.

Contudo, em março, um homem fez um gesto nazista ao gritar "Sieg Heil" ("viva a vitória") enquanto passava de carro em frente a um grupo de refugiados. Em maio, uma mulher negra foi atacada na rua, quando um homem a ameaçou e cuspiu nela. Pichações nazistas são com frequência pintadas em fachadas e carros. 

Mesmo assim, a maioria dos habitantes pacíficos de Freital permanece em silêncio.

 

Deutsche Welle Pfeifer Hans Portrait
Hans Pfeifer Ele é um repórter multimídia apaixonado, especializado em extrema direita.