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Pelas vítimas de Franco

DW (av)17 de outubro de 2008

Após mais de 70 anos, um juiz quer acertar contas com o passado fascista da Espanha, e exuma mortos da guerra civil. Críticos o acusam de violar lei de anistia. Entre as vítimas, o poeta García Lorca.

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Vala comum da Guerra Civil em MálagaFoto: AP
Der spanische Richter Baltasar Garzon
Juiz Baltasar GarzónFoto: picture-alliance/dpa

O juiz central de instrução Baltasar Garzón, da Audiência Nacional da Espanha (tribunal central encarregado do julgamento de crimes graves), apresentou na quinta-feira (16/10) um documento de 68 páginas. Ele servirá de base para as investigações sobre a morte ou desaparecimento de dezenas de milhares de espanhóis durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

Trata-se da maior operação gênero na história do país. Garzón concentra-se sobretudo nos crimes cometidos pelos franquistas. Sua justificativa é que os atos de crueldade dos republicanos já haviam sido investigados pelo regime do general Francisco Franco. Calcula-se que a Guerra Civil fez 500 mil vítimas de ambos os lados.

Franco, que de início apoiara os republicanos, acabou por derrubá-los e estabelecer seu próprio regime nacionalista, mandando executar então outras dezenas de milhares de republicanos. Peritos no assunto estimam que ainda haja 200 mil mortos não identificados, em sepulturas anônimas. A ditadura de Franco se estendeu até 1973.

Justiça após sete décadas

Garzón ordenou a exumação de 19 valas comuns, reagindo ao apelo dos familiares de dois desaparecidos, um professor republicano e um toureiro anarquista, que desejam sepultá-los condignamente. Numa das sepulturas abertas acredita-se encontrar-se o poeta e dramaturgo Federico García Lorca, assassinado no início da guerra, aos 38 anos.

Spanien Bürgerkrieg Aufarbeitung Namensliste
Lista com 130 mil nomes de vítimas do franquismoFoto: AP

Há vários anos, associações de familiares das vítimas pedem ajuda estatal em sua procura. Organizações de direitos humanos e associações de igrejas entregaram a Baltasar Garzón, no ano passado, uma lista com os nomes de 130 mil desaparecidos.

Emilio Silva, chefe da Associação para Recuperação da Memória, louvou a iniciativa. "Chegou finalmente a hora do país reconhecer a dor das pessoas e empreender algo que, 70 anos depois, pode ser visto como uma forma de justiça."

O juiz determinou ainda que lhe sejam apresentados os atestados de óbito de Franco e de 34 generais e membros do governo na época, a fim de documentar que eles realmente não mais podem responder pelos massacres. Além disso, o Ministério do Interior deverá identificar os líderes do partido Falange Espanhola, aliado ao ditador, também com o fim de verificar se são passíveis de processo.

Anistia nula

Francisco Franco
General Francisco Franco (e)Foto: AP

Uma das bases para a sentença de Garzón é uma entrevista de Franco a um correspondente norte-americano, no início dos combates. Nela, o "Generalíssimo" afirmava estar disposto a pagar qualquer preço pela vitória. "Então o senhor vai matar metade da Espanha", constatou o jornalista. "Eu disse que pagaria qualquer preço", foi a resposta.

A iniciativa do juiz de instrução é criticada na Espanha, por ocupar-se de crimes que, de acordo com a lei de anistia de 1977, não mais deveriam ser investigados. "Uma lei de anistia que procura apagar crimes contra a humanidade, embora estes não possam ser considerados crimes políticos, é nula", contra-argumentou na Audiência Nacional.

Com seu engajamento incansável em nome das vítimas de ditaduras, Baltasar Garzón conquistou reconhecimento internacional. No final da década de 1990, ele se bateu para que o ex-ditador chileno Augusto Pinochet fosse preso por crimes contra a humanidade.