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Justiça revoga condenação de coronel Ustra por tortura

18 de outubro de 2018

Tribunal entende que houve prescrição em ação movida por parentes de jornalista torturado e morto na ditadura militar. Comandante do DOI-Codi nos anos 1970, Ustra havia sido condenado a pagar indenização à família.

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Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra durante depoimento à Comissão da Verdade, que atuou entre 2012 e 2014
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi comandante do DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974Foto: Agência Brasil/W. Dias

O Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu nesta quarta-feira (17/10) a sentença que havia condenado o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra ao pagamento de uma indenização de 100 mil reais à família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado em julho de 1971 durante a ditadura militar. Ustra morreu em 2015, aos 83 anos, vítima de câncer e problemas cardíacos.

Na decisão de primeira instância na ação por danos morais movida pela família de Merlino, o coronel Ustra havia sido condenado à indenização por ter participado e comandado sessões de tortura que resultaram na morte do jornalista.

No entanto, a defesa de Ustra recorreu da ação e conseguiu a extinção. Por unanimidade, os desembargadores Luiz Fernando Salles Rossi, Mauro Conti Machado e Milton Paulo de Carvalho Filho, entenderam que houve prescrição da ação, pois o pedido de indenização foi feito em 2010, pela esposa e pela irmã do jornalista. Os magistrados entenderam que decorreu o prazo superior aos 20 anos previstos no Código Civil para ajuizamento de processo.

Segundo o relator, Salles Rossi, a promulgação da Constituição brasileira em 1988 deve ser considerada como marco zero, a partir de quando poderia ter sido aberta a ação indenizatória. Mas em 2010, data em que a viúva e a irmã de Merlino acionaram a Justiça, já haviam se passado 22 anos.

Em 2012, em primeira instância, a juíza Cláudia de Lima Menge, determinou o pagamento de uma indenização. Menge argumentou que o caso era imprescritível porque o assassinato de Merlino deve ser compreendido como um crime contra a humanidade.

A viúva do jornalista, Ângela Mendes Almeida, lamentou a decisão da Justiça paulista e disse que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

"Para mim, [a decisão] representa uma espécie de licença para torturar, porque a tortura foi completamente desqualificada [no tribunal]", disse. "Eles são juízes conservadores e acham que esses crimes não são importantes."

Integrante do Partido Operário Comunista à época, Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos, e levado para a sede do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

No local, ele foi torturado por cerca de 24 horas e morto quatro dias depois. De acordo com a família de Merlino, o coronel Ustra foi quem ordenou as sessões de tortura que o levaram à morte. Ustra foi comandante do DOI-Codi em São Paulo, um dos maiores centros de repressão durante a ditadura, entre 1970 e 1974.

Em abril de 2016, ao votar pelo impeachment da então presidente Dilma Roussef, o então deputado federal e agora candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) declarou seu voto "contra o comunismo" e "pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Roussef". Bolsonaro também já chamou o coronel Ustra de "herói".

Crime imprescritível

Para o procurador regional da República Marlon Weichert, "a decisão da Justiça de São Paulo é equivocada, porque ela está em desconformidade com todos os fundamentos da Corte Interamericana [de Direitos Humanos] e com a jurisprudência do STJ". Apesar de a ação de Merlino ser de reparação e não uma ação criminal, Weichert considera que o entendimento da corte deve ser aplicado também neste caso.

"Toda a fundamentação, toda a construção do que diz a corte, que classificou os crimes cometidos pela ditadura como crimes contra a humanidade, no nosso entendimento, e isso nós defendemos desde lá de trás em outra ação reparatória que nós fizemos contra o Ustra, aplica-se também para as ações civis. Nesse sentido, a decisão do TJ-SP está equivocada", disse o procurador da República.

"O STJ tem entendido que não há prescrição para essas graves violações de direitos humanos para reparações cíveis [indenizações]. Foram casos movidos contra a União, mas também nós entendemos que se aplica aos responsáveis diretos, que são as pessoas que praticaram a violação", disse Weichert.

Ele citou que a família do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, também durante a ditadura militar, entrou com uma ação na década de 90 contra a União e ganhou a reparação pela Justiça.

No início de julho deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Cidh) classificou o assassinato de Herzog de crime contra a humanidade, o que extingue as possibilidades de prescrição e de anistia dos torturadores e assassinos. A decisão possibilita a reabertura das investigações sobre sua morte.

PV/abr/ots

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