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Líbia não deve ser uma "nova Síria" para a Rússia

Emily Sherwin le
11 de abril de 2019

Apesar de uma reconhecível preferência pelo general Khalifa Haftar, Kremlin evita se posicionar abertamente para não se indispor com aliados em ambos os lados.

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Khalifa Haftar com Serguei Lavrov em Moscou, em 2017
Khalifa Haftar é recebido por Serguei Lavrov em Moscou, em 2017Foto: picture-alliance/TASS/S. Savostyanov

Mesmo com o conflito na Líbia esquentando, as declarações vindas de Moscou permaneceram contidas e racionais.

Durante uma recente visita ao Egito, o ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, disse que a "tarefa da Rússia é ajudar o povo líbio a superar suas atuais divergências de opiniões e chegar a um acordo estável" para reconciliar os dois lados.

No início desta semana, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a Rússia usará todas as oportunidades possíveis para pedir a todos os lados que evitem causar mortes na população civil.

Desde o início de abril, as forças de Khalifa Haftar  avançam em direção à capital líbia, Trípoli. É onde se baseia o governo internacionalmente reconhecido do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, que acusa Haftar de tentar um golpe.

Haftar, um general dissidente do regime de Muammar Kadafi, lidera o auto-intitulado Exército Nacional da Líbia, que é apoiado por um governo paralelo rival no leste do país.

A Rússia parece estar tentando evitar tomar um lado claro no conflito. "É uma situação diplomática muito delicada para a Rússia", diz o diplomata russo Viacheslav Matuzov, que hoje trabalha como especialista independente no Oriente Médio.

A Rússia tem tanto aliados que apoiam um dos lados como os que apoiam o outro. Turquia e Argélia, por exemplo, estão ao lado do governo em Trípoli, que tem respaldo da ONU, enquanto Egito e Arábia Saudita apoiam o general Haftar.

Argélia e Egito são os principais compradores de armas russas. E a Turquia é um parceiro importante internacionalmente para a Rússia, tanto no conflito na Síria quanto nas crescentes divergências entre a Turquia e a Otan, a aliança militar ocidental que a Rússia vê como ameaça. Além de tudo isso, a Rússia precisa manter a Arábia Saudita como forte aliada na questão do petróleo.

Fayez al-Sarraj com Serguei Lavrov em Moscou
Fayez al-Sarraj também foi recebido por Lavrov em MoscouFoto: picture-alliance/TASS/A. Novoderezhkin

Matuzov argumenta que a principal razão pela qual a Rússia está, mesmo assim, envolvida nessa confusão diplomática é o medo de que o caos na Líbia leve ao ressurgimento do "Estado Islâmico", o que seria uma séria preocupação de segurança para Moscou.

O analista militar independente russo Pavel Felgenhauer concorda que a Líbia é um imbróglio diplomático para Moscou. "A Rússia entrará com muita cautela no conflito", diz ele. "E não vai declarar lado abertamente."

Matuzov sustenta que a Rússia é tão neutra quanto suas declarações oficiais indicam, mas Felgenhauer assegura que "é óbvio" que Moscou está apoiando Haftar às escondidas – algo que o Kremlin nega.

Tanto Haftar quanto Sarraj visitaram Moscou, mas o general parece levar vantagem. Ele fez três visitas desde 2016 e esteve até mesmo a bordo do porta-aviões Almirante Kuznetsov em 2017, alegadamente para participar de uma videoconferência com o ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu.

Felgenhauer avalia que um elemento importante pesa a favor de Haftar: dinheiro. Afinal, ele tem sob seu controle quase todas as regiões produtoras de petróleo da Líbia. "Isso significa que ele tem o dinheiro – o que quer dizer que ele é importante para Moscou", afirma.

O especialista argumenta que, apesar do embargo de armas da ONU à Líbia, Moscou pode estar cogitando vender armas a Haftar – ou já está vendendo. Para a Rússia, a queda de Kadafi, em 2011, significou bilhões de dólares em perdas na venda de armas, segundo algumas estimativas.

Em 7 de abril, a Rússia bloqueou uma declaração do Conselho de Segurança da ONU que teria instado as forças leais a Haftar a suspender o avanço para Trípoli, insistindo que a declaração deveria instar todas as forças do país a pararem de lutar. Felgenhauer vê essa posição como um claro sinal de apoio tácito da Rússia a Haftar.

Libyen Mitglieder der National Army LNA in Bengasi
Alguns especialistas acreditam que a Rússia possa estar fornecendo armas para o Exército Nacional LíbioFoto: Reuters/E. O. Al-Fetori

De acordo com vários relatos na mídia, a Rússia pode ter outra maneira de tomar partido na Líbia. No fim de 2018, o diário russo RBC informou que há combatentes russos no leste do país africano, citando uma fonte próxima ao Ministério da Defesa da Rússia. O jornal independente Novaya Gazeta publicou um vídeo mostrando Yevgeny Prigozhin participando de conversas com Haftar em Moscou.

Prigozhin é um aliado próximo do presidente Vladimir Putin. Ele é uma figura obscura que aparentemente lidera a "fábrica de trolls" das mídias sociais russas e também uma companhia militar privada chamada Grupo Wagner. Também teria estado presente em conflitos em todo o mundo, incluindo o leste da Ucrânia, a Síria, a Venezuela e a República Centro-Africana.

Matuzov diz duvidar do envio de mercenários russos para a Líbia. Segundo ele, se isso fosse verdade, seria impossível que não viesse à tona. Ele argumenta que não há uma separação clara entre os vários grupos em guerra no país, e que os combatentes muitas vezes trocam de grupo, "dependendo de como a situação evolui no terreno"  ​​e é por isso que "não há segredos na Líbia".

Mas Felgenhauer não tem tanta certeza. Ele diz que mercenários russos podem de fato estar na Líbia e argumenta que essa seria uma solução elegante para o imbróglio diplomático da Rússia. Por não estarem oficialmente associados ao governo, os mercenários permitem que a Rússia se envolva sem se envolver, diz Felgenhauer.

Nova Síria?

No início de 2018, o anúncio do plano da Rússia de retirar tropas da Síria elevou ainda mais os rumores sobre uma potencial operação militar na Líbia. No entanto, é improvável que a Rússia lance uma intervenção de larga escala no país africano, como aconteceu há quase quatro anos na Síria, em parte porque ainda está envolvida neste conflito.

"A operação na Síria ainda não acabou", aponta Felgenhauer. "As capacidades russas já estão sobrecarregadas. Não estamos mais no tempo da União Soviética."

Ele também não acredita que isso se enquadre nos objetivos estratégicos globais da Rússia. "O principal impulso da política externa e da política militar russa é o antiamericanismo. Isso funciona na Síria e na Venezuela, mas na Líbia não está claro quem os americanos estão realmente apoiando."

Matuzov concorda que a Líbia não será "uma nova Síria" para a Rússia. Por um lado, diz ele, as duas bases militares que a Rússia estabeleceu na Síria, durante a guerra civil, significam que Moscou não precisa de outro ponto de apoio para cobrir seus interesses estratégicos no Oriente Médio. Além disso, acrescenta, Moscou simplesmente não poderia arcar com os custos de uma base na Líbia.

Matuzov menciona ainda outra razão pela qual a Rússia não lançará uma operação militar na escala da que lançou na Síria: "A Líbia é como areia movediça. Quem pisar nela ficará retido por lá."

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