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Lama de Mariana vira arte

Priscila Jordão
4 de outubro de 2017

Mineira Silvia Noronha produziu pedras a partir da onda de lama tóxica do desastre da Samarco, em Minas Gerais, para questionar como será a aparência do planeta no futuro e a responsabilidade humana sobre a catástrofe.

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Exposição da série em Berlim, na Kunsthochschule Weissensee, levou a artista a receber o prêmio "mart stam preis 2016"
Exposição da série em Berlim, na Kunsthochschule Weissensee, levou a artista a receber o prêmio "mart stam preis 2016" Foto: Ole Jeschonnek

A tragédia de Bento Rodrigues, em Mariana, vista por alienígenas daqui a cem mil anos: parece o cenário de um filme pós-apocalíptico, mas na verdade é uma série de obras da artista brasileira Silvia Noronha, expostas na Alemanha.

A mineira coletou a lama tóxica proveniente do rompimento da barragem da mineradora Samarco em 2015 e, simulando a passagem do tempo, transformou-a em pedras de aparência alterada. O resultado, segundo ela, denuncia como o homem tem modificado a natureza de maneira catastrófica, o que dará ao planeta uma face bem diferente da atual no futuro.

A coleta de sete quilos da lama ocorreu em três visitas da artista à área de Bento Rodrigues. Além de amostras de terra, a lama colorida continha outros resíduos, como vidro, restos de dispositivos eletrônicos, metais e plásticos.

A artista Silvia Noronha coleta lama do desastre em Mariana
A artista Silvia Noronha coleta lama do desastre em Mariana Foto: Wal Moraes

"Toda informação contida na superfície afetada pelo desastre foi alterada num curto espaço de tempo, o que vem acontecendo em vários episódios em todo o planeta. Foi a partir daí que tive a ideia de usar a lama de Bento Rodrigues como matéria para projetar 'pedras especulativas', pois entendo que esse material contém uma enorme quantidade de informações provenientes da catástrofe", diz Noronha.

A transformação do material ocorreu com a aplicação de altas temperaturas, de até 1.400 graus Celsius, e pressão elevada, procedimento executado na Universidade Técnica de Berlim. As pedras têm aparências diversas: algumas são mais parecidas com cerâmica e outras exibem surpreendentes misturas de cores por conta da fusão dos materiais e minerais contidos na lama.

Para a artista, o resultado conta uma história de descaso com o meio ambiente e de um capitalismo desastroso. Ela também trabalhou o tema numa série executada na Grécia, onde o aumento da mineração de ouro e cobre na península de Halkidiki se intensificou após a crise econômica do país.

A transformação do material ocorreu com a aplicação de altas temperaturas, de até 1.400 graus Celsius
A transformação do material ocorreu com a aplicação de altas temperaturas, de até 1.400 graus CelsiusFoto: Silvia Noronha/KBW

Geologia pós-humanística

Embora não haja como saber se as pedras do futuro serão iguais ou ao menos semelhantes às criadas pela artista, as pedras especulativas provocam reflexões que permitem questionar o presente. O que, para Noronha, já é uma maneira de mudar o futuro.

"Nós, humanos, agregamos à natureza novos materiais: plástico nos oceanos, poluição química no ar e na terra através da indústria e da agricultura, todo o lixo que não é decomposto, resto de materiais eletrônicos", diz ela.

"Num primeiro momento, esses materiais são aliens ao meio, mas, com o passar do tempo, vão sendo incorporados a ele. Acredito que a natureza, no futuro, terá uma estética bem diferente da que conhecemos hoje, por exemplo com novas formações geológicas decorrentes da interferência humana."

E as modificações introduzidas pelos seres humanos, explica, permanecerão mesmo se, num futuro muito distante, o planeta não for mais dominado pela espécie humana ou caso seja visitado por alienígenas que tentem entender a história terrestre por meio das rochas. É o que a artista chama de "geologia pós-humanística".

A série será parte de uma exposição em Colônia, de 7 de outubro até 4 de novembro, depois de ter passado por Berlim. Segundo a artista, há interesse de galerias brasileiras em receber o trabalho, mas ainda não há previsão de exposição no Brasil.