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Lei antiespionagem é principal arma de Obama para caçar delatores

Spencer Kimball (ca)16 de agosto de 2013

Durante a Primeira Guerra Mundial, o presidente Wilson assinou a Lei de Espionagem como medida contra sabotagem alemã nos EUA. Atual governo recorre a ela, 96 anos depois, para perseguir denunciantes implacavelmente.

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Foto: Reuters

Nos últimos quatro anos, o governo Barack Obama tem agido duramente contra o vazamento de informações de segurança nacional para a imprensa, recorrendo, para isso, à chamada Lei de Espionagem. Sete processos estão pendentes, atualmente, baseados na lei quase centenária – o dobro na comparação com todos as presidências anteriores americanas juntas.

No final de julho, o informante do Wikileaks Bradley Manning sofreu a primeira condenação com base na Lei de Espionagem. No maior caso de revelação de informações secretas da história dos EUA, Manning entregou à plataforma de Julian Assange cerca de 700 mil documentos e despachos secretos.

O ex-funcionário do serviço secreto Edward Snowden, que relatou à mídia sobre o programa secreto de monitoramento de dados da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA), também está sendo processado com base na Lei de Espionagem.

A lei de 1917 penaliza a divulgação, a pessoas não autorizadas, de informações de defesa que possam prejudicar os EUA ou trazer vantagens a uma nação estrangeira. Em sua escolha de termos, a lei não faz distinção entre espionagem por agentes estrangeiros e a denúncia de abusos do governo para a imprensa (whistleblowing), como observa o especialista jurídico em segurança nacional Stephen Vladeck.

Bradley Manning Gericht 30.07.2013
Bradley Manning foi condenado por "ajuda ao inimigo" com base na Lei de EspionagemFoto: Reuters

"Para o bem ou para o mal, a Lei de Espionagem é que melhor contempla o crime de revelar ilegalmente informações secretas a quem não esteja autorizado a recebê-las", explicou Vladeck por e-mail à Deutsche Welle. "Quer se fale de vazamento de informações, delação ou espionagem clássica – a lei trata todos os três como o mesmo crime, por isso o governo tende, compreensivelmente, a recorrer a ela, sempre que pode."

Origens na Primeira Guerra

Em 3 de fevereiro de 1917, apenas dois dias após o presidente Woodrow Wilson ter anunciado o corte de relações com o Império Alemão, a lei foi submetida à aprovação do Congresso dos EUA. Em resposta à crescente preocupação com atividades alemãs de sabotagem em solo americano, o então chefe do Departamento de Justiça,Thomas Watt Gregory, havia sugerido, dois anos antes, um endurecimento das leis federais contra conspiradores estrangeiros.

Em meados de 1915, houvera vários atentados contra depósitos de munição ao longo da costa atlântica e contra navios que transportavam material bélico dos EUA para os aliados na Europa. Em setembro daquele, os alemães Robert Fay e Walter Scholz foram presos, após haver tentado comprar explosivos em Nova York e testado a explosão de bombas nas florestas de Nova Jersey.

Fay foi acusado de tramar a destruição de navios carregados com material bélico para a Europa e, posteriormente, condenado a oito anos de prisão. Enquanto Berlim negava ter qualquer participação no complô, ele insistia que era espião alemão. No mesmo ano, o ex-funcionário do consulado austro-húngaro Josef Goricar afirmava que as Potências Centrais mantinham ao menos 3 mil espiões em solo americano.

A Lei de Espionagem se baseia na Lei de Segredos de Defesa, de 1911, que proibia tanto certas formas de coleta de informação em torno de instalações militares, quanto a transmissão desta a pessoas não autorizadas.

Uma versão preliminar da Lei de Espionagem continha uma cláusula "draconiana" de censura à imprensa, mas toda a parte do projeto relacionada à mídia acabou fracassando no Senado, pela margem de um voto, revelou à Deutsche Welle Beatrice Edwards.

No entanto, preocupações sobre a censura da imprensa continuaram a existir, ressalva. Edwards dirige o Projeto para Responsabilização do Governo (GAP, na sigla em inglês), que se propõe a dar proteção a whistleblowers como Edward Snowden.

Processos com base na lei

No artigo de primeira página "Marinha conhecia plano japonês de ataque no mar", o jornal Chicago Tribune noticiava em 1942 sobre a Batalha de Midway. Segundo o veículo, a Marinha dos EUA conhecia o poder de fogo e a posição da frota japonesa, já antes do combate. O artigo descrevia com precisão as forças inimigas, até mesmo os nomes dos navios, revelando implicitamente que Washington decifrara os códigos navais de Tóquio.

Com base na Lei de Espionagem, Washington processou o periódico de Chicago. No entanto, acabou abandonando o caso pois, para provar suas alegações seria forçado a revelar ainda mais informações sigilosas ao corpo de jurados.

Edward Snowden verlässt Flughafen Moskau
Edward Snowden sofreria retaliações se usasse vias internas, confirma especialistaFoto: picture-alliance/dpa

Três décadas mais tarde, o governo Nixon tentou condenar Daniel Ellsberg e Anthony Russo com base na Lei de Espionagem, por haver entregado ao jornal New York Times os chamados "Papéis do Pentágono" – documentos secretos sobre a Guerra do Vietnã. Em 1973, a ação foi arquivada devido a erros processuais.

Dez anos depois, houve a primeira condenação com base na lei de 1917. Samuel Loring Morison trabalhava em meio expediente, tanto como analista civil no Centro de Apoio à Inteligência Naval, no estado de Maryland, como para a publicação Jane's Defense Weekly.

Quando passou a trabalhar exclusivamente para a revista, em 1984, Morison levou consigo três fotos secretas de um porta-aviões nuclear soviético, tiradas por um satélite americano. Em 1985, foi condenado a dois anos de prisão com base na Lei de Espionagem.

Liberdade de expressão relativa

Administrações anteriores recorreram, no total, três vezes à Lei de Espionagem para reagir à divulgação de informações sigilosas à imprensa. No momento, foram abertos sete processos contra funcionários do governo que divulgaram informações à mídia.

Como funcionários públicos, os denunciantes pouco estão protegidos pela Primeira Emenda à Constituição, que garante a liberdade de expressão, explica Vladeck. A emenda pode proteger de perseguição judicial terceiros que recebam tais informações ou as passem adiante. Mas quando se trata de funcionários públicos essa proteção é mínima, completa.

Daniel Ellsberg Whistleblower der Pentagon Papers
Daniel Ellsberg entregou "Papéis do Pentágono" a jornal nova-iorquinoFoto: Paul J. Richards/AFP/Getty Images

Supostamente existem canais internos para funcionários do governo que queiram relatar sobre desperdício, fraude ou abuso. No entanto, no passado, o Departamento de Defesa e a NSA violaram o sigilo dos informantes, submetendo-os a "anos de represálias rancorosas", disse a diretora do GAP, Beatrice Edwards. Ela lembra que o próprio Edward Snowden declarou estar ciente do que acontece com denunciantes quando usam canais internos.

Na última semana, o presidente Barack Obama anunciou uma nova diretriz para a proteção de whistleblowers com acesso a informações secretas, a Presidential Policy Directive 19. "As disposições de proteção sob essa diretriz ainda não estão implementadas, ainda não são aplicáveis", constatou Edwards. "Elas estão no papel, mas Edward Snowden, por exemplo, não poderia ter recorrido a elas para se proteger."