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Leis estaduais vetam véus de professoras muçulmanas na Alemanha

Lori Herber (mas)26 de setembro de 2013

Em 2003, o Tribunal Constitucional alemão decidiu que escolas não podiam proibir o uso do véu por professoras mulçumanas. Mas, na Alemanha, as leis podem vetá-lo. Desde então, oito estados proíbem o véu na sala de aula.

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O uso do véu muçulmano por professoras do ensino público é proibido em oito estados alemães
O uso do véu muçulmano por professoras do ensino público é proibido em oito estados alemãesFoto: picture-alliance/dpa

Há dez anos, Ferestha Ludin comemorava o veredicto que ela havia lutado tanto para conquistar: o Tribunal Constitucional Federal alemão decidiu que a professora muçulmana de 31 anos não poderia ser impedida de usar o véu na sala de aula. No entanto, a vitória não durou muito tempo, já que oito estados alemães aprovaram leis próprias em relação à "neutralidade" religiosa.

Dez anos depois, o resultado do veredicto continua a gerar polêmica e levantar uma difícil questão em relação a o que é mais opressivo: usar o véu muçulmano ou excluir aqueles que o fazem.

Ferestha Ludin não vê o dia 24 de setembro de 2003 como uma vitória. Normalmente, a data do veredicto passa batida para ela, mas esse ano as coisas são diferentes. "Se você pensa a respeito, dez anos é muito tempo. Mas não é uma ocasião feliz. Talvez eu tenha comemorado a decisão inicial, mas posteriormente, os resultados foram negativos", avalia Ludin.

É que os juízes do Tribunal Constitucional alemão formularam uma restrição importante na decisão de permitir o uso do véu por professoras muçulmanas: um decreto de uma instituição, como uma escola, por exemplo, não pode proibir o véu. Mas uma lei pode.

Na Alemanha, a escola e a educação são assuntos dos estados federados, e metade dos estados alemães introduziram uma série de leis de "neutralidade", proibindo símbolos religiosos nas salas de aula públicas – a menos que, em alguns casos, os símbolos fossem cristãos.

Ludin disse que as proibições se alastraram também para o setor privado. "As proibições do véu foram todas preventivas porque não havia nenhuma evidência que as crianças sejam prejudicadas se uma professora usa o véu – muito pelo contrário", disse Ludin. "As empresas começaram a dizer que não queriam contratar muçulmanas. De repente, não eram só professoras, mas muçulmanas em geral foram prejudicadas com a decisão".

Os defensores da proibição argumentam que as crianças podem ser influenciadas negativamente pelo véu, que simboliza uma opressão as mulheres. Nos diferentes estados, muitos estatutos das escolas permitem símbolos cristãos porque eles são considerados compatíveis com sociedades ocidentais.

"As pessoas presumem que as mulheres muçulmanas estão sendo oprimidas pelos seus maridos, que elas não têm liberdade", disse Ludin, "mas é exatamente a essas mulheres que a oportunidade de trabalhar está sendo negada."

Efeito dominó

Para Ferestha Ludin, dez anos do "veredicto do véu" não são motivo para comemorar
Para Ferestha Ludin, dez anos do "veredicto do véu" não são motivo para comemorarFoto: picture-alliance/dpa

Serife Ay sonhava em ter sua própria classe para ensinar alemão. Ela amava tanto o idioma que seus amigos brincavam com o fato de sua gramática ser excessivamente perfeita. "Eles me chamavam de sabichona e pediam para falar alemão de verdade com eles", conta Ay.

Após dois anos de treinamento para se tornar professora, Ay estava no caminho para estar à frente de uma sala de aula. No entanto, ela usa o véu e sabia que isso poderia atrapalhar sua carreira. Mas, para ela, o véu é parte de sua identidade.

"Me ofereceram um emprego em período integral em uma escola em Duisburg [no oeste da Alemanha]", disse Ay. Naquele momento, ela foi obrigada a tomar uma decisão – aceitar o emprego e retirar o véu ou se manter fiel às suas crenças, ou "ser eu mesma, ser autêntica e desistir de minha sonhada carreira".

Ela seguiu seu coração, e como ela não está autorizada a praticar sua profissão com o véu na cabeça, seu sonho de ensinar alemão foi deixado de lado. Onde não há obstáculos formais, os desafios informais se tornam dificuldades.

"Essa regra discriminatória não afeta apenas minhas chances em uma escola pública, mas tornou impossível para as professoras encontrarem uma posição em uma escola privada", disse Ay, acrescentando que as escolas privadas alemãs hesitam em contratar professoras que usam o véu porque acreditam que haverá reclamação dos pais.

Assessoria jurídica

Serife Ay teve que abrir mão do sonho de ser professora de alemão
Serife Ay teve que abrir mão do sonho de ser professora de alemãoFoto: Privat

As jovens não deveriam ser obrigadas a escolher entre sua religião e sua carreira, disse Amine Tasdan, coordenadora de projeto da Rede Contra a Discriminação Muçulmana em Berlim. Com base em números absolutos de reclamações recebidas, a rede afirma que o tema permanece relevante, mesmo dez anos após a decisão federal de que as escolas não poderiam vetar o véu. Eles oferecem consultoria gratuita e assistência jurídica para aqueles que se deparam com injustiças.

"Quando as mulheres relatam a discriminação, documentamos o caso e compartilhamos com nossos parceiros, se necessário", disse Amine Tasdan. "As partes em questão são notificadas e procuramos encontrar uma solução que beneficie a todos."

Para estudantes como Serife Ay, há apenas poucas opções: se mudar para um estado que permita que as professoras usem o véu, procurar um emprego em instituições privadas ou tornar-se uma professora de religião, onde cobrir a cabeça é permitido na sala de aula. "Mas essas alternativas não são suficientes para cobrir a demanda", disse Tasdan.

Na Renânia do Norte-Vestfália, maior estado alemão no oeste do país e que tem a maior população muçulmana – uma série de profissionais têm criticado a proibição em diversos níveis, alegando violação da liberdade religiosa. Recentemente, duas professoras apelaram para o Tribunal Constitucional.

Jörg Harm, porta-voz do ministério das Escolas e Educação Superior do estado, disse que não era tarefa do órgão comentar sobre a polêmica da proibição, mas defender a decisão do tribunal.

Embora ele tenha afirmado que não há falta de professores no estado, a Comissão Europeia publicou em 2012 o relatório Dados-Chaves da Educação na Europa, citando a Alemanha é um dos países da UE que sofre com a falta de professores. "Considerando a existente escassez de professores, é trágico que profissionais qualificadas não possam ser contratadas, simplesmente por uma proibição legal", disse Tasdan.

Discriminação institucionalizada?

Sawsan Chebli acredita que o envelhecimento da população irá acabar com a proibição
Sawsan Chebli acredita que o envelhecimento da população irá acabar com a proibiçãoFoto: picture-alliance/dpa

Em 2009, a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch publicou o relatório Discriminação em Nome da Neutralidade, baseado em entrevistas com mulheres e profissionais muçulmanas na Alemanha. De acordo com o relatório, "os países que banem vestimentas religiosas, mas permitem símbolos cristãos, estão explicitamente discriminando com base na fé."

O relatório chama a proibição de discriminatória, não só por motivos religiosos, mas também com base na discriminação de gênero. "A proibição do uso do véu no ambiente de trabalho reduz a autonomia individual e de escolha, privacidade e autoexpressão, da mesma maneira como esses direitos são violados em países onde são obrigadas a usar o véu."

Ferestha Ludin, a testemunha que deu origem à decisão do Tribunal Constitucional, viveu sob uma ditadura durante os primeiros 14 anos de sua vida. Quando sua família encontrou asilo na Alemanha, ela abraçou a democracia e a liberdade de expressão. Para ela, esses mesmos princípios devem promover a aceitação.

"É importante encontrarmos um caminho para todos que seja justo e que represente a sociedade", disse Ludin, "Não podemos fingir que há mulheres em nossa sociedade que usam o véu e bani-las de uma carreira no campo da educação".

Aceitação pela conscientização

Sawsan Chebli é a primeira assessora de política externa para ministério do Interior e Esporte em Berlim. Seu papel é estabelecer contato entre as comunidades muçulmanas e as organizações estaduais, bem como promover ligações interculturais entre os ministérios.

Ela fundou em Berlim o grupo Jovem, Muçulmano e Ativo (JUMA, na sigla em alemão), que busca dar voz à juventude muçulmana alemã. Ela disse que as mulheres no grupo são particularmente afetadas com a proibição do véu.

"A maioria das mulheres no grupo que usam o véu são afetadas negativamente por essa lei", disse Chebli. "Algumas delas são estudantes de direito, algumas querem ensinar e lutar pelo direito de poderem se tornar professoras, advogadas e juízas.". Chebli acredita que a sociedade precisa ver mais mulheres muçulmanas em cargos públicos porque maior conscientização gera maior aceitação.

"Muitas das jovens que usam o véu são talentosas e educadas. Ninguém as força a usar o véu e elas usam, mesmo quando as famílias são contra. Elas fazem porque estão convencidas que o véu faz parte de sua identidade", disse Chebli. "Quanto mais ouvirmos essas vozes, mais podemos mudar alguma coisa".

Ferestha Ludin mit Kopftuch
Ludin acredita que a diversidade é positiva para as criançasFoto: AP

Além de previsões otimistas, Chebli diz que o crescente envelhecimento da população alemã vai forçar os legisladores a renegociar a proibição. "Precisamos de jovens. Se olharmos para dados demográficos na Alemanha, nós percebemos como precisamos de todo mundo e não podemos dispensar ninguém só por causa de um véu na cabeça", completou.

Ela disse que a aceitação mútua está crescendo a cada geração. "Eu vejo que muitas pessoas estão se afastando das imagens negativas da mídia e se voltando para a realidade do dia a dia, onde podemos ver uma terceira geração de jovens muçulmanos que é educada, talentosa, tem uma voz, busca um emprego e uma carreira e que não pode ser ignorada", concluiu.

Futuro incerto

Por enquanto, a jovem professora Serife Ay diz não se arrepender de sua decisão de não deixar de usar o véu, embora soubesse que iria trazer muitos desafios. Ela continua a procurar um trabalho em sua área. "Espero encontrar uma posição no ramo da educação – seja como assistente social ou em uma universidade", disse.

A sala de aula alemã é um sonho adiado, mas seu amor pela língua alemã permanece. Como uma alemã com pais turcos, Ay disse que "quer quebrar estereótipos, para mostrar que uma boa educação é possível para todas as crianças."

Segundo Ludin, não eram as crianças que detestavam seu véu – eram os adultos. Ela não estava lutando simplesmente pelo véu, mas por sua autodeterminação. Ela continua focada em promover o diálogo intercultural, mesmo em sua própria casa.

"Eu sou mãe e meus filhos estudam em uma pré-escola católica. Nunca foi uma questão de restringir novas perspectivas. Para o desenvolvimento das crianças, quanto mais diverso o ambiente melhor", disse Ludin.