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Liminar de ministro do STF pode soltar Lula

19 de dezembro de 2018

Marco Aurélio atende a pedido do PCdoB e suspende a prisão de condenados em segunda instância que ainda tenham recursos pendentes, como é o caso do ex-presidente.

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Lula está preso desde abril em CuritibaFoto: Getty Images/AFP/M. Schincariol

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu nesta quarta-feira (19/12) uma liminar que suspende a prisão de condenados em segunda instância. A decisão deve beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem recursos pendentes em tribunais superiores.

A decisão não é de caráter automático. Cabe ao advogado do preso pedir ao juiz responsável pela execução da pena para que ele seja solto no âmbito da decisão do ministro. O advogado do petista, Cristiano Zanin, já solicitou um alvará de soltura de Lula à juíza responsável pelo caso do ex-presidente, Carolina Lebbos, da 12° Vara Federal do Paraná. O pedido foi apresentado menos de uma hora depois da liminar. 

Pelo Twitter, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, confirmou que a defesa já solicitou a expedição do alvará de soltura do ex-presidente Lula. Para apressar a soltura, a defesa fez um pedido que dispensa a realização de um exame de corpo de delito. Por enquanto, a 12° Vara informou que ainda "não existe prazo para liberação dos presos" porque "várias questões precisam ser analisadas antes da decisão". A juíza Lebbos também pediu que o Ministério Público se manifeste sobre o caso. 

Marco Aurélio tomou a decisão no último dia de funcionamento do STF antes do recesso do Judiciário. Com o recesso, não deve haver tempo para julgar a liminar em plenário, mas ela poderá eventualmente ser revertida a partir desta quinta-feira, quando o tribunal entra em regime de plantão. Neste caso, cabe ao presidente do STF, Dias Toffoli, tomar decisões em casos de urgência.

A liminar, que responde a um pedido feito pelo PCdoB no primeiro semestre, determina que seja mantido o artigo 283 do Código de Processo Penal, que afirma que condenados só podem ser presos após o trânsito em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidades de recursos.

"Defiro a liminar para, reconhecendo a harmonia, com a Constituição Federal, do artigo 283 do Código de Processo Penal, determinar a suspensão de execução de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos", diz a decisão do ministro.

Marco Aurélio ainda apontou que a ação ajuizada pelo PCdoB e que ele relatou estava pronta para ser julgada desde abril deste ano, mas que o assunto nunca foi colocado em pauta pela presidência da corte. "Ao tomar posse neste tribunal, há 28 anos, jurei cumprir a Constituição Federal, observar as leis do país, e não a me curvar a pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo, última trincheira da cidadania, se é que continua sendo", escreveu ele na decisão.

Em entrevista ao blog BR18, Marco Aurélio afirmou que "antigamente", quando um ministro liberava uma ação para ser julgada em plenário, ela imediatamente era incluída na pauta do plenário pela presidência. “Depois de 40 anos de toga não posso conviver com manipulação da pauta", disse.

Na mesma decisão, o ministro informou ainda que o plenário poderá julgar a liminar na primeira sessão após o recesso, marcada para 1º de fevereiro.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até 169,5 mil presos cumprem pena provisoriamente no Brasil, antes de esgotados todos os recursos na Justiça. O número representa um quarto do total de presos no país.

Em tese, aqueles que não acumulam um pedido de prisão preventiva podem solicitar um alvará de soltura com base na liminar concedida por Marco Aurélio. A decisão do ministro também faz a ressalva de que presos de alta periculosidade devem ser mantidos no cárcere.

Mas a decisão tem o poder de afetar vários presos da Lava Jato e de outros casos de corrupção. Logo após a divulgação da liminar, a defesa do ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB), que foi condenado a 20 anos de prisão e cumpre pena desde maio, solicitou que ele fosse solto.  

Há também outros 35 presos pela Lava Jato que cumprem pena em segunda instância, mas nem todos podem ser eventualmente beneficiados pela liminar, já que alguns também estão em prisão preventiva, como o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB). Mas presos conhecidos, como o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o empreiteiro Léo Pinheiro, podem ser eventualmente soltos.  

Após a decisão, o gabinete da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, informou que já entrou com um pedido para recorrer  da decisão liminar de Marco Aurélio “para evitar grave lesão à ordem e à segurança”. Segundo jornais brasileiros, a expectativa entre outros ministros do STF é que o presidente da corte, Dias Toffoli, suspenda os efeitos imediatos da medida. 

Julgamento

A decisão de Marco Aurélio foi tomada dois dias após Dias Toffoli finalmente marcar, para 10 de abril de 2019, o julgamento sobre a validade do cumprimento da pena após confirmação por uma segunda instância. Nesta data está previsto que os ministros analisem três ações declaratórias de constitucionalidade que contestam a medida, que passou a valer em 2016.

O tema tem sido um ponto de conflitos entre os ministros do STF. No início do ano, antes da prisão de Lula, vários membros do Supremo pressionaram para que a então presidente do tribunal, Cármen Lúcia, colocasse a questão em pauta no plenário, mas ela se recusou. 

Lula está preso em Curitiba desde 7 de abril na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, após ter sido condenado em segunda instância em janeiro pelo Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4). Sua pena alcançou 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso envolvendo um tríplex no Guarujá, no litoral paulista. Ele nega as acusações.

Reação

A decisão de Marco Aurélio provocou reação negativa entre membros e ex-membros da Lava Jato. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que deixou em outubro a força-tarefa da operação em Curitiba, disse no Facebook que a decisão é um "presente de Natal" para Lula.

"É como se Marco Aurélio dissesse: 'Dane-se o colegiado, danem-se as decisões reiteradas do plenário, a Justiça sou eu!'. Mais que um indulto! Marco Aurélio dá a Lula um presente de Natal! Só que às custas da crença da população na Justiça. Estou com vergonha de assistir esse deprimente espetáculo. Aproveita-se do recesso, aproveita-se das festas, tudo para soltar Lula."

Já o procurador Vladimir Aras, que fez parte do grupo da Operação Lava Jato na Procuradoria-Geral da República à época em que o órgão era comandando por Rodrigo Janot, disse que Marco Aurélio "atropelou" os outros ministros.

"É mais uma manifestação da síndrome – a das decisões monocráticas – que vem destruindo a credibilidade do STF. A vontade de um ministro se sobrepõe à vontade da maioria dos membros do tribunal. Um ministro sozinho, de supetão, atropelou seu tribunal e também desautorizou todos os outros tribunais do País que há mais de dois anos vêm seguindo a orientação do STF, por seu colegiado", disse em sua conta no Twitter.

A liminar também gerou reações no mundo político. Enquanto petistas celebraram a decisão, outros lançaram críticas.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que é uma decisão “para ser cumprida”. “Ministro Marco Aurélio tinha poder, convicção e legitimidade para decidir. Assim o fez. Há um ano defende essa posição, baseada no entendimento da maioria do Supremo. Ninguém o questiona”, disse ela. 

Já a ex-senadora e candidata derrotada à Presidência Marina Silva (Rede) disse que a decisão “vai na contramão do anseio da sociedade brasileira de ver o fim da impunidade praticada por agentes públicos e privados contra as finanças públicas”.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que a decisão “mede-se pelas consequências; liberar condenados em 2. instância, mesmo em nome da Constituição, tem resultado negativo: aumenta a insegurança e a descrença na Justiça”. 

No Twitter, a decisão também provocou reações entre usuários brasileiros. As hashtags #LulaLivre e #UmCaboEumSoldado apareceram nos assuntos mais comentados do país. A última é uma referência a uma declaração do deputado federal de extrema-direita Eduardo Bolsonaro (PSL) relevada em outubro de que seria preciso apenas “um soldado e um cabo” para fechar o STF.

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