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Luta global contra biopirataria esbarra nas legislações nacionais

Rachel Baig (rc)14 de abril de 2013

Farmacêuticas lucram com patentes de medicamentos feitos a partir de plantas que indígenas dizem usar para fins medicinais há séculos. Tratado da ONU busca beneficiar todas as partes, mas adesão ainda é lenta.

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Foto: picture-alliance/ dpa

Por séculos, a Catharanthus roseus – conhecida no Brasil por, entre outros nomes, maria-sem-vergonha – tem sido utilizada na África para fins medicinais. Nas Filipinas, grupos indígenas usam a mesma planta como redutor de apetite. Sabe-se também que ela pode ser útil no tratamento da leucemia, por causar uma queda acentuada dos glóbulos brancos no sangue.

Hoje em dia, a vinca-de-Madagáscar, como também é conhecida, é componente de uma série de medicamentos patenteados e comercializados por indústrias farmacêuticas, que acumulam enormes lucros com a utilização dessa e de outras plantas nos remédios que produz.

Mas os indígenas, que aproveitam há muito tempo as propriedades medicinais das plantas, geralmente não recebem qualquer compensação. Por essa razão, organizações acusam as empresas farmacêuticas de estarem envolvidas com a biopirataria. Empresas que desenvolvem novas variedades de frutas e vegetais também são alvos das mesmas críticas.

Em 2000, a americana DuPont recebeu uma patente do Escritório Europeu de Patentes que abrangia todos os tipos de plantas de milho que excediam um determinado quociente de óleo e ácido oleico. O Greenpeace e o governo do México criticaram a concessão e alegam que essas variedades de plantas já existiam.

A pervinca de Madagascar, patenteada e comercializada por empresas farmacêuticas.
A pervinca de Madagascar, patenteada e comercializada por empresas farmacêuticas.Foto: picture alliance/Arco Images

Proteger a sabedoria tradicional

A luta contra a biopirataria já vem acontecendo há algum tempo – e com alguns casos de sucesso. Em março de 1995, dois pesquisadores indianos da Universidade do Mississipi receberam uma patente por utilizar o açafrão-da-terra em loções para machucados. A planta, nativa do sul da Ásia, é normalmente utilizada, fresca ou seca, como tempero.

O Conselho Indiano para Pesquisa Científica e Industrial, a maior organização científica do país, processou o Escritório de Patentes dos EUA, com a alegação de que o açafrão-da-terra já era há séculos utilizado na Índia no tratamento de feridas ou coceiras. Como prova, usou um texto antigo em sânscrito. Como resultado, o órgão americano teve que cancelar todas as patentes concedidas que tivessem essa planta como componente.

Em outubro de 2010, a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (CBD) aprovou o Protocolo de Nagoya, um tratado legal vinculativo que visa a garantir a divisão dos lucros gerados pelos recursos naturais, como as plantas medicinais, de modo a beneficiar as populações que tradicionalmente as cultivam e utilizam.

Mas segundo Sven Bilbig, da organização Bread for the World, a implementação do tratado nas legislações dos países signatários ocorreu de modo apenas parcial.

Disputas legais

A falta da inclusão do protocolo nas legislações nacionais é uma queixa que se aplica também à União Europeia, um dos signatários do tratado. Apenas 15 países o incluíram em seus sistemas legais, e nenhum membro do bloco está entre eles. São necessárias as assinaturas de ao menos 50 países para que o tratado seja juridicamente vinculativo.

Muitas ONGs não estão convencidas do poder do protocolo de prevenir casos de biopirataria entre os 27 países membros da União Europeia, em razão do que vêem como falhas no projeto de lei para a implementação do acordo.

Após disputa judicial, o Escritório de Patentes dos EUA teve que cancelar a patente do açafrão-da-terra.
Após disputa judicial, o Escritório de Patentes dos EUA teve que cancelar a patente do açafrão-da-terra.Foto: Fotolia/leiana

Os críticos afirmam que falta incluir novas regulamentações para o reconhecimento de patentes. Deve haver a exigência da comprovação da origem dos novos materiais além de provas de que eles teriam sido coletados de modo legal e justo, defende Harmut Meyer, da Bread for the World.

Conscientização popular

Yoke Ling Chee, da organização Third World Network, ressalta que as ações devem se concentrar principalmente nos países em desenvolvimento, levando às populações informações sobre a biopirataria.

"Mas também é necessário aumentar a conscientização entre os consumidores para que eles possam saber que alguns dos produtos que consomem podem ter ligação com a biopirataria", defende.

Chee cita como exemplo do sucesso da luta contra essas práticas ilegais um conjunto de regras chamado Access and Benefit Sharing (compartilhamento de acesso e benefícios). Trata-se de um mecanismo de proteção dos recursos naturais que possibilita a utilização de documentações tradicionais para impedir a criação de patentes. Dessa forma, as comunidades indígenas poderão se beneficiar da utilização desse conhecimento.

Essa iniciativa encontrou maior progresso na Índia com a criação da chamada Biblioteca Digital da Sabedoria Tradicional, um banco de dados sobre plantas medicinais.