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Peru dividido

11 de junho de 2009

O conflito entre o governo peruano e a população indígena é o pior desde a guerra contra o Sendero Luminoso nos anos 1990. Imprensa e estudiosos europeus acompanham os acontecimentos com atenção.

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Protestos contra os planos do governo peruano de atrair investimentos à AmazôniaFoto: AP

Trata-se do maior protesto indígena contra o governo de Alan García e contra seu plano de abrir uma boa parte da Amazônia peruana para a extração de petróleo e a exploração mineral e florestal. Segundo o governo, um plano concebido para adequar as leis peruanas ao acordo de livre comércio assinado com os EUA.

A população indígena, que soma meio milhão de pessoas e vive da agricultura de subsistência, passou várias semanas bloqueando as ruas, em protesto contra diversos decretos que pretendem fomentar os investimentos na Amazônia.

Na Alemanha, esta crise é vista de uma perspectiva crítica. "Este conflito logicamente abre um debate inflamado sobre a responsabilidade de os países latino-americanos aproveitarem seus recursos naturais respeitando os povos indígenas que vivem nessas áreas. Nesse sentido, o conflito desperta toda a solidariedade para com os grupos indígenas que tentam defender os direitos sobre seus próprios recursos", explica o catedrático Günther Maihold, vice-diretor do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), sediado em Berlim.

"Todavia, há outro grupo que considera o conflito um obstáculo ao desenvolvimento de um país onde certos direitos coletivos prescindem de uma base jurídica clara", acrescenta Maihold.

Peruanische Indigenas protestieren gegen Freihandelsabkommen mit den USA
Peruanos interditam uma rua em protesto contra o Acordo de Livre Comércio com os EUAFoto: AP

Direitos coletivos e individuais

O catedrático argentino Carlos Malamud, do Real Instituto Elcano, de Madri, assinala que se tornou difícil encontrar uma solução para essa crise, sobretudo porque a abordagem dos assuntos indígenas nos últimos anos passou a considerar os direitos coletivos, estabelecidos ou reivindicados, dos chamados povos originários.

"Esse termo falsifica nitidamente a realidade. Afinal, 'originários' de quando? Originários quando chegaram, mas eles expulsaram outros que já viviam lá antes. O que está em jogo é a contradição entre os direitos coletivos e os direitos individuais, a capacidade dos Estados de legislar sobre o interesse geral", argumenta ele.

A situação no Peru se acirrou na semana passada em decorrência dos confrontos que culminaram com a morte de 33 pessoas, entre as quais 24 policiais. Os índios tomaram os policiais como reféns e colocaram fogo em instituições do governo. A comissão de direitos humanos do Parlamento peruano confirmou que houve abusos e que os policiais foram assassinados brutalmente.

Alberto Pizango, Führer der Indigenas im peruanischen Amazonasgebiet
Alberto PizangoFoto: AP

O líder dos protestos, Alberto Pizango (43), contra o qual pesa uma ordem de prisão, se refugiou na embaixada da Nicarágua, país que eventualmente lhe concederá asilo político. Pizango é professor e presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), à qual pertencem 57 grupos indígenas de diversas etnias.

Passou a época do capitalismo selvagem

Maihold notou nos últimos anos uma mudança clara em relação aos direitos indígenas. "Não estamos mais na época do capitalismo selvagem, mas, por outro lado, não há um porta-voz indígena único. São diferentes grupos com interesses próprios, e isso propicia desavenças políticas, interferências que provocam nos governos uma reação automática de animosidade e rejeição", ressaltou ele.

O catedrático argentino Carlos Malamud lembra que o economista venezuelano Moisés Naím, ex-diretor do Banco Mundial, se referia a duas Américas Latinas muito diferentes, opostas, contraditórias: uma sob a égide de Hugo Chávez e de seu projeto bolivariano, e outra simbolizada pelo Brasil de Lula, representando governos ou de centro direita ou de centro esquerda, embora com programas distintos.

"A prova de que esses confrontos chegaram a limites totalmente desconhecidos no passado são as brutais acusações feitas pela ministra venezuelana de Assuntos Indígenas contra o governo de Alan García, denominado por ela de fascista por causa das matanças cometidas pelos indígenas contra policiais peruanos", declarou ele.

Internacionalização do conflito

Para Günther Maihold, a internacionalização do conflito é mais um passo na escalada do conflito. "A situação começa a se tornar bastante difícil diante da internacionalização de um problema interno. Isso é justamente o que acontece quando Alan García coloca a culpa na Bolívia e em outros países que estariam instigando a crise, e com isso ainda envolve mais gente na história, incluindo a Embaixada da Nicarágua. Esse processo facilmente escapa a um consenso interno", adverte ele.

Autora: Eva Usi

Revisão: Rodrigo Abdelmalack