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Mostra da Berlinale se dedica à tradição indígena

Marco Sanchez, de Berlim14 de fevereiro de 2014

"Terra Vermelha", filme sobre os guarani-kaiowàs, é um dos destaques da mostra NATIVe do Festival de Cinema de Berlim, que busca manter viva a história dos povos indígenas.

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Cena de "Terra Vermelha" (2008), uma coprodução entre Brasil e Itália dirigida por Marco BechisFoto: Marie Hippenmeyer © Pandora Film

Os contadores de história indígenas têm um importante papel no legado, construção de mitos e perpetuação de suas culturas e tradições. Os portadores de uma sabedoria sagrada moldaram os laços entre suas tribos através da palavra falada. Hoje, esse legado continua vivo e em busca de seu lugar no mundo contemporâneo através de outras formas de expressão artística, como o cinema.

Relembrar, manter e continuar com esse legado é uma das propostas da sessão NATIVe – Uma Jornada pelo Cinema Indígena, que desde o ano passado faz parte da programação oficial da Berlinale.

Neste ano, a sessão conta com dois longas-metragens: o neozelandês Utu Redux (1983/2013), de Geoff Murphy, e Terra Vermelha (2008), uma coprodução entre Brasil e Itália dirigida por Marco Bechis e que mostra os problemas e as dificuldades dos guarani-kaiowàs em Mato Grosso do Sul.

"A minha percepção do continente era que o tema indígena era inexistente na cultura que absorvíamos na escola", diz o diretor italiano Marco Bechis, nascido no Chile e que cresceu na Argentina e no Brasil. "Em algumas classes sociais na Argentina há muita mistura entre brancos e indígenas, mas eles renegam suas origens e se consideram espanhóis."

Índio sem floresta

Em seus filmes anteriores, Bechis já havia explorado temas da história do continente, como a violência e as ditaduras militares. Sempre focando nos sobreviventes, e não nos desaparecidos.

Primeiramente, sua ideia era revisitar o livro do jesuíta italiano Hector Biocca, sobre uma menina branca que foi raptada por uma aldeia yanomami, e depois de décadas, decide voltar para a civilização, onde não é mais reconhecida como branca.

"Essa história me pareceu paradoxal. Escrevi o roteiro e parti para o Brasil para ver locações e se era possível filmar na Amazônia", contou o diretor.

Durante uma viagem de barco pelo rio Negro, ele conheceu um casal indígena vestido como brancos, mas que trabalhava na floresta, trajando roupas típicas, como atração para os turistas. O que fez o diretor se questionar sobre que filme ele gostaria de fazer.

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O filme neozelandês "Utu Redux" (1983/2013), de Geoff MurphyFoto: New Zealand Film Comission

Aconselhado pela associação Survival International, que cuidas dos povos em extinção, Bechis também visitou Mato Grosso do Sul, para ver de perto o problema dos guarani-kaiowàs. Chegando lá, ele conheceu Ambrosio, o líder da comunidade, e depois de acompanhar uma reunião dele com representantes do governo de Brasília, decidiu fazer outro filme.

"Queria mostrar esses índios sem floresta, que são considerados pessoas da favela e que visualmente não tem nenhum elemento que conduza à sua história. Entendi que eles lutam pela terra porque aquele lugar é onde eles querem estar, já que aquele lugar é muito forte para eles. Achei isso fascinante, deixei o outro roteiro de lado e parti para fazer um estudo da realidade", explicou Bechis.

Veículo para luta dos guarani-kaiowàs

Terra Vermelha foca nessa luta, evidenciando a realidade dos guarani-kaiowàs nos dias de hoje. O filme mostra uma tribo indígena que acampa do lado de fora de uma fazenda, uma terra que já foi deles. O choque entre esses dois mundos é retratado através de disputas de força entre os proprietários e os ocupantes – e as relações sociais dos jovens e mulheres com o mundo contemporâneo.

O filme, que teve sua estreia mundial na competição do Festival de Veneza, foi rodado inteiramente em Mato Grosso do Sul e tem índios como seus principais protagonistas.

"Não impunha um texto aos atores. Eu me reunia com eles todas as manhãs, explicava o que iria acontecer e filmávamos de maneira linear, na sequência do roteiro, para eles compreenderem a história que estávamos desenvolvendo. Durante o processo também aprendi que tinha que mudar algumas cenas, pois eles me explicavam que não era daquela maneira que eles se comportavam", disse o diretor.

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"Terra Vermelha" foca na realidade dos guarani-kaiowàs nos dias de hojeFoto: Marie Hippenmeyer © Pandora Film

A princípio, o filme funcionava com um trabalho, já que os índios receberam para fazer oficinas e atuar, mas logo eles perceberam a importância do projeto. "No final eles entenderam que aqui era um veículo para a luta deles. Eles se apropriaram do filme, que não é meu, é deles. O projeto foi muito forte para mim do ponto de vista antropológico", completou Bechis.

Questão política

Nos últimos anos, Terra Vermelha ganhou novas dimensões e importância depois da campanha virtual em apoio aos guarani-kaiowàs em relação ao suicídio coletivo, que segundo o diretor foi algo que não veio da comunidade, e o assassinato do líder Ambrosio Vilhalba, ator principal do filme. "A base do desespero do povo guarani-kaiowàs é a falta da terra, que é uma questão resolvível politicamente. Eles são a terra", concluiu Bechis .

Além de Terra Vermelha, a mostra NATIVe conta também com Utu Redux, nova versão do filme feito por Geoff Murphy em 1983, que trata da luta do guerreiro maori Te Wheke. Depois de um massacre britânico contra os indígenas na Nova Zelândia, ele busca revanche instigando revoltas contra o poder colonial.

Além desses dois filmes, a NATIVe também recomenda outros que fazem parte da seleção da Berlinale e de alguma maneira abordam essas questões. Entre os destaques estão o australiano Darkside, onde atores famosos contam antigas histórias aborígenes sobre fantasmas, e Ömheten, que mostra os jovens de uma minoria indígena em uma pequena comunidade no norte da Suécia.