1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
Estado de DireitoAlemanha

Na Alemanha a província se une à luta contra a ultradireita

4 de fevereiro de 2024

Manifestar-se contra o avanço da extrema direita, em especial da AfD, é relativamente "fácil" nas metrópoles. No interior, porém, sobretudo em meio a neonazistas e Reichsbürger, protestar exige uma dose maior de coragem.

https://p.dw.com/p/4c26b
Manifestação popular antifascista em Saalfeld, Turíngia
Apesar da chuva e do frio, povo de Saalfeld, na Turíngia, protestou na Praça do Mercado contra o avanço da direita radicalFoto: Hans Pfeifer/DW

Mais um fim de semana de passeatas pró-democracia na Alemanha. Desde meados de janeiro os protestos populares contra o extremismo de direita não cessam, já tendo reunido, ao todo, milhões de participantes. Apenas neste sábado (03/02), cerca de 150 mil foram às ruas em Berlim; também em outras metrópoles como Hamburgo e Colônia, as passeatas se sucedem. Mas as cidades e municípios menores igualmente se manifestam.

A mensagem das ruas é clara: algo estava fortemente reprimido no centro da sociedade alemã. Nos últimos anos, parecia irrefreável a ascensão da populista, em parte ultradireitista, Alternativa para a Alemanha (AfD) – apesar de suas constantes provocações racistas e conexões com meios extremistas, até mesmo neonazistas.

Em sua história recente, o partido se transformou numa força política radical, em luta acirrada contra o islã, a imigração e o asilo politico; negando as mudanças climáticas; e – no estilo de um Donald Trump – difamando seus adversários com insultos e teorias de conspiração. E que parece até disposto a discutir a expulsão ou deportação de alemães, caso sejam oriundos de famílias de imigrantes – sob o cínico conceito de "remigração".

A divulgação desse debate, em 10 de janeiro de 2024, foi o estopim dos protestos de massa sem precedentes no país. Segundo sua reportagem do coletivo midiático Correctiv, políticos da AfD, extremistas de direita e empresários haviam se encontrado para discutir sobre deportações em massa. A indignação sobre tais planos racistas levou muitos alemães às ruas.

"É um sinal muito positivo, partindo do centro da sociedade", avalia David Begrich, da associação Miteinander, da cidade de Magdeburg. "Mais ainda porque nas cidades de médio e pequeno porte custa coragem se posicionar contra a AfD e o extremismo de direita." A Miteinander se engaja contra a extrema direita, presta aconselhamento contra vítimas e instituições sociais.

Lutando contra a direita no interior da Alemanha

Em metrópoles como Berlim, Hamburgo ou Colônia, os protestos são uma autoafirmação séria, mas também tranquila, da maioria da sociedade, de que não pretende permitir inativa o avanço da direita radical. Em cidades menores e lugarejos no campo, os protestos ganham outro peso.

Um exemplo é Saalfeld, no estado da Turíngia, um reduto da ultradireita no leste do país. De sua paisagem humana fazem parte, inquestionados, neonazistas, clubes extremistas de lutas marciais, e os inimigos da democracia "Reichsbürger", que sonham com reinos alemães passados. Em cidades "do interior" como essa, a cena de extrema direita pôde estabelecer estruturas sólidas, ao longo de anos e mais ou menos despercebida.

E a AfD conta com grande número de adeptos em Saalfeld – assim como em toda a Turíngia. "Quando eu converso com jovens, é comum fazerem a saudação nazista", comenta Katharina Fritz, membro ativo da organização juvenil do partido socialista A Esquerda. "A partir de todas essas manifestações que agora se realizam pelo país, pensamos que também aqui, em Saalfeld, a gente precisa se levantar, sem a menor dúvida se posicionar contra a AfD e a guinada para a direita."

Terroristas da célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista
Depois que seus companheiros da Clandestinidade Nacional-Socialista se suicidaram Beate Zschäpe (esq.) cumpre pena de prisão perpétuaFoto: picture alliance / dpa

Estruturas neonazistas têm longa tradição no lugarejo de menos de 30 mil habitantes: em meados da década de 1990, a partir de lá neonazistas se agruparam para glorificar Adolf Hitler e espalhar o ódio pelo país. Eles formaram a Defesa da Pátria Turíngia (Thüringer Heimatschutz), que anos mais tarde estamparia as manchetes como origem do grupo Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU).

De 1999 a 2007 o trio de terroristas plantou bombas e assaltou, em toda a Alemanha, matando um total de dez indivíduos, por motivos racistas. Depois que seus dois companheiros se suicidaram, em 1999, a única sobrevivente da NSU é Beate Zschäpe, atualmente cumprindo pena de prisão perpétua. No entanto a rede de patrocinadores e simpatizantes dos radicais continua grande até hoje, e alcança até Saalfeld.

Opositores sofrem ameaças no Leste alemão

Tão mais admirável, assim, é o fato de tantos cidadãos de Saalfeld estarem aderindo aos protestos nacionais contra o perigo da extrema direita. Em 26 de janeiro, apesar da pesada chuva e do frio invernal, 1.500 deles se reuniram em manifestação, na pitoresca Praça do Mercado da localidade alemã-oriental.

Os próprios participantes pareciam espantados com o grande afluxo. Trata-se de uma demonstração de coragem: na Turíngia é longa a lista das ameaças contra políticos, jornalistas e manifestantes, assim como a das agressões racistas e insultos a refugiados, pessoas de cor ou alemães de ascendência estrangeira.

Isso também preocupa os jovens conservadores da cidadezinha: "Pouco a pouco a gente aqui percebe que o problema da extrema direita não vai sumir por conta própria", comenta Eirik Otto, presidente da União Jovem dos partidos democratas-cristãos CDU e CSU. "E eles notam que o centro da sociedade, que normalmente não se vê em manifestações, tem que começar a mostrar sua cara."

Três jovens políticos antifascistas alemães com manifestação ao fundo
Ampla coalizão contra a ultradireita na Turíngia: Katharina Fritz (Juventude da Esquerda), Lisa-Marie Püchler (Jovens Socialistas) e Eirik Otto (União Jovem)Foto: Hans Pfeifer/DW

Pela democracia, ao som de Macarena

Por isso Otto e sua União atenderam à conclamação, lado a lado com seus supostos adversários da Antifa, de esquerda. Também essa organização antifascista é controvertida em Saalfeld: para uns, ela é uma importante rede para o combate à ultradireita, mas seus opositores políticos a consideram extremista de esquerda.

"Claro que houve longas discussões a respeito", revela Otto. "E é preciso sermos bem honestos: não vamos nunca representar os mesmos princípios." Contudo, "em questões fundamentais de democracia e decência", esquerdistas e conservadores precisam mostrar onde estão os limites. E a AfD está do lado de fora.

Para David Begrich, ainda cabe ver quão duradoura e bem-sucedida será a luta contra a antidemocracia e o racismo no interior alemão. "Esse engajamento precisa agora se traduzir num engajamento pela política democrática no local, em associações, iniciativas, no espaço pré-político."

Quando o ato em Saalfeld chegou ao fim, a chuva havia parado. E para combater o frio, se dança. Ao som do sucesso de verão espanhol Macarena, os presentes balançam juntos: jovens conservadores, adeptos da Antifa, famílias, representantes religiosos, gente de cultura e cidadãos comuns.

Deutsche Welle Pfeifer Hans Portrait
Hans Pfeifer Ele é um repórter multimídia apaixonado, especializado em extrema direita.