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MídiaBrasil

Na era dos memes e TikTok, como fica o horário eleitoral?

26 de agosto de 2022

Em um cenário dominado por novas mídias, propaganda obrigatória no rádio e na TV tem sua relevância questionada. Para especialistas, estética da internet deve contaminar a campanha desta que será a "eleição da dopamina".

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Homem olha para celular em sua mão diante de fundo com as cores da bandeira do Brasil
Na briga por votos, candidatos apostarão em conteúdos que geram reação e engajamento, diz pesquisadoraFoto: Douglas Magno/AFP

Instituído por lei em 1965, o horário eleitoral gratuito sempre foi visto como uma plataforma essencial para que os candidatos a cargos públicos no Brasil dialogassem com o eleitor e vendessem suas propostas. Mas, em um contexto amplamente dominado por redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, as inserções obrigatórias no rádio e na TV, que começam nesta sexta-feira (26/08), têm sua importância questionada.

Por um lado, a expectativa é que o material de campanha se baseie na estética das redes sociais, com vídeos intencionalmente simples e até toscos, em uma tentativa de demonstrar autenticidade. Por outro, o espaço televisivo também deve funcionar como matriz para conteúdos que, depois, acabarão sendo espalhados nas redes sociais — e, no plano ideal, vão viralizar por lá.

Com o tempo de exposição definido a partir das alianças formadas pelos postulantes aos cargos, o candidato petista à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva , primeiro colocado nas pesquisas, é o que terá o maior tempo na programação oficialmente veiculada. Sua coligação, a Brasil da Esperança, terá direito a 3 minutos e 39 segundos por programa, além de 287 inserções diárias.

Seu principal adversário, o candidato a reeleição Jair Bolsonaro, pela coligação Pelo Bem do Brasil, ficará com 2 minutos e 38 segundos — e 207 inserções.

A socióloga e cientista política Mayra Goulart, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ressalta a importância desse espaço no sentido de apresentar de forma organizada as plataformas de cada candidato.

"Serve para aproximar a sociedade das elites políticas, em um contexto que nem todo mundo recebe informação da mesma maneira", comenta ela. "Não podemos achar que todo mundo está na mesma bolha e recebe informações o tempo todo."

Segundo ela, essa aproximação se dá por dois vieses: o informacional e também o passional. E faz parte do jogo. Daí vêm as preocupações estéticas, do discurso à iluminação — que cada vez mais parecem contaminadas pelo estilo característico dos vídeos de plataformas como Instagram e TikTok.

Guerra de memes

Isso já se viu na largada das campanhas, na semana passada. Ao contrário de anos anteriores, em que estúdios assépticos e níveis de qualidade padrão eram praxe, as primeiras comunicações dos candidatos predominaram pelo despojamento intencional.

Candidato ao governo do estado de São Paulo, Fernando Haddad (PT), por exemplo, divulgou um vídeo inaugural feito como selfie, com direito a câmera tremida e uma iluminação casual vinda de uma janela.

Candidato à reeleição, o presidente Bolsonaro também busca constantemente se adequar à linguagem das redes sociais."Bolsonaro tem adotado uma estética gamer, para ver se fala mais com o jovem. É uma tentativa de atingir [esse público] nas redes sociais", analisa o pesquisador David Nemer, autor do livro Tecnologia do Oprimido e professor na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.

A expectativa é que a campanha seja marcada por uma guerra de memes. "Sem dúvida alguma, teremos uma campanha toda baseada no poder de viralização das mensagens nas plataformas digitais", diz a pesquisadora e influenciadora digital Michele Prado, autora dos livros Tempestade Ideológica e Red Pill − Radicalização e Extremismo. "A guerra 'memética' vai continuar e teremos vídeos curtos e pouco debate a respeito dos programas de governo dos candidatos."

Ela acredita que a campanha seguirá a lógica das redes. "Será a eleição da dopamina", define. "Conteúdos que provocam reações e engajamento, e não proposta e diálogo."

Horizontalidade da comunicação política

Professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e autor do livro Coisas Que Todo Profissional Que Quer Trabalhar Com Marketing Político Digital Deveria Saber, o consultor Marcelo Vitorino ressalta que, mesmo "com relevância reduzida", a televisão segue tendo peso importante, sobretudo para os que têm pouco ou nenhum acesso à internet.

No entanto, de forma geral, ele entende que, se o horário eleitoral gratuito "é o melhor meio para dar conhecimento a uma candidatura", a internet "é o melhor meio para engajar pessoas". E esse parece ser o pulo do gato: nas redes sociais, a campanha deixa de ser recebida passivamente — o eleitor sente que participa dela.

Goulart explica que a comunicação política deixou de ser vertical para se tornar horizontal. "Agora o vídeo é meio tremido para parecer autêntico, e essa ideia é muito importante para entendermos essa transformação que tem havido no estabelecimento do vínculo de representação entre o eleitor e seu candidato", afirma. Segundo ela, enquanto no século 20 o cidadão escolhia "alguém 'melhor' do que ele" para ser seu representante, atualmente o que prevalece é a busca por "alguém 'igual' a ele, que se pareça com ele".

Isso justificaria inclusive a maneira "politicamente incorreta" que propicia a identificação de Bolsonaro com seu eleitorado. "Aquele que se identifica com ele, o faz por esses trejeitos que não teriam lugar numa sociedade mais moderna, progressista. Essa suposta autenticidade de Bolsonaro busca uma identificação horizontal com seu eleitorado", frisa ela. E é inevitável pensar nos cenários das lives semanais veiculadas pelo atual presidente, invariavelmente passando uma imagem de improviso e simplicidade.

Irrelevância do tempo de exposição

Prado recorda dados de 2018 para ilustrar a perda de peso eleitoral do tempo destinado a cada candidato no rádio e na TV. "Naquele ano, a coalização formada em torno do PSDB deu ao então candidato [Geraldo] Alckmin o maior tempo de TV e rádio, mais de 40% [do total]. No entanto, ele nem sequer chegou ao segundo turno [terminou na quarta colocação]", pontua. "Venceu um candidato extremista de direita [Bolsonaro], que tinha apenas 8 segundos e sua campanha […] foi essencialmente online."

Mas, diante desse cenário de potencial irrelevância, por que então nos últimos meses tanta costura houve entre os partidos, visando formar alianças que rendessem mais tempo de TV? Para Nemer, há duas explicações. Em primeiro lugar, o fato de que essas coligações também representam mais exposições nas mídias sociais.

"É a mesma lógica", aponta o pesquisador. "Quanto maior for sua aliança, mais presença nas redes. Os candidatos são [donos de perfis] verificados, têm milhares de seguidores e contribuem para capilarizar a presença [do cabeça de chapa] nas redes sociais", contextualiza ele.

Um exemplo claro pode ser visto pelo que o político André Janones (Avante) vem fazendo. No mês passado, quando ainda era presidenciável, ele aparecia com mero 1% das intenções de voto na pesquisa Datafolha. Ao retirar sua candidatura e declarar apoio a Lula, ele passou a atuar como um verdadeiro influenciador digital. Dono da maior presença nas redes sociais entre todos os candidatos — no total somado, mais de 11,5 milhões de seguidores — ele é aposta da campanha petista para "furar as bolhas" do grupo que já simpatizava com o ex-presidente.

Por fim, um outro efeito esperado do horário eleitoral é a produção de mais material para ser divulgado nas mídias sociais. "Clipes e outros trechos têm esse potencial", acredita Nemer.