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“Na fase mais crítica, eu só mexia do pescoço para cima”

Nádia Pontes, de São Paulo1 de março de 2016

Causa da síndrome de Guillain-Barré, que pode provocar paralisia, ainda intriga pesquisadores. Aumento de casos da doença no Brasil, provavelmente ligado ao surto de zika, expõe dificuldades de diagnóstico.

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Foto: Getty Images/AFP/J. Evrad

Danilo Marques Novais, de 24 anos, ainda não sabe como adquiriu a síndrome de Guillain-Barré. A doença rara é autoimune: o sistema de defesa ataca o próprio corpo e atinge os nervos periféricos, o que pode provocar perda dos movimentos de pernas e braços, complicações respiratórias e até morte.

Ex-jogador de vôlei, ele procurou a rede pública de saúde em Curitiba quando sentiu uma forte fraqueza nas pernas – que acabria gerando uma paralisia. Mas foi dispensado quatro vezes do hospital sem saber qual doença tinha. “Na fase mais crítica, eu só mexia do pescoço para cima”, relembra.

O diagnóstico certo só veio depois de 60 dias. Nesse intervalo, médicos desconfiaram de lesão na coluna, problema muscular e leptospirose – uma infecção aguda causada por uma bactéria e transmitida por animais. “Essa foi a parte mais difícil: não saber o que eu tinha”, conta Danilo.

Com os movimentos recuperados, ela agora compartilha pela internet a experiência com novos pacientes. E eles se multiplicaram em toda a América Latina desde a chegada do vírus zika na região, em meados de 2015. Oito países relataram um aumento dos casos de síndrome de Guillain-Barré desde então. Só no Brasil, a elevação foi de 19%, com um total de 1.708 registros, aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Um estudo do Instituto Pasteur na França mostrou a ligação entre zika e Guillain-Barré. Os cientistas analisaram amostras de sangue de 42 pacientes que desenvolveram a síndrome na Polinésia Francesa entre 2013 e 2014, quando ocorreu um surto de zika na região. As análises revelaram que 93% haviam sido infectados pelo vírus até três meses antes de desenvolverem Guillain-Barré.

Em relação ao surto de zika no Brasil e o aumento dos casos de Guillain-Barré, ainda faltam evidências cientificas que expliquem exatamente essa relação. Segundo a OMS, o vírus – transmitido pelo mosquito Aedes aegypti – é culpado até que se prove o contrário.

Síndrome ainda é considerada rara

Osvaldo Nascimento, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista na doença, acompanhou o aumento significativo de registros da síndrome no Rio de Janeiro. Anteriormente ao zika, a incidência de Guillain-Barré era, em média, de cinco indivíduos para 100 mil.

“Houve praticamente um aumento de cinco vezes. Hoje, podemos dizer que a incidência está em torno de 20 a 30 casos para 100 mil habitantes”, relata Nascimento. “Mas é bom deixar claro: essa incidência ainda configura um quadro considerado raro.” Segundo o conceito da OMS, uma doença é considerada rara quando afeta até 65 pessoas em cada 100 mil.

Experte für psychische und Hirnerkrankungen von der Weltgesundheitsorganisation Tarun Dua
Tarun Dua, da OMS: entender o que causa o aumento da incidência da síndrome é um dos principais objetivosFoto: picture alliance/AP Photo/M. Trezzini

A causa da síndrome de Guillain-Barré ainda intriga pesquisadores. Segundo Nascimento, ela pode aparecer após vacinações e infecções virais, e nem sempre evolui como a forma clássica descrita na literatura. Quando ela surge em pacientes que foram infectados com o zika, os primeiros sintomas da síndrome aparecem de uma a duas semanas depois.

Entender o que causa o aumento da incidência da síndrome é um dos principais objetivos listados pela OMS. “Como sabemos, ela pode ser causada por vários fatores, como HIV, infecção por dengue e chikungunya”, diz Tarun Dua, da OMS.

“O diagnóstico não é fácil em nenhum lugar do mundo. O paciente pode ter uma condição aguda que pode ser, muitas vezes, interpretada como mais de 15 condições muito semelhantes à síndrome de Guillain-Barré, com paralisias flácidas agudas”, detalha Nascimento.

Como a maior parte dos casos chega à rede pública de saúde, uma proposta em discussão é criar, em cada estado do país, um hospital de referência para receber os pacientes. Além da fraqueza, perda de movimentos e paralisia até da face, a doença pode comprometer o sistema respiratório e provocar arritmia – é quando o paciente precisa de tratamento em unidade intensiva.

Em mais de 80% dos casos, os pacientes têm uma boa melhora e recuperam os movimentos após a paralisia. Depois de 34 dias de internação e um mês de fisioterapia, o ex-atleta Danilo Marques Novais conseguiu ficar em pé sozinho de novo. Ele se recupera da última sequela, que impede a movimentação perfeita de um dos pés.

Brasilien - Maßnahmen gegen Zika Virus - Rio de Janeiro
Combate ao Aedes no Rio: um estudo do Instituto Pasteur na França mostrou a ligação entre zika e Guillain-BarréFoto: picture-alliance/dpa/M. Sayão

Pesquisa e tratamento

O estado de Rio Grande do Norte foi o primeiro no Brasil a publicar um estudo sobre o surto de zika. O professor Mario Emilio Dourado deu o alerta de que a aparição desse vírus e o aumento da incidência da síndrome poderiam estar relacionados, como foi relatado na Polinésia Francesa em 2013.

“Como é um vírus novo [na América Latina], a gente não sabe o comportamento dele, se teremos mais casos de Guillain-Barré depois de uma nova epidemia”, explica Dourado, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O tratamento mais comum é a injeção de imunoglobulina até 30 dias após os primeiros sintomas da doença. Uma dose dessa substância custa cerca de 30 mil reais. “A questão é que a distribuição de imunoglobulina é feita pelas secretarias de saúde. Alguns aspectos estão sendo revisados para tornar a liberação mais fácil”, diz Osvaldo Nascimento, da UFF.

O aumento de casos exige uma readequação, que vale para todos os países da América Latina. “Exige recursos, infraestrutura e treinamento. Eu acredito que as autoridades estão conscientes disso e fazem tudo o possível para equipar os hospitais diante dessa situação”, afirma Tarun Dua.

Para quem lida com os pacientes no cotidiano, as doenças relacionadas ao zika trazem um desafio extra ao já sobrecarregado sistema público de saúde no Brasil.

“É um novo contexto, uma outra história que reflete a dificuldade da nossa saúde pública. Já não tinha UTI para os pacientes cheios de necessidades, aí aparece uma epidemia que requer UTI também. Isso escancara a nossa deficiência”, analisa Dourado, que atua na região Nordeste, onde está o maior número de casos de infecções por zika.