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"No sertão, de verde, só se veem o juazeiro e a jurema", diz vice da Faec

20 de dezembro de 2012

Paulo Helder é vice-presidente Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará. Em entrevista à DW Brasil, ele disse que os animais já estão morrendo de fome e sede no Nordeste.

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Foto: FAEC

DW Brasil: Esta é realmente a pior seca dos últimos 40 anos?

Paulo Helder: Para as pessoas, a situação está relativamente resolvida por causa da Bolsa Família e todas essas bolsas que foram criadas pelo governo federal. Então é por isso que não se está vendo a invasão de cidades por flagelados famintos. Mas a parte econômica do produtor rural foi totalmente afetada, porque ele não está tendo renda de nada. Eles recebem apenas essa ajuda do governo federal.

E, quanto ao rebanho, vemos a morte de muitos animais, de fome e sede, porque já há regiões onde faltam água e comida devido à longa estiagem. Se você anda pelo sertão – nesta semana eu fui a Ibaretama –, você vem que não tem mais nada para se comer. De verde, só se veem o juazeiro e a jurema.

Como está sendo o abastecimento da água? Através de carros-pipa?

Sim, o abastecimento da água está sendo feito através dos carros-pipa. Isso para a pessoa humana, mas o que está dificultando é o rebanho. Há localidades que não têm mais água e já foi solicitado pela federação ao comitê da seca que os carros-pipa voltem a abastecer água para o rebanho. Porque há gado morrendo de sede. A maioria dos açudes está seca. É por isso que essa seca é considerada uma das piores dos últimos 40 anos.

Qual a dimensão da perda de produção?

Na última avaliação que foi feita, por exemplo, só de leite, já havia uma perda de 40%. E o pior de tudo isso não é só a quebra na produção. O problema é que, para se formar um rebanho produtor de leite, são necessários cinco anos. E o que está acontecendo: muitos animais estão sendo vendidos para fora e muitos animais estão morrendo.

Então, para o Ceará voltar a produzir a mesma quantidade anterior de leite, não serão suficientes somente as primeiras chuvas, esse processo deve demorar de três a quatro anos.

Esta seca afeta somente o sertão ou chega também ao litoral?

A situação do litoral também não é boa. Para se ter uma ideia, enquanto no ano passado choveu 1.800 mm na minha propriedade em Cascavel [cidade do litoral cearense], neste ano não choveu 300 mm. Meus açudes estão praticamente secos. Eu tive de reduzir o meu rebanho exatamente por falta de comida e água.

Quem coordena a distribuição de água através dos carros-pipa pelo interior?

Quem coordena é o Exército, através da Operação Carro-pipa. Como ele não tem capacidade de atender tudo, há locais em que as prefeituras também estão disponibilizando carros-pipa para ajudar a equipe do Exército.

Como a federação está ajudando a esses municípios afetados?

Um dos maiores trabalhos da Federação é tentar trazer o milho em quantidade de forma a abastecer os nossos criadores com milho vendido pela Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], cujo preço é acessível ao criador, ou seja, um milho subsidiado. Mensalmente, precisamos de 20 mil toneladas, mas até agora, só chegou uma média de 7 mil toneladas. Trata-se de uma defasagem muito grande.

Se antes da seca havíamos inscrito nesse programa da Conab cerca de 10 mil produtores, hoje temos mais de 36 mil inscritos somente no Ceará. Eles precisam dessa quantidade de milho somente para manter o rebanho, para não ter que se desfazer dele, ainda não é para produzir.

A seca é algo cíclico que já existe há muito tempo. Não se poderia evitar a escassez através de programas de armazenamento?

Há criadores que o fazem. Nós fizemos uma exposição agropecuária, e estavam lá animais belíssimos, gordos, que mesmo numa seca como essa foram apresentados na exposição. Porque já existem produtores que fazem sua reserva alimentar. Eles armazenam a forragem.

O que nós temos que fazer é conscientizar nossos produtores rurais de que a seca irá sempre existir, ou seja, não se trata de "combater à seca", mas de conviver com a seca – como acontece com as pessoas no Canadá, que aprenderam a conviver com o gelo. Eles se preparam naquele período onde há condições de plantar e de colher, para superar os três ou quatro meses de frio que passam.

Então o que está faltando é investir na educação do homem para que ele se prepare e, além de educar, possibilitar condições financeiras através de linhas de crédito para que ele possa preparar a alimentação de seu rebanho para os períodos de estiagem.

Essa é uma proposta semelhante àquela de entidades da sociedade civil como a ASA (Articulação para o Semiárido). Há um trabalho conjunto da Federação com a sociedade civil?

Sim, tanto é que está sendo lançado em nível nacional pelo Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] o programa Viver Bem no Semiárido. É um programa que tem por objetivo capacitar o pessoal para conviver com as estiagens que acontecerem daqui para frente.

Entrevista: Carlos Albuquerque
Revisão: Alexandre Schossler