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Nojo, uma sensação natural moldada pela cultura

24 de novembro de 2012

Especialista explica: a repugnância tem papel vital para a sobrevivência, mas também é uma questão de associação, costume e adaptação. Assim, um determinado grupo pode se deliciar com algo que para outro é puro asco.

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Foto: picture alliance/dpa

Knut Fuhrmann desce por uma escada de ferro até o tanque de aeração. Na superfície do líquido escuro flutuam espuma esbranquiçada e absorventes empapados. Mais alguns centímetros, a sua cabeça submerge, e é aí que começa seu trabalho. Fuhrmann é mergulhador de uma estação de tratamento de esgoto, sua tarefa é retirar tufos de cabelo, camisinhas e absorventes da tubulação do tanque, para que entre suficiente ar e as bactérias possam fazer seu trabalho.

O que para Fuhrmann é normal, provoca engulhos em outros seres humanos. Contudo, por mais que seja desagradável, a situação tem seu lado positivo, afirma Harald Euler. Há anos, o professor de Psicologia da Evolução da Universidade de Kassel pesquisa sobre o assunto. "Nojo é microbiologia intuitiva, de que a natureza nos dotou. Ele impede que coisas perigosas sejam ingeridas." Ou seja, a sensação nos protege de perigos invisíveis, como venenos e germes.

Knut Fuhrmann nem se importa de mergulhar no esgoto
Knut Fuhrmann nem se importa de mergulhar no esgotoFoto: DW

Uma reação, diferentes causas

O princípio é universal: cadáveres, feridas abertas, produtos do corpo como fezes, urina e pus, comida deteriorada e certos animais – ratos, vermes, larvas – são repugnantes e asquerosos. Nestes pontos os seres humanos de todo o mundo são unânimes. E praticamente todas as culturas comunicam tais sensações com a mesma expressão facial: franzir o nariz, levantar o lábio superior e baixar os cantos da boca.

Porém tal unanimidade não se aplica aos alimentos. Um exemplo é a especialidade filipina balut. Para preparar o prato, ovos de pato são chocados durante várias semanas, até que o feto esteja formado, com bico e penas. Só então o ovo é cozido e consumido diretamente da casca, com uma pitada de sal.

Por que percebemos como nojento aquilo que outras consideram uma iguaria? "Os tabus alimentares de cada cultura são transmitidos através de exemplo e imitação", esclarece Euler. É no grupo que aprendemos a achar algo repulsivo. Basta alguém torcer o nariz à mesa, e já se sabe: isso pode ser de nocivo!

Contudo, o asco não funciona apenas como alerta, ressalta o psicólogo. "A comida compartilhada e o nojo compartilhado consolidam o grupo: através deles, o grupo se delimita em relação aos outros."

Aprendendo desde criança

Mas nojo é algo que se aprende. Até os dois anos de idade, as crianças praticamente não acham nada asqueroso. Se os pais não tomam cuidado, tudo é colocado na boca, seja o montinho marrom no meio do caminho ou a lesma gosmenta. Só com o tempo a criança vai aprendendo as mágicas leis do asco, que para os adultos são indiscutíveis.

A primeira lei é a do contato: tudo o que toca uma coisa nojenta automaticamente se torna repugnante também. Ninguém vai, por exemplo, querer beber um copo de leite que foi mexido com um mata-moscas – afinal ele poderia estar cheio de germes.

Psicólogo Harald Euler estuda o nojo há anos
Psicólogo Harald Euler estuda o nojo há anosFoto: gemeinfrei

A segunda lei é a da semelhança: achamos automaticamente repugnante tudo o que se parece com um objeto que desperta nojo. Deste modo, ninguém tomaria sem comentários uma sopa servida num pinico, mesmo que ele tenha acabado de sair da fábrica. "É pura questão de associação" comenta Euler.

Mas isso pode ser mudado, assegura: basta a pessoa se expor com frequência suficiente ao que acha asqueroso, para que a desagradável sensação desapareça, no processo que ele denomina "dessensibilzação".

O mergulhador de esgoto Knut Fuhrmann confirma: ele não tem mais o menor problema em submergir no tanque cheio de líquido espesso e mal cheiroso. "É uma questão de controle interior: encaro a coisa simplesmente como lama, nada mais".

Autor: Michael Hartlep (rpr)
Revisão: Augusto Valente