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O absoluto fim do judaísmo alemão

Entrevista de Martin Schrader (sm)28 de janeiro de 2005

Em entrevista à DW-WORLD, diretor do Museu Judaico de Berlim alerta que, 60 anos após a libertação de Auschwitz, judeus alemães ainda não são encarados cem por cento como seres humanos em seu país.

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W. Michael Blumenthal, diretor do Museu Judaico de BerlimFoto: Sönke Tollkühn

DW-WORLD: Há exatamente 60 anos, Auschwitz foi libertado. Qual o significado deste acontecimento do ponto de vista judaico?

W. Michael Blumenthal: Na história alemã e judaica, Auschwitz se tornou símbolo do assassínio nazista. É uma palavra-chave, mas o assassínio ocorreu em diferentes lugares durante vários anos. Sem querer reduzir a importância deste acontecimento, a libertação de Auschwitz tem um significado mais simbólico para mim.

O senhor acha que a lembrança do Holocausto está se apagando com a morte gradativa das testemunhas de época?

Naturalmente. Com a morte das testemunhas, a qualidade da memória do Holocausto também vai mudar, tudo vai passar a ser transmitido de segunda mão. Mas acredito que isso vai continuar sendo uma parte importante da história alemã. O interesse das pessoas pelo assunto, sobretudo por parte dos jovens, continua sendo muito grande. Mas isso passará a ser refletido de uma outra maneira, como acontecimento histórico que implica responsabilidade. Isso vai continuar existindo, e é importante que continue. É preciso entender a diferença entre culpa e responsabilidade. As novas gerações não são culpadas pelos atos de seus antepassados, mas têm uma responsabilidade nacional. Acho que ela também vai continuar sendo assumida.

A memória do Holocausto na Alemanha foi mudando com o tempo?

Quando retornei para a Alemanha, em 1953, o país estava sob o trauma do passado. Os alemães não queriam e não podiam falar disso. Muitos ainda eram nazistas, em importantes posições. As pessoas se sentiam culpadas, mas não conseguiam expressar. Estavam mais concentradas na reconstrução do país. Com o surgimento de uma nova geração no início da década de 70, isso mudou um pouco. Hoje fico contente de ver com que sinceridade os alemães lidam com sua história e tentam arcar com as conseqüências na medida do possível. O trauma não passou, mas se manifesta de uma outra maneira. As pessoas são bastante cuidadosas e sensíveis em relação aos judeus.

Qual o significado do fim da Segunda Guerra para a história judaico-alemã, na sua opinião?

Significou o fim da história do judaísmo alemão na forma em que ele existira durante décadas, séculos. Na época da minha infância, dos meus pais, avós e bisavós, os cidadãos judeus alemães eram um grupo de fato dentro da sociedade alemã. Esta época acabou.

Qual o significado do fim da guerra para os judeus fora da Alemanha, para os que não foram diretamente afetados?

Acredito que isso também deixou uma marca profunda em quem só observou de longe as manobras dos nazistas. O significado do extermínio de milhões de pessoas do mesmo credo se tornou parte da história judaica. Em toda universidade norte-americana se estuda esta parte da história, o significado disso está enraizado nas cabeças dos jovens estudantes judeus. Esta impressão ainda vai permanecer na memória judaica durante décadas.

Como os judeus celebram o fim da guerra nos Estados Unidos?

Acredito que isso seja bastante pessoal e individual. Na minha opinião, o acontecimento leva à seguinte conclusão: nunca se sabe se o anti-semitismo poderá degenerar em formas terríveis. Por isso, é preciso observar com atenção a aparição de anti-semitismo e tentar reagir contra isso. Um exemplo atual é o conflito no Oriente Médio. É comum se incitar ao anti-semitismo e confundi-lo com antiisraelismo, algo que acontece bastante na Europa e na Alemanha. Isso representa um perigo que preocupa judeus no mundo inteiro, com toda razão. Este anti-semitismo é uma herança de dois mil anos de perseguição. A Segunda Guerra deixou isto muito claro para mim e para os judeus. O peso que isso representava para as pessoas, historicamente, o incômodo que causava e a maneira de lidar com a questão: tudo isso só ficou clarou para mim com os horrores da época nazista. Isso é o que penso, mas é difícil de generalizar.

O senhor acredita que a relação entre alemães e co-cidadãos judeus pode se normalizar, sem que a memória do Holocausto se apague?

Normalização é um termo errado. A relação entre judeus e não-judeus nunca foi normal na Alemanha. Mesmo antes de Hitler, os alemães não-judeus sempre encararam os judeus alemães como algo especial. A relação sempre foi cautelosa e levemente tensa. Meus pais e avós tinham plena consciência de que viviam como judeus na Alemanha. A vida social só acontecia entre pessoas do mesmo credo. Nos Estados Unidos, ser judeu é como ser de ascendência italiana ou de qualquer outra. É um país de imigração: todo mundo é americano. No caso da Alemanha, a questão deveria ser formulada de uma outra forma: será que vai chegar o dia em que um não-judeu alemão vai encarar um judeu alemão cem por cento como pessoa, sem ter consciência ou dar importância ao fato de ele ser judeu, cristão ou o que quer que seja? Isso ainda vai levar muito tempo. E o assassínio nazista com certeza representa uma grande dificuldade neste sentido.