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O boom da venda de direitos autorais na música pop

Annabelle Steffes-Halmer
9 de fevereiro de 2021

Vários astros, entre eles Bob Dylan e Shakira, venderam seus direitos recentemente. Um novato fundo de investimento desponta na concorrência às gigantes Universal, Warner e Sony pelos megacontratos.

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Cantor Bob Dylan em concerto, ao piano
Após décadas administrando o próprio patrimônio artístico, Bob Dylan vendeu seus direitos por estimados US$ 300 milhõesFoto: imago images/Zumapress

Direitos autorais são um negócio lucrativo na música pop. Michael Jackson já sabia disso quando, em 1985, comprou 251 canções dos Beatles por 47 milhões de dólares. Uma bagatela, comparado com os 300 milhões de dólares por que, segundo se calcula, Bob Dylan vendeu seus direitos à gravadora Universal Music. Até o momento ele era um dos poucos artistas que administram o próprio arquivo, tarefa agora assumida pelo maior conglomerado musical do mundo.

Também Neil Young transferiu em 2021 os direitos de algumas de suas canções, entre as quais clássicos como Heart of gold, e para ninguém menos do que o fundo de investimentos Hipgnosis. Recentemente também Shakira e Stevie Nicks, da banda Fleetwood Mac, fecharam megacontratos semelhantes. Mera coincidência? Ou mais um efeito da pandemia?

O economista musical Peter Tschmuck, da Universidade de Música e Artes Cênicas de Viena, acredita que as motivações são diversas. "Para Bob Dylan, pode ter sido uma espécie de previdência para a próxima geração, mas entre os mais novos talvez seja uma fonte extra de renda, já que foram canceladas muitas possibilidades de apresentação."

Lucro para os outros

Direitos musicais são um verdadeiro tesouro: quem os possui embolsa cada vez que uma canção é utilizada, até 70 anos após a morte do compositor, seja em filmes, publicidade, versão cover, em shows ao vivo ou em plataformas de streaming, como Spotify e Amazon. Um exemplo: o mencionado fundo de investimento Hipgnosis detém os direitos de quatro canções escutadas na quarta temporada da série The Crown. Ou seja, a cada maratona de Netflix, a caixa registradora soa.

Até agora, contudo, raramente é a dos próprios músicos que soa. "Ainda há muitos contratos antigos, em que no streaming de música os artistas são tratados como na venda de discos", comenta Tschmuck. "Havia cláusulas que previam, por exemplo, uma participação no faturamento de 10% a 12%."

Na venda de CDs ou LPs, isso não era mal negócio, mas aplicado aos preços módicos de assinatura dos serviços de streaming, não dá para nenhum artista se sustentar mais. No passado houve protestos e críticas maciços nos meios musicais. Thom Yorke, do Radiohead, por exemplo, se nega até hoje a colocar suas músicas no Spotify.

Merck Mercuriadis e Nile Rodgers, fundadores da Hipgnosis
Merck Mercuriadis (esq.) e Nile Rodgers são os fundadores do fundo de investimento HipgnosisFoto: Photoshot/picture alliance

Concorrência às gigantes dos direitos autorais

Desde 2015, até mesmo a Comissão Europeia vem se ocupando dos direitos autorais no mercado digital. Na época, 1.110 artistas europeus apelaram à instituição, criticando sobretudo o Youtube. Até então a plataforma estava isenta da obrigação de licenciamento, reservando-se uma vantagem comercial bastante injusta dentro do setor.

Assim, em 2019, a Comissão expediu a diretriz relativa a "Direitos autorais no mercado interno digital", o que, por sua vez, acarretou em protestos em massa por parte de youtubers e outros influenciadores. E ainda falta muito a debater.

Certo está que os concertos seguem sendo a fonte de renda mais lucrativa para os artistas, e não a venda de discos ou os lucros com streming. Por esse motivo, muitos músicos mais jovens preferem ganhar uma grande soma de uma vez no lugar de numerosas miniquantias, que para alguns mal bastam para se sustentar.

Para músicos famosos, por vezes basta a venda de uma única canção. Esse é o caso de Sexyback, de Justin Timberlake, ou Set fire to the rain, de Adele. Os direitos de ambos os hits estão agora com o fundo de investimento Hipgnosis. Fundado em 2018, ele faz concorrência séria às três gigantes do setor, Universal Music, Warner e Sony Music.

O nome é uma homenagem ao estúdio de design britânico responsável pelas capas dos álbuns de Pink Floyd, entre outros. Por trás, estão dois veteranos da indústria musical: Nile Rodgers e Merck Mercuriadis. Este foi empresário não só de Elton John, Iron Maiden, Guns n' Roses e Beyoncé, como de seu companheiro Rodgers, membro da banda Chic e produtor de David Bowie e Madonna, entre outros.

Controle sobre o uso da própria música

No website do Hipgnosis lê-se que ambos os empresários não só providenciam lucros a seus acionistas, como querem oferecer aos artistas somas justas pelos direitos autorais. O compositor e letrista The-Dream, um dos primeiros a fechar negócios com a empresa, embolsou mais de 18 milhões de libras esterlinas por canções como Single ladies, de Beyoncé.

A política comercial do Hipgnosis pode ser um dos motivos por que Neil Young, por exemplo, decidiu transferir para ela a metade de seus direitos. Antes, o artista sempre se negara a vender sua música  para publicidade. Em seu sucesso This note's for you, de 1988, Young chega a cantar: "Ain't singing for Pepsi, ain't singing for Coke" (Não estou cantando para a Pepsi, não estou cantando para a Coca-Cola).

No passado, o medo de ver a própria música usada para maus fins impediu muitos de venderem seus direitos autorais. "Nos EUA era acima de tudo o medo que [Donald] Trump usasse os direitos deles", brinca o musicólogo Peter Tschmuck.

Quem sabe a partida do ex-presidente vá até motivar outros músicos a venderem seus direitos. Seja como for, nota-se um movimento na indústria musical. E, se continuar diligente como até agora, o Hipgnosis certamente ainda proporcionará uma ou outra surpresa no jogo milionário dos direitos autorais.