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O Brasil na imprensa alemã (07/10)

7 de outubro de 2020

Os paralelos entre os líderes populistas do Brasil e Reino Unido, o grito de "Fora Bolsonaro" de uma atleta e suas consequências e a aposentadoria do juiz do Supremo Celso de Mello foram assunto em jornais da Alemanha.

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Jair Bolsonaro, Boris Johnson e Donald Trump de máscara anticorona
Bolsonaro e Boris: unidos pela "filosofia" de TrumpFoto: E.Peres, A.Parsons, P.Semansky/AP/ZUMA Wire/picture-alliance

Frankfurter Allgemeine – "Não retiro nada do que disse" (07/10)

Normalmente a SporTV não é conhecida por seu noticiário político [...] Mas agora a emissora esportiva brasileira conseguiu, sem querer, um furo político-esportivo. A responsável é Carolina "Carol" Solberg, que celebrou com uma declaração salgada seu terceiro lugar num torneio de vôlei de praia em Saquarema, no estado do Rio de Janeiro.

"Fora Bolsonaro", bradou a jogadora de 33 anos ao fim de uma entrevista ao vivo, em setembro. É o grito de guerra da diversificada oposição ao presidente no Brasil: quer ambientalistas, ativistas de esquerda, antifa ou defensores dos direitos humanos, todos os que condenam a política por vezes extremista e antiambiental do presidente estão de acordo no "Fora Bolsonaro".

Carolina Solberg não é uma das grandes estrelas dos meios esportivos, mas há anos faz parte da elite internacional, o que lhe conferiu um considerável nível de fama em seu país. Fama que agora deu um salto, desde que sua manifestação suscitou debates acalorados, redundando na questão: até que ponto e quão publicamente uma personalidade esportiva pode se manifestar sobre a situação política?

Em Cuba, na Venezuela ou na Nicarágua uma declaração tão crítica assim ao regime, ao vivo na televisão, significaria fim imediato de carreira. Mas também no novo Brasil, que sob Bolsonaro se aproxima cada vez mais de tais métodos totalitários de governo, colocações críticas ao regime atualmente não ficam mais sem consequências.

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Pelo menos Solberg pode torcer que esta semana [quando o caso seria julgado, porém houve adiamento] a Justiça fique do seu lado. Até agora – e isso ainda distingue o Brasil de outros Estados totalitários da América Latina – amplas parcelas da Justiça estão comprometidas com valores fundamentais da democracia, como a liberdade de opinião e de imprensa. Assim, a ala bolsonarista tem sofrido algumas duras derrotas nas salas de audiência do maior país latino-americano.

Essa função de controle de uma divisão de Poderes, que em grande parte ainda funciona, é o que impede o Brasil de resvalar cada vez mais para ser um Estado totalitário. Nesse sentido, o caso Solberg é também uma espécie de inventário da situação. A própria jogadora se mostra combativa, e afirmou: "Não retiro nada do que disse."

Süddeutsche Zeitung – Celso de Mello, juiz lendário que se opôs a Bolsonaro (05/10)

Um episódio da vida de Celso de Mello descreve bem os valores que defende. Em agosto de 1989, o paulista acabara de ser nomeado juiz do Supremo Tribunal Federal. Ele acabava de alcançar o ápice de sua carreira, aos 40 e poucos anos. Portanto havia motivo para celebrar, e muitos talvez tivessem dado uma grande festa, organizado uma recepção ou pelo menos convidado para um jantar festivo.

No entanto, Celso de Mello colocou a família no carro e saiu para comerem juntos, não num desses restaurantes chiques, mas no McDonald's. Hambúrguer, batatas fritas e coca-cola para brindar uma nova vida.

Passaram-se 31 anos, e agora, em 13 de outubro, ele vai se aposentar. Seu afastamento deixará uma lacuna maior ainda por se tratar de tempos tão intranquilos. Pois Celso de Mello não é considerado apenas uma enciclopédia de direito ambulante, uma lenda dos tribunais e defensor de uma Justiça independente. Hoje ele é um dos opositores mais destacados de Jair Bolsonaro, o presidente de ultradireita do Brasil, que quer, no mínimo, esvaziar o Estado de direito, e flerta com uma tomada de poder pelos militares.

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Agora Bolsonaro decide quem ocupa o posto [de Celso de Mello]. Contra todos os bons costumes, ele já divulgou o sucessor de sua preferência: Kassio Nunes Marques, um conservador, mas pelo menos não um radical.

Já em seu 30º jubileu no STF, consta que Celso de Mello resistiu a todas as tentativas de realizar uma grande festa em sua honra. E possivelmente agora só vai comemorar em círculo íntimo, talvez até mesmo numa lanchonete.

Der Tagesspiegel – Irmãos no espírito (04/10)

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, são populistas de direita como Trump, e concordam com o presidente dos Estados Unidos tanto em comportamento como no posicionamento político. Num ponto, contudo, eles estão até mesmo à frente de Trump: Johnson e Bolsonaro já se curaram da covid-19. E no entanto minimizam a pandemia, cada qual do seu jeito.

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Por trás da recusa de Bolsonaro de, apesar da própria doença, reconhecer o novo coronavírus como perigo sério, está sua convicção de que se poderia manter a pandemia sob controle sem quarentena nem paralisação da economia. Só os grupos de risco deveriam se isolar, é a sua argumentação, voltada contra as restrições, em parte drásticas, decretadas pelos governadores e prefeitos brasileiros.

"Eu sempre disse, nada precisa ser fechado, ninguém tem que ficar em casa", disse Bolsonaro nesta semana. A covid-19 não seria mais do que "uma gripezinha". Mais uma vez, fica demonstrada a incapacidade do presidente de, apesar da própria doença, sentir algo parecido com empatia. No mundo de Bolsonaro, tudo gira em torno de Bolsonaro.

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Também no Reino Unido houve imagens semelhantes. Enquanto em outros lugares há muito se pregava distanciamento, e a Itália já decretava confinamentos regionais contra o coronavírus, ainda no começo de março o premiê britânico apertava demonstrativamente as mãos de pacientes de hospital. Ao telefone, esclareceu à chanceler federal alemã, Angela Merkel, sobre o procedimento sob "bases científicas" de seu país contra o Sars-Cov-2. Cientistas do governo falavam de "imunidade de rebanho".

A conta não se fez esperar: lá pelo fim mês, além de Johnson, haviam se contagiado seu assessor mais próximo, o ministro da Saúde, o conselheiro-chefe deste para assuntos médicos, assim como o mais alto funcionário do país – sinais da negligência beirando a criminalidade com que a elite britânica encarara a pandemia.

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Na Europa, em relação ao número de habitantes, só a Bélgica e a Espanha estão pior [do que o Reino Unido]. A oposição e diversos cientistas condenam o curso tortuoso do governo, o sistema de saúde exaurido só consegue monitorar aproximadamente o número dos contágios por contato. E cada vez mais Johnson tem que escutar também as críticas internas do partido, devido a sua política errática.