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O clichê que vem perdendo a ginga

Renata Malkes
28 de novembro de 2016

A pergunta "você sabe sambar?" já não ecoa com tanta frequência nos ouvidos brasileiros. As percepções musicais em torno do país mudaram, e ritmos como forró, afoxé e maracatu ganham cada vez mais espaço.

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Deutschland Fußballfest mit Samba Band vor der Paulus-Kirche in Dortmund
Grupo toca samba na cidade alemã de Dortmund: ritmo não é mais única referência de música brasileiraFoto: Imago/epd

Amazônia, futebol, carnaval e belas mulheres fazem parte do arsenal de clichês ligados ao Brasil. Os estereótipos variam de país a país e um deles estava sempre presente – o samba. Aparentemente não mais. Foi o baiano Dorival Caymmi a sentenciar que "quem não gosta de samba, bom sujeito não é". Mas, embora muitos ainda vibrem ao som das batidas cadenciadas, longe do Brasil, o ritmo que completa cem anos, e correu o mundo como um dos maiores símbolos do país, vem perdendo, em parte, seu gingado.

Após viver durante um ano na Europa, a editora de vídeo Mariana Benevello já está acostumada às perguntas curiosas sobre sua origem, idioma e cultura. Há quatro meses, porém, a carioca, de 27 anos, desembarcou em Los Angeles para um curso de cinema e se surpreendeu com a visão local acerca do Brasil. Na Califórnia, os clichês ligados à vida brasileira passam quase sempre pela natureza exuberante. Menções sobre música são raras, ao contrário do que acontecia na Europa.

"Achei bastante curioso. Quando vivi na Alemanha e dizia que era brasileira, as pessoas logo queriam falar sobre futebol. Aqui é sempre sobre a Amazônia, as praias selvagens e turismo. Eles ainda acham o Brasil um pouco exótico, muitos americanos ainda imaginam um país de florestas e mulheres bonitas de biquíni, como a Gisele Bündchen. Não me incomoda, mas confesso que às vezes não tenho muita paciência", diz Mariana.

Mudança no rastro do crescimento econômico

A pergunta "você sabe sambar?" já não ecoa com tanta frequência nos ouvidos brasileiros. E o motivo, alegam especialistas, é o maior acesso à informação e à cultura nacional – além do vasto intercâmbio cultural gerado pela última década de crescimento econômico, quando mais brasileiros, de diferentes regiões do país e diversos níveis sociais, tiveram, pela primeira vez, acesso ao exterior. Uma era de hegemonia das elites do eixo Rio-São Paulo-Brasília na propagação das artes e da cultura foi, finalmente, abalada.

Salgueiro toca na abertura do carnaval de Colônia

"Diria que, claro, o samba ainda é um clichê atrelado aos brasileiros. Mas hoje, quando se fala em musicalidade brasileira fora do Brasil, não é apenas samba ou bossa nova. Fala-se sobre afoxé, maracatu, forró, de outros ritmos africanos, de capoeira e do estilo musical que ela traz. A música feita com instrumentos de percussão e tambores ganhou espaço. Em Berlim, por exemplo, há dezenas de escolas de música dedicadas a esses ritmos, todas comandadas por alemães", avalia o geógrafo Israel Valente, há nove anos radicado na capital alemã, de onde pesquisa a cultura afro-brasileira.   

Segundo Valente, as percepções musicais em torno do Brasil mudaram, em parte, graças aos avanços econômicos dos anos 2000. Ele destaca o aumento da oferta de voos ligando a Europa à região nordeste e ao aumento do poder aquisitivo de parte da população brasileira que, pela primeira vez, pôde viajar ao exterior e contribuir com a propagação de distintas manifestações culturais oriundas de norte ao sul do país

"Existe um intercâmbio mais intenso. A força da nossa cultura está na diversidade. Não é que não se goste de samba, ou que ele tenha sido esquecido, mas felizmente abriu-se um leque de outras opções. Há, ainda, uma grande confusão conceitual. Muita gente no exterior até menciona o samba ao falar do Brasil, quando na verdade, está pensando apenas naquelas imagens exuberantes do carnaval no Rio de Janeiro. O samba, em sua essência, não é reconhecido como deveria", afirma o pesquisador.

"O carnaval, de certa forma, é problemático"

Em Israel, o gaúcho Itay Malo, de 33 anos, também percebe mudanças. Fã do ritmo, para ele, não resta dúvida de que o velho clichê do samba e do carnaval está perdendo a força. Há 15 morando em Tel Aviv, Malo conta que, nos últimos anos, o Brasil tem sido lembrado de outras formas. Os estereótipos clássicos se diluíram – ou foram trocados por outros, não necessariamente tão simpáticos, como a violência.

"Pelo menos aqui não somos aquela coisa exótica de antigamente. O Brasil não é mais um país distante, do outro lado do oceano, com mulatas e futebol. Ouço mais perguntas sobre as favelas, a pobreza e a violência. Hoje, quando digo ser brasileiro, as perguntas não são sobre sambar ou jogar bola. Perguntam-se se é verdade que no Brasil se rouba, mata e assalta. Infelizmente sou obrigado a dizer que sim", lamenta.

Mudança, aliás, é uma palavra-chave para o pesquisador musical americano Stephen Bocskay quando o assunto são clichês envolvendo o samba como patrimônio da cultura brasileira. Pós-doutorado em Letras e Cultura Brasileira pela Brown University, nos EUA, ele já deu aulas de Literatura, Música e Cinema Brasileiro em Harvard e na Cornell University e, hoje, é professor visitante na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para Bocskay o samba não é compreendido na sua diversidade – nem mesmo no próprio Brasil, que renega as origens negras do ritmo.

"O carnaval, de certa forma, é problemático. É uma festa de interesses hegemônicos, um show visando ao lucro, principalmente no Rio. É esse o samba que virou símbolo cultural do Brasil. Existem muitas vertentes de samba, como o samba de terreiro, o partido alto, o pagode e outras. Falta uma abordagem crítica em torno da história e da importância do samba. O racismo estrutural no país não ajuda a entender o samba em sua plenitude", afirma Bocskay.