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O fim do "Brasil acima de tudo"?

23 de janeiro de 2019

"America first" já era. Será que isso logo vai valer também para o lema "Brasil acima de tudo"? Em Davos, Bolsonaro sinaliza que sim e fala em "aprofundar laços de amizade e comércio" para "o bem de todo o mundo".

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Jair Bolsonaro
Bolsonaro fala à imprensa em DavosFoto: Alan Santos/Presidência da República do Brasil

Caros brasileiros,

O Fórum Econômico Mundial, que ocorre agora em Davos, é um espelho da crise do populismo de direita e dos problemas causadas por ele. O presidente americano, Donald Trump, não compareceu ao evento. A primeira-ministra britânica, Theresa May, cancelou sua ida a Davos na última hora, e o presidente francês, Emmanuel Macron, desistiu de participar do fórum por causa dos protestos dos "coletes amarelos".

Trump está preso no shutdown mais longo da história dos Estados Unidos. A política econômica dele provocou um conflito comercial com a China e contribuiu para que o Fundo Monetário International (FMI) reduzisse as previsões de crescimento global.

No caso do Reino Unido, o caos do Brexit mostrou a incapacidade dos conservadores de lidar com uma crise que eles mesmo causaram.

Astrid Prange
A colunista da DW Brasil Astrid PrangeFoto: DW/P. Böll

Parece que a onda de raiva e destruição organizada e instrumentalizada pela direita populista em nível global, agora se vira contra ela mesma. Ao menos é isso que sugere uma sondagem pela consultoria internacional PricewaterhouseCoopers. Segundo o 22nd Annual Global CEO Survey, lançado durante o Fórum de Davos, a atração do mercado americano para investidores caiu pela metade.

Dos 1.300 chief executive officers (CEO) entrevistados, somente 27% ainda consideravam os Estados Unidos o mercado mais importante fora do próprio país. Em 2018, eram 46%. No Reino Unido, a avaliação caiu de 15% para 8%, na Alemanha de 20% para 13%, e no Brasil de 7% para 6%.

A mesma enquete mostra que a instabilidade política, o protecionismo e os conflitos comerciais fazem parte das dez maiores preocupações da elite empresarial global.

Além de gerar preocupação e desilusão, o populismo da direta e também da esquerda mobiliza milhões de pessoas contra ele. É impressionante testemunhar não somente o apoio, mas a crescente resistência de uma grande parte da população dos EUA às aberrações do seu presidente – seja o women's march, seja a posição firme da deputada democrata Nancy Pelosi.

Chamam a atenção também as manifestações contra o Brexit na Inglaterra, os protestos na Hungria contra a chamada "lei da escravidão", a onda de manifestações contra a reforma da justiça na Polônia, e claro, o movimento "ele não" no Brasil.

Na Alemanha, depois que o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) entrou no Parlamento, os debates ficaram mais duros, mas também geraram mais atenção política. A participação nas eleições aumentou, e o debate pro e contra refugiados contribui para a Alemanha finalmente ver a si mesma como um país de imigração.

A política externa de Trump e a ameaça dele de que os Estados Unidos poderiam se retirar da Otan uniu uma Europa dividida em torno de uma política de defesa comum. E o Brexit fez os demais membros da comunidade europeia, muitas vezes divididos, se unirem mais.

Aliás, no meio da crise, a União Europeia está vivendo uma segunda primavera. Segunda uma sondagem do instituto YouGov e da Fundação Tui, o apoio da geração jovem à Europa unificada está crescendo. Dos mais de 6 mil jovens de sete países entre 16 e 26 anos entrevistados, 71% votariam contra uma saída do seu país da União Europeia. Os mais entusiásticos apoiadores vivem na Espanha, lá 85% apoiam o projeto europeu.

Os populistas estão na contramão da história. Mesmo que algumas questões trazidos por eles para a agenda política estejam certas, as respostas não resolvem os problemas, mas só os agravam. Os valores defendidos por eles cada vez mais se revelam hipócritas e vazios.

Parece que até o presidente Jair Bolsonaro já está se despedindo do lema da sua campanha eleitoral, "Brasil acima de tudo". No discurso durante o Fórum de Davos, ele colocou somente "Deus acima de tudo" e prometeu "aprofundar os laços de amizade e as relações comerciais" entre o Brasil e a comunidade internacional. Prometeu que as "ações do governo atrairão grandes negócios, não só pelo bem do Brasil, mas para o bem de todo o mundo".

Sair do Acordo do Clima de Paris? Isso já não é mais assunto. Um Brasil que estaria acima de tudo, acima da proteção ao meio ambiente, do clima, do livre comércio com os vizinhos do Mercosul e das organizações internacionais como a Organização Mundial de Comércio (OMC), aliás presidiada por um brasileiro, ficaria por baixo.

"America first" já era, e "Brasil acima de tudo" nem mesmo começou a valer.

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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