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O mundo olha para Merkel durante a crise do coronavírus

25 de abril de 2020

Há anos se dão por contados os dias da líder alemã na política, mas a pandemia vem lhe proporcionando uma onda de admiração, sobretudo internacional, com elogios a sua habilidade de comunicação e de "desarmar histeria".

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Em ruínas de Binnish, na Síria, pintor homenageou Merkel em março
Em ruínas de Binnish, na Síria, pintor homenageou Merkel em marçoFoto: picture-alliance/dpa/A. Alkharboutli

Costuma-se designar com o termo "pato manco" os políticos que não vão concorrer a um novo mandato: eles são considerados enfraquecidos, sua meia-vida política é calculável. E já há anos, observadores vêm colocando a chanceler federal alemã, Angela Merkel, nessa categoria.

Repetidamente – após o mau desempenho de sua União Democrata Cristã (CDU) nas eleições legislativas de 2017; quando ela entregou o cargo de chefe partidária em 2018; ou diante das diversas investidas de seu ex-concorrente Friedrich Merz pela liderança política em 2018 e 2020 – os críticos têm dado por contados os dias políticos de Merkel. E, já dois anos atrás, numa conversa confidencial, até "merkelianos" do Parlamento contavam que ela se retiraria de cena em meados de 2019.

Nada disso: ela continua governando. Como um fusca: confiável, sem firulas, um tanto duro nas curvas.

No momento, a política democrata-cristã celebra um triunfo de popularidade como há anos não se via – em âmbito nacional e, mais ainda, internacional. "A mídia aqui em Israel a vê como uma das mais fortes personalidades de liderança em todo o mundo", comenta Amichai Stein, correspondente da TV Kan, de direito público.

Israel dedica muita atenção à Alemanha, revela o jornalista à DW. E diante da crise do coronavírus, Merkel é vista como uma figura de líder "que consegue tornar a situação compreensível e explicá-la claramente aos cidadãos".

Tal publicidade jornalística israelense coincide com os comentários da imprensa mundial, avaliações políticas e vozes nas redes sociais. Para muitos jornalistas da DW, que bem conhecem os elogios e as críticas à Alemanha, chama a atenção por estes dias o respeito que recebe Merkel.

Já em março, o New Zealand Herald estampava a manchete: "Liderança da Alemanha brilha na crise, mesmo perdendo poder". Para o jornal neozelandês, a Alemanha e sua chefe de governo contavam entre os "vencedores", constituindo um "exemplo" com sua estratégia na luta contra a pandemia.

Da África, dois comentários nas redes sociais: Philbert Jonathan Kyenshambi, da Tanzânia, tuitou que Merkel "reconheceu os sinais dos tempos na luta contra o corona". E Alistide Elias Byamungu escreveu: "Congratulations, Chancellor Angela Merkel!".

Um comentário recente no Clarín, o jornal mais lido da Argentina, revela-se um verdadeiro hino de louvor, que também diz muito sobre os políticos da América Latina. Referindo-se à "física formada de 65 anos, filha de um pastor luterano e uma professora de latim" e crescida na Alemanha Oriental, o comentarista Ricardo Roa admira-se que, mesmo depois de 15 anos à frente de uma potência, ela se comporte "como uma pessoa normal".

Em meio à crise da covid-19, Merkel conta entre "os muito poucos" políticos de todo o mundo que "não se salvam, mas sim lideram", prossegue. "Ela se comunica com rigor científico. Ela transmite calma. Ela desarma a histeria."

Roa cunha o termo "Merkelina", que seria o "outro medicamento", ao lado de medidas concretas, como coordenação e interconexão de todos os passos políticos, uma "modéstia e determinação" da liderança política, "em que se tenta resolver os problemas em vez de tirar proveito político dos problemas". Para o jornalista argentino, Merkel é "uma verdadeira personalidade de liderança".

Elogios escondem críticas a Trump e companhia

Na Alemanha, há quem até leve a mal esse tipo de elogio, após 15 anos de Merkel, pois ele ressalta menos a luta política do que a liderança na crise. E tais elogios também revelam como esse tipo de liderança tornou-se um artigo raro no palco internacional.

Isso vale tanto para os Estados Unidos como para o Reino Unido. Quem lê as edições atuais de The Atlantic, Forbes ou The New York Times esbarra em louvores a Merkel nos quais está embutida a crítica a Donald Trump. "Há semanas a chefe de governo alemã emprega sua racionalidade característica, aliada a uma sentimentalidade atípica", afirma um longo artigo da The Atlantic.

Embora as matérias do Reino Unido não sejam assim tão carinhosas, uma colega relata como, em praticamente toda coletiva de imprensa do governo em Londres, os jornalistas perguntam por que os políticos britânicos não seguem o exemplo da Alemanha.

No entanto, a rigor, a Alemanha já está praticamente vivendo uma era pós-Merkel. Quase ninguém se lembrou quando, antes da Páscoa, completaram-se 20 anos desde que ela assumiu a liderança da CDU. Foi graças à pandemia de covid-19 que Merkel alcançou o nível de satisfação popular mais alto desde 2017, na pesquisa Deutschlandtrend da TV ARD – combinando com a forte presença televisiva da política conservadora como gestora de crise.

Agradando a gregos e troianos

A que se deve esse respeito quase universal? O deputado federal alemão Andreas Nick, também vice-presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu em Estrasburgo, a que pertencem quase 50 países, comenta: "Ao contrário de muitos de nós [na Alemanha], após 15 anos, os observadores internacionais e colegas de outros parlamentos registram com muito mais agudez a particularidade do estilo de decisão e liderança de Angela Merkel."

Um fator nessa apreciação positiva é o contraste com as vivências nacionais de cada observador, e "a abordagem de Merkel é tão pragmática quanto objetiva, porém sempre verificando analiticamente e refletindo cuidadosamente, com sobriedade protestante e com uma refrescante falta de vaidade".

"Teremos que conviver com esse vírus por um longo tempo"

Afinal, completa o deputado conservador, ela é uma cientista formada, com experiência de vida no "colapso de um sistema ideológico seguro demais de si" – o regime comunista da Alemanha Oriental –, e, não menos importante: é uma mulher. Claro: Nick é democrata cristão, um partidário do curso político de Merkel, o que mais ele poderia dizer?

Entretanto também do outro lado do espectro político manifesta-se respeito pelo curso da chanceler federal. O governador da Turíngia, Bodo Ramelow, foi possivelmente o político do partido A Esquerda que mais tem tido contato com Merkel durante a crise do coronavírus, em repetidas videoconferências.

Da mesma forma que todos os governos estaduais, o governo federal alemão está atuando "como gestor de crise e comunicador", reconhece Ramelow. Ele considera a forma de agir da chanceler federal "beneficamente tranquila e objetiva, o que se mostra especialmente nas bem-estruturadas conferências por vídeo e telefone". E isso traz um certo relaxamento a conversas, na verdade, muito complexas.

Embora Merkel não tenha poupado críticas ao procedimento dos governos estaduais, Ramelow leva a sério as observações dela, "porque nestes tempos a questão é realmente agir em conjunto". Num mundo que "ficou totalmente louco" devido à pandemia, onde a política deve cuidar para conter o perigo e dar soluções concretas de ajuda, o esquerdista diz realmente preferir ter, "como primeira mulher no Estado, uma cientista tranquila, do que homens metidos a importantes que, sendo populistas, ignoram perigosamente os fatos".

A era pós-Merkel

Em todas as semanas da crise, Merkel nunca apareceu de máscara sanitária, pelo menos não em público, e talvez nunca tenha sido tanto política e cientista como agora. As referências a verificações, provas e suposições, esse olhar analítico sempre voltado adiante, são o tipo de coisa que, em outras circunstâncias, também irritam e dão sono aos alemães.

Num mundo sem coronavírus, neste sábado (25/04) seria eleito o futuro substituto – desta vez, um homem – de Annegret Kramp-Karrenbauer, a sucessora de Merkel na presidência da CDU. E mais uma vez os comentaristas teriam disputado pela contagem regressiva dos dias da chanceler federal.

A cientista Merkel explica a disseminação do coronavírus

Nada disso vale mais. A nova liderança democrata-cristã deverá agora ser votada em dezembro. E como chefe de governo, em 1º de julho Merkel assume seu próximo e, nas circunstâncias atuais, mais difícil cargo, pois a Alemanha passa a ocupar a presidência rotativa do Conselho Europeu.

Um ano atrás, não eram poucos os políticos conservadores cristãos especulando se, antes dessa tarefa no nível da União Europeia, Merkel não seria substituída – ou até derrubada – ou se teria resistência para permanecer no cargo. Agora é bem provável que sua permanência na chefia de governo seja bem-vinda para a maioria.

Apesar de toda a euforia atual, muitos já têm na mira o que será depois de Merkel. O mais recente artigo do Sunday Times sobre o coronavírus na Alemanha, a rigor, não era mais uma história sobre a premiê. A foto a mostra ao lado do governador da Baviera, Markus Söder, com os dizeres: "Kaiser [imperador] do corona dispara na corrida pela sucessão de Angela Merkel."

E também Amichai Stein, de Tel Aviv, vislumbra a era pós-Merkel, ao ressalvar que, além da capacidade de "explicar a situação de forma clara e compreensível", "o outro motivo para essa atenção internacional é que ainda não se sabe quem vai substituí-la". E essa é uma questão que ainda vai ficar em aberto por um bom tempo.

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Christoph Strack Repórter, escritor e correspondente sênior para assuntos religiosos@Strack_C