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'Nazismo foi provavelmente inevitável'

Jefferson Chase (av)20 de dezembro de 2007

"The iron kingdom" (O reino de ferro) é uma obra de mais de 760 páginas sobre um Estado que não mais existe. Porém a tradução alemã foi best-seller em 2007. O autor Christopher Clark analisa o atual fascínio da Prússia.

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Christopher ClarkFoto: Clark

DW-WORLD.DE: O senhor está surpreso por um livro acadêmico sobre a Prússia haver galgado as listas de best-sellers?

Christopher Clark: Certamente não esperei este nível de sucesso. Acho que é uma questão de timing. A queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha lançaram um processo de re-imaginar o passado alemão em geral e a Prússia em particular. Uma boa parte do antigo Estado prussiano se encontrava na ex-Alemanha Oriental comunista.Tudo isto se tornou visível e parte da mais abrangente entidade nacional alemã. Este fato e a abertura dos arquivos da Alemanha Oriental motivaram uma nova reflexão.

Vamos tentar resumir a sua tese: a Prússia era um Estado relativamente esclarecido e progressista, que inadvertidamente se autodestruiu ao recrutar as forças do nacionalismo alemão. É mais ou menos assim?

É exatamente isto. O nacionalismo foi o ocaso da Prússia. Na literatura mais antiga, ele era visto como a culminância da história prussiana. A tarefa histórica da Prússia fora criar a nação germânica. Do mesmo modo como, hoje em dia, tendemos a ver na ascensão do Terceiro Reich em 1933 o final de uma era, e a explicar como a Alemanha chegou a este ponto, as gerações anteriores tentavam explicar como a história alemã chegara, em 1871, à criação do Império Alemão. E a resposta é que a Prússia era o poder direcionador, formador, e por vezes manipulativo, que acarretaria a existência da nação germânica. A emergência desta nação é o que dá significado a toda a história da Prússia.

Na minha opinião, isso está totalmente equivocado. Por toda a sua história, a Prússia foi o Estado mais antinacional possível. Em parte por conter tantos não-alemães, mas também porque a idéia de sua existência era a de um Estado soberano, monárquico, entremeada com a idéia da soberania da lei.

Tais idéias nada tinham a ver com a ascensão do movimento nacionalista. De início, a Prússia respondeu com grande hostilidade ao nacionalismo alemão, pois os governantes Hohenzollern reconheceram que ele agiria como um ácido, corroendo tudo aquilo sobre o que se baseava seu Estado.

Foi somente durante os anos instáveis de 1850, 60 e 70 que homens de Estado prussianos, especialmente o primeiro-ministro da Prússia e chanceler alemão Otto von Bismarck, pensaram que poderiam domar o nacionalismo. Porém falharam nesse intento.

O senhor menciona Bismarck. Ele representa um papel menor em seu livro do que na maioria das obras sobre a história prussiana. Por quê?

De certa maneira, acho que Bismarck voltou as costas para a Prússia. O rei Frederico Guilherme 4º disse em 1848: "A Prússia será de agora em diante anexada à Alemanha". E penso que ele tinha razão em que o processo de consolidação nacional – visto por Bismarck como uma continuação da política prussiana de segurança – não "prussianizaria" a Alemanha, mas sim germanizaria a Prússia. E que tudo o que esta representava se perderia. Assim, de um certo modo, vejo em Bismarck o primeiro executor de uma espécie de liquidação da Prússia e de sua tradição.

Mas o nacionalismo não era algo de inevitável, a ocorrer mais cedo ou mais tarde? Ou pode-se imaginar um cenário em que a Prússia ainda existiria hoje?

Wilhelm II mit der Heeresleitung, 1916, Kalenderblatt
Guilherme 2º (c) em 1916: sua arrogância levou à derrota na Primeira Guerra MundialFoto: picture-alliance/akg

Esta é uma pergunta realmente boa e difícil de responder. Embora os historiadores em geral se encolham de horror diante da idéia, creio que o nacionalismo foi provavelmente inevitável. Se considerarmos outros Estados multinacionais que existiram no século 19 – a Rússia, por exemplo, ou o Império Austro-Húngaro – ambos desapareceram no decorrer da Primeira Guerra Mundial, sendo substituídos por algo radicalmente diverso. Parece-me que essas comunidades pré-nacionais, multiétnicas – uma característica tão presente na Europa do primeiro período moderno – estavam provavelmente fadadas a sucumbir.

Diversos historiadores traçam conexões entre a Prússia e o nazismo. Embora ninguém possa afirmar que ela foi o berço da ideologia, alguns vêem ligações entre o militarismo prussiano e a subserviência e o Terceiro Reich. Porém o senhor a retrata mais como uma fonte de oposição.

Seria muito fácil testar essa hipótese, caso fosse verdade que a Prússia criou um clima anestesiador para a vontade dos cidadãos comuns, transformando-os em instrumentos de um poder estatal, e assim traçando uma trilha para a ditadura. Seria então apenas necessário mostrar que os alemães de proveniência prussiana resultavam em nazistas "melhores" e mais obedientes do que as pessoas da Áustria ou de Baden-Württemberg, e assim por diante.

Mas não é o caso, não há simplesmente qualquer evidência. Os austríacos, por exemplo, estavam amplamente representados na maquinaria do genocídio nazista. Claro, a Prússia esteve implicada nos eventos que levaram Hitler ao poder. As velhas elites locais representaram um papel-chave em sua nomeação como chanceler alemão, em 1933.

Não porque quisessem o Terceiro Reich, mas sim por acreditar que podiam usar o ditador num golpe conservador contra a República de Weimar. É claro que estavam desastrosamente errados. A arrogância corporativa da nobreza prussiana ajuda a entender por que gente perfeitamente inteligente fracassou em reconhecer o perigo apresentado por Hitler.

Christopher Clark é docente de História Européia Moderna no St. Catharina's College, Universidade de Cambridge.