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O que está por trás do aumento de estupros na Baviera

20 de setembro de 2017

Autoridades do estado alemão divulgam salto expressivo no número de denúncias, envolvendo sobretudo imigrantes. Especialistas questionam estatísticas, e governo regional corrige declarações.

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Mulher com mãos diante do rosto
Número de delitos sexual quase dobrou na Baviera, segundo estatísticas divulgadas pelo governo do estadoFoto: picture-alliance/PIXSELL/Puklavec

Uma semana depois de ter anunciado um aumento drástico das denúncias de estupro no estado da Baviera no primeiro semestre de 2017, que teriam sido cometidos sobretudo por imigrantes, o secretário estadual do Interior e candidato da União Social Cristã (CSU) às eleições parlamentares alemãs, Joachim Herrmann, corrigiu as próprias declarações nesta quarta-feira (20/09).

Ele ressaltou que o total de denúncias de delitos sexuais – que aumentou 48% em comparação com o ano passado, para 685 casos – inclui não apenas estupros, mas também casos de agressão sexual, ou seja, qualquer tipo de violência de natureza sexual. Na semana passada, ele havia falado apenas em estupros.

As estatísticas provisórias para o ano de 2017 divulgadas por Herrmann dão conta de que as denúncias de crimes sexuais perpetrados por imigrantes cresceram 91%, de 66 na primeira metade de 2016 para 126 na primeira metade de 2017. E, apesar de representarem apenas cerca de 2% da população total do estado, os imigrantes seriam suspeitos de terem cometido 18% dos delitos sexuais.

Leia também: 

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A alta de 48% no total de casos, afirmou Herrmann em entrevista coletiva nesta quarta-feira, pode ser explicada pela entrada em vigor no final do ano passado da nova lei alemã para punir crimes sexuais – o que "forçosamente" causa aumentos nos registros dos delitos. Outro fator que influencia os números seria uma maior sensibilidade da opinião pública em relação a esse tipo de crime, detalhou o secretário estadual do Interior.

A divulgação dos números relativos a delitos sexuais no estado da Baviera causou polêmica na Alemanha porque se questionou a motivação política por trás deles – a questão dos imigrantes autores de crimes sexuais rapidamente se tornou um tema de campanha.

Suspeito não é criminoso

Logo após a primeira entrevista coletiva, na semana passada, especialistas já não estavam dando muito crédito aos números divulgados por Herrmann. "As cifras são espantosas", disse Ralf Kölbel, especialista em direito penal da Universidade Ludwig-Maximilian em Munique. Segundo ele, não é plausível que os números reflitam um aumento real dos casos.

Os números do secretário do Interior da Baviera são números provisórios da Estatística Criminal Policial (PKS) do estado. Apenas os crimes investigados pela polícia – ou seja, os casos em que há suspeitos – são considerados nesse tipo de estatística.

Porém, um suspeito não é automaticamente um criminoso. Quando se trata de retratar a realidade sobre a criminalidade, "a estatística de suspeitos de crimes não é muito confiável", afirma o criminologista Christian Pfeiffer, do Instituto de Pesquisas Criminais da Baixa Saxônia.

Proximidade com o criminoso inibe denúncias

Joachim Herrmann, secretário estadual do Interior da Baviera e candidato da CSU nas eleições parlamentares alemãs
Joachim Herrmann encabeça a chapa do partido CSU na corrida eleitoral alemã: pressa em divulgar números?Foto: picture alliance/dpa/M. Balk

A disposição para denunciar um crime sexual é muito reduzida entre as vítimas. Um estudo do ministério alemão da Família de 2012 constatou que apenas 8% das vítimas de violência sexual recorriam à polícia. O número real dos crimes oriundos da esfera privada ou ocorridos no local de trabalho é particularmente difícil de ser definido, dizem especialistas. Mas quando vítima e criminoso sexual não se conhecem, a chance de uma denúncia acontecer é maior.

Segundo o criminologista Pfeiffer, o distanciamento causado pelo aspecto 'estrangeiro' de um criminoso (cor da pele diferente, sotaque no momento de falar a língua local) aumenta ainda mais a probabilidade de uma denúncia. "Estrangeiros sempre correm um risco maior de serem acusados de algum tipo de violência que os nativos", explica Pfeiffer.

Seu instituto realizou uma pesquisa divulgada este ano sobre a disposição de denunciar um criminoso junto a 20 mil jovens alemães. Os crimes sexuais, principalmente, apresentaram uma diferença notável no número de registros: apenas 18% das vítimas formalizariam a denúncia quando o criminoso aparentava ser um local. Quando o perpetrador tinha aparência estrangeira, a probabilidade de denunciá-lo aumentava para 44%. Um resultado que causa distorções.

"Não é não": quais os efeitos da nova lei alemã de crimes sexuais?

Assim como afirmou Herrmann, Kölbel também aponta o aumento drástico das denúncias de crimes sexuais na Baviera como um possível indício de uma maior disposição de acusar os autores desses delitos.

O que, na verdade, é uma boa notícia. Após as agressões sexuais ocorridas na noite de Ano Novo de 2015/2016 em Colônia, a legislação para punir delitos sexuais se tornou tema prioritário na agenda pública alemã. "As discussões no âmbito da máxima 'não é não' [agora definida na nova lei sobre delitos sexuais, que entrou em vigor em 2016] podem ter contribuído para aumentar a disposição de denunciar", avalia Kölbel.

Essa tendência também vale para vítimas de crimes ocorridos há mais tempo, segundo o especialista em direito penal, já que a polícia apenas divulga investigações encerradas em suas estatísticas – e isso não precisa estar diretamente ligado ao momento em que o crime ocorreu.

Além disso, mudanças nos critérios também podem influenciar as estatísticas. Após as ocorrências em Colônia, a Alemanha tornou a lei do estupro mais rígida, estabelecendo regras e definições mais específicas para o crime sexual.

Armadilhas clássicas da estatística

Com uma definição mais exata do que é crime sexual – que na Alemanha agora não ocorre apenas quando há emprego de violência, mas quando o agressor age contra a vontade da vítima – mais delitos acabam sendo categorizados como crimes – e por isso, mais denúncias são registradas. Por isso, era de se esperar que o número de denúncias aumentasse, diz Pfeiffer.

E, com a mudança de comportamento relativo às denúncias, tem-se a impressão de que o número de delitos realmente tenha se modificado, diz o estatístico Walter Krämer, da Universidade Técnica de Dortmund. "São as armadilhas típicas das estatísticas criminais."

Muitas vezes, também há números que não podem ser relacionados entre si, explica Krämer. As estatísticas de criminalidade diferenciam nativos e estrangeiros, mas existem diferenças na estrutura etária e de gênero, avalia Pfeiffer. Entre os estrangeiros, há mais homens jovens, enquanto a população local alemã é mais velha. Por isso, segundo o especialista, não é possível comparar os dois grupos – aspecto confirmado pelo relatório de 2016 do Departamento Federal de Investigações (Bundeskriminalamt), intitulado "Criminalidade no contexto da imigração".

O poder dos números

Pfeiffer lembra que "normalmente, não se divulga estatísticas referentes à metade de um ano, porque são menos confiáveis. [No caso de Herrmann], dá a impressão de que foi usada uma estatística de meados do ano que é conveniente neste momento, uma vez que estamos na corrida eleitoral durante a qual foi preciso se projetar com uma determinada tese", suspeita o estudioso.

Uma análise superficial das estatísticas leva a conclusões erradas. Logo em seguida à primeira divulgação dos números, Herrmann se apressou em dizer: "Nosso objetivo é combater os crimes sexuais de forma ainda mais específica, também nos abrigos para requerentes de asilo." Para o político, isso incluiria também "a limitação eficaz da imigração e a deportação de requerentes de asilo rejeitados".

No entanto, o secretário estadual do Interior da Baviera não conseguiu de fato explicar o aumento do número de estupros logo após a entrevista coletiva, prometendo uma análise mais detalhada, que estaria sendo preparada por especialistas da polícia local.

Krämer, da Universidade Técnica de Dortmund, diz não estar surpreso: "Estamos diante do famoso fenômeno de que correlação não tem nada a ver com causalidade." Mesmo assim, diz ele, os números foram imediatamente usados para fazer política.