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O que há de novo em superpedido de impeachment

30 de junho de 2021

Partidos e movimentos que têm organizado atos de rua contra o governo denunciam Bolsonaro por 23 crimes de responsabilidade, incluindo prevaricação no escândalo Covaxin.

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Cartaz pede "Fora Bolsovírus" em frente a boneco inflável de Bolsonaro com mãos sujas de sangue
Este é o 123º pedido de impeachment protocolado contra Bolsonaro, que segue protegido no CongressoFoto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Diversos partidos e movimentos da sociedade civil protocolam nesta quarta-feira (30/06) um novo pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro, o primeiro a acusar o presidente de prevaricação no escândalo da vacina indiana Covaxin e o primeiro assinado por movimentos sociais após a realização de atos contra o governo em centenas de cidades brasileiras em 29 de maio e 19 de junho.

A denúncia foi apelidada de "superpedido" de impeachment pela sua abrangência. Além de reunir muitos signatários, ela acusa o presidente de 23 crimes de responsabilidade. O texto foi redigido por uma comissão de juristas que também analisou e consolidou argumentos de denúncias anteriores contra Bolsonaro.

A articulação não inclui grandes partidos de centro e de centro-direita, como o PSDB, o PMDB e o PSD, e os próprios organizadores reconhecem não ter neste momento os votos necessários na Câmara para retirar o presidente. A estratégia dos signatários é seguir organizando atos de rua para pressionar outros setores da sociedade e parlamentares a aderirem à causa e torcer para que a CPI da Pandemia amplie o desgaste do governo.

O pedido de impeachment desta quarta é o 123º contra Bolsonaro, o presidente que foi alvo de mais denúncias do tipo. Michel Temer sofreu 31 pedidos de impeachment, Dilma Roussef, 68, Luiz Inácio Lula da Silva, 37, e Fernando Henrique Cardoso, 24, segundo levantamento feito pela Agência Pública.

Quem assina o pedido?

A denúncia que protocolada nesta quarta é subscrita por sete partidos com representação no Congresso – PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB, Rede e Cidadania – e outros quatro sem deputados ou senadores eleitos – PCO, UP, PSTU e PCB. Todos são de esquerda, centro-esquerda ou centro.

Também assinam o pedido a Central de Movimentos Populares (CMP), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MSTS) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras frentes e organizações, como a Coalizão Negra por Direitos e a Marcha Mundial de Mulheres.

A denúncia conta ainda com o apoio de ex-bolsonaristas que romperam com o presidente, os deputados federais Alexandre Frota (PSDB-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP).

Que crimes estão listados?

A comissão de juristas designada para elaborar o pedido, que conta com o advogado Mauro Menezes, presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República de 2016 a 2018, fez uma análise dos pedidos de impeachment já protocolados contra Bolsonaro e consolidou 23 possíveis crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente por meio de diversas condutas.

A acusação mais recente é a de crime de prevaricação no caso Covaxin. Como esse tipo penal não está na lei do impeachment de 1950, ele foi correlacionado ao crime de não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados.

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, afirmaram à CPI da Pandemia terem avisado Bolsonaro em 20 de março de "indícios de corrupção" na compra da Covaxin. O deputado Miranda disse que Bolsonaro afirmou acreditar que o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, estaria por trás do "rolo" da Covaxin e que acionaria a Polícia Federal (PF). Não há registro de abertura de inquérito pela polícia sobre esse tema, e Barros seguiu no cargo de líder do governo e se reunindo com frequência com o presidente.

Depois do depoimento dos irmãos Miranda à CPI, o governo Bolsonaro ordenou que a PF investigasse Luis Ricardo Miranda. Essa conduta, interpretada pelos autores do pedido como denunciação caluniosa, também está no pedido protocolado nesta quarta, sob a forma do crime de usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente.

Também estão no rol de crimes apontados no superpedido atentar contra o livre exercício dos Poderes, ao fazer ameaças ao Supremo e ao Congresso; incitar militares à desobediência, ao participar de manifestações favoráveis a uma intervenção militar; e violar direitos assegurados na Constituição, devido aos impactos na saúde pública de sua condução do enfrentamento da pandemia.

O texto ainda acusa o presidente pelos crimes de fazer apologia à tortura, de proceder de modo incompatível com o cargo e de usar autoridades sob sua subordinação para praticar abuso de poder.

O que há de novidade?

No aspecto jurídico, o pedido desta quarta inova ao aglutinar e sistematizar os pedidos anteriores e ao incluir as acusações de prevaricação e de denunciação caluniosa relacionadas ao escândalo Covaxin.

Acusações de corrupção costumam ser um dos elementos essenciais em processos de impeachment na América Latina, segundo pesquisa do cientista político argentino Aníbal Pérez-Liñán, um dos maiores especialistas em processos do tipo no continente.

As suspeitas de tráfico de influência e corrupção foram centrais da denúncia contra Collor. No caso de Dilma, o pedido de impeachment não a acusava de corrupção, mas o processo correu paralelamente à Operação Lava Jato e a revelações de corrupção envolvendo a Petrobras.

No nível político, como é assinado por movimentos que organizam atos contra o governo, a denúncia se apresenta como uma manifestação da vontade das pessoas que têm ido às ruas a favor do impeachment.

"É um pedido que vem do calor das mobilizações, da pressão popular, diferente de outros pedidos, que só foram formalmente protocolados", diz à DW Brasil Raimundo Bonfim, coordenador-geral da CMP e membro da coordenação nacional da campanha Fora Bolsonaro.

Quem não está no pedido?

Partidos de centro e centro-direita relevantes e que formalmente não integram o governo Bolsonaro não assinam o pedido de impeachment, como o PSDB, o PMDB e o PSD.

Entre os tucanos, o tom é de cautela em relação ao tema. Em entrevista à CNN Brasil em 21 de junho, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que ainda não via clima para impeachment, mas que Bolsonaro estava se arriscando.

"Não desejo que se vá por esse caminho [do impeachment], mas ele está arriscando ir por esse caminho. Leio vários jornais por dia, vejo que existe um sentimento na mídia bastante forte de que chegou a hora, está passando do limite. Isso ainda não se transformou numa vontade popular. Não há manifestações claras nesse sentido. Houve agora, na rua, mas não foram tão fortes assim. Quando isso virar um movimento realmente forte, político, bom, aí há risco de impeachment", disse o ex-presidente.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), membro da CPI da Pandemia, disse que apoiaria o movimento por impeachment se for comprovado que Bolsonaro prevaricou no caso Covaxin, segundo o jornal O Estado de S.Paulo.

Qual é a chance de ele prosperar?

O presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL), um dos representantes mais poderosos do Centrão, grupo de partidos que apoia o presidente em troca de espaço no governo e verbas para suas bases eleitorais, tem dito frequentemente que descarta autorizar a abertura de impeachment contra Bolsonaro. É prerrogativa dele aceitar a denúncia e instalar uma comissão para dar prosseguimento ao processo.

Uma contagem realizada pelo movimento Vem Pra Rua, que apoiou o impeachment de Dilma e hoje defende o impeachment de Bolsonaro, contabilizava nesta terça 105 deputados abertamente a favor da causa – 237 a menos do que os 342 necessários.

Bonfim, da CMP, reconhece que hoje "não há votos suficientes" para aprovar um impeachment e que os partidos que não assinam o pedido "têm acordo com a política econômica de Bolsonaro", mas diz que a ampliação dos atos de rua poderia pressionar outros setores da sociedade e mais deputados. "Esse bloco que apoiou a candidatura do Rodrigo Maia [à presidência da Câmara em 2021] poderia ter um papel mais importante", afirma.

Ele também aponta a ausência de apoio da elite econômica como um entrave ao processo. "Para aprovar o impeachment, é preciso que uma parte do 'andar de cima', federações industriais, associações que representam o empresariado, abandone Bolsonaro. Isso até agora não está acontecendo", diz.

A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann, que participou da articulação política para o superpedido, também avalia que a identidade com a agenda econômica do governo Bolsonaro é um aspecto que afasta partidos como o MDB, o PSDB e o PSD de pedidos de impeachment, enquanto o Centrão segue fechado com Lira.

"Vamos continuar tentando obter o apoio deles. Bolsonaro caminha para um desgaste maior, há mais manifestações que tendem a ser grandes, e isso vai ajudar na pressão sobre o Centrão e o próprio Lira", diz Hoffmann. Ela considera difícil, porém, obter o apoio dos grandes empresários ao impeachment neste momento.

"Eles tomam posição se os negócios estiverem indo mal, e os grandes empresários não estão passando por dificuldades. Quem está passando são os menores, os mais pobres. À medida que for havendo problema para esses setores, ele podem aderir, mas demora mais", afirma.