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Onde Bolsonaro depende do Congresso

Fernando Caulyt
1 de fevereiro de 2019

Presidente terá que contar com parlamentares para cumprir parte de promessas eleitorais como reformar a Previdência e reduzir a maioridade penal. Com alta renovação, dinâmica na Câmara e no Senado mudou.

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Brasilien | Jair Bolsonaro
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/Argencia Globo/J. William

O presidente Jair Bolsonaro terá que contar com o apoio do Congresso para tirar do papel suas principais promessas de campanha, como reformar a Previdência, reduzir a maioridade penal, reformular o Estatuto do Desarmamento e privatizar estatais.

O Congresso retoma suas atividades nesta sexta-feira (01/02) com a eleição dos presidentes das duas Casas e com uma taxa de renovação histórica de 87% no Senado e de 52% na Câmara. Das 54 vagas colocadas em disputa em 2018, 46 serão ocupadas por novos senadores. Já na Câmara, serão 243 deputados em seu primeiro mandato.

"Alguns partidos e parlamentares estão alinhados de forma pragmática com Bolsonaro. Mas, como ele disse que não haverá troca de apoio por cargos e emendas, uma possibilidade será a troca de pautas difíceis por pautas de interesse de bancadas específicas", comenta Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.

Reformar a Previdência

A reforma da Previdência é uma das prioridades do presidente Jair Bolsonaro. O governo poderia tentar aprovar alguns pontos por meio de projeto de lei ou medida provisória tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado por maioria simples, ou seja, com o voto favorável de 257 deputados federais (de 513) e 41 senadores (de 81).

Porém, para realizar uma reformulação mais profunda no setor – como fixar idade mínima para aposentadoria no setor privado e alterar regras para servidores públicos –, é preciso aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Para isso, é necessário o apoio de três quintos de cada Casa: ao menos 308 deputados em dois turnos na Câmara e 49 senadores em dois turnos no Senado.

"É uma das votações mais difíceis. Mas, do ponto de vista da sociedade, parece que há um grau de consenso maior quanto à necessidade de alguma reforma, e isso facilita", afirma Mohallem. "A percepção de uma reforma desigual e que preserva privilégios de certas categorias costuma ser um princípio de fracasso. Aumenta a chance de sucesso se transmitir a ideia de que o sacrifício será de todos."

Reduzir a maioridade penal

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou em entrevista que, se eleito, poderia apresentar uma proposta de redução da maioridade penal de 18 para 17 anos – e não para 16, como previa seu programa de governo. De acordo com Bolsonaro, a proposta de redução para 17 anos poderia ser mais facilmente aprovada pelo Congresso.

Para realizar mudanças neste tema, por ser uma PEC, o governo precisa contar com o apoio de três quintos dos parlamentares – ao menos 308 deputados e 49 senadores –, sendo duas votações em cada Casa. Em 2015, a Câmara aprovou em segundo turno a redução da maioridade penal para 16 anos para crimes hediondos como estupro, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, porém, a proposta está parada no Senado.

"Esse não deverá ser um dos temas mais controversos, principalmente se for escolhido um modelo em que a maioridade penal seja reduzida para crimes mais graves – o que torna muito mais fácil sua aprovação", conta Mohallem. "Se é uma medida que tem amplo apoio popular, os parlamentares ficam então mais seguros de seguir nessa direção."

Criar um imposto único

Em seu discurso de posse como ministro da Economia, Paulo Guedes defendeu a criação de um imposto único. Entre as alternativas estudadas estaria a instituição do Imposto de Valor Agregado (IVA), que englobaria diversos tributos federais para evitar a tributação em cascata.

Por ser uma PEC, o texto da reforma tributária precisa ser primeiramente votada em uma comissão especial. Em seguida, ele deve seguir ao plenário e ter o apoio de três quintos dos parlamentares, ou seja, ao menos 308 deputados e 49 senadores, sendo duas votações em cada Casa.

"É um debate que exige experiência dos parlamentares. É um arranjo delicadíssimo, pois envolve três níveis da federação", frisa Mohallem. "É uma incógnita se essa agenda vai perseverar: ela é festejada pelo setor econômico, mas tem pouco apelo e compreensão do ponto de vista popular."

Privatizar estatais

O secretário de Desestatização e Desinvestimentos, Salim Mattar, afirmou recentemente que o governo federal pretende privatizar ou extinguir todas as 138 empresas estatais, com exceção somente de Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. É prevista uma arrecadação total de até 800 bilhões de dólares com as privatizações.

Porém, os planos de vender algumas empresas esbarram numa determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o Congresso deve autorizar a privatização de mais de 50% das ações de cada estatal. A liminar, concedida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski no final de junho, ainda não tem data para ser apreciada em plenário.

Facilitar o porte de armas

O Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, limitou a posse e retirou milhares de armas em circulação no país. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu reformular o estatuto para facilitar a posse e o porte de armas. Como presidente, assinou um decreto em 15 de janeiro que flexibilizou a posse, ou seja, a possibilidade de o cidadão ter a arma na residência ou no estabelecimento comercial de que é proprietário.

Mas, para especialistas, mudanças mais substanciais como facilitar o porte de armas – a possibilidade de os cidadãos portarem armamentos fora de casa ou local de trabalho – dependem da aprovação do Congresso. "O decreto só serviu para preencher lacunas deixadas dentro dos limites estabelecidos pela lei. Outras alterações terão que passar pelo Congresso", explica Mohallem.

Saídas temporárias de presos 

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu extinguir as saídas temporárias e a progressão da pena de presos porque é necessário "prender e deixar preso". Porém, para acabar com esses benefícios, o presidente teria que alterar a Lei de Execuções Penais, o que depende apenas do Congresso.

Mesmo assim, o STF poderia julgar como inconstitucional possíveis mudanças feitas pelos parlamentares. O Supremo considerou inconstitucional, em 2006, uma lei que proibia a progressão de pena para autores de crimes hediondos. Já a chance de questionamento no STF seria menor em relação ao tema saídas temporárias.

"A proposta de extinguir a progressão da pena dificilmente vingaria, pois ela entra na esfera do STF. Decisões já proferidas afirmam que a progressão é um princípio constitucional. O governo pode até propor uma progressão mais lenta, mas ela deve existir", conta Mohallem. "Quanto à saída temporária, ela iria também enfrentar a interpretação do próprio STF."

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