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Opinião: 8 de Maio permanece como bênção e trauma

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Felix Steiner
8 de maio de 2015

Em 1945 a data foi percebida por muitos como derrota. Contudo, 70 anos depois, está claro que, com o fim da Segunda Guerra, a Alemanha voltava a encontrar seu caminho no presente, opina o jornalista Felix Steiner, da DW.

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Felix Steiner, da DW

Para os alemães, o 8 de maio de 1945 segue sendo a data mais difícil de sua história recente – difícil, por ser contraditória. E, no entanto, há 30 anos tudo estar parece que está claro e unívoco.

"O 8 de maio de 1945 foi o dia da libertação. Ele nos libertou, a todos, do sistema desumano da ditadura nacional-socialista", declarava o presidente Richard von Weizsäcker, já por ocasião do 40º jubileu do fim da Segunda Guerra Mundial. E, ao contrário das primeiras décadas depois de 1945, nove entre cada dez alemães partilham exatamente essa visão.

Mas se o 8 de Maio fosse exclusivamente um "dia da libertação", então ele seria um motivo para festejar, e nós, alemães, poderíamos celebrá-lo da mesma forma que muitos de nossos vizinhos da Europa: festivos, felizes, alegres.

Contudo justamente isso continua sendo inapropriado, mesmo 70 anos depois. Ou, como expressou Weizsäcker em seu histórico discurso de 1985: "Nós, alemães, celebramos esse dia isolados, e isso é necessário. Devemos encontrar sozinhos os critérios." No plural, pois não existe "o" critério.

Por um lado, há a culpa e a responsabilidade por todos os crimes cometidos em nome dos alemães até 8 de maio de 1945. Culpa e responsabilidade que também são um compromisso a longo prazo para as gerações sucessivas, de manter a lembrança viva e cuidar para que algo assim nunca mais se repita.

Há também o luto pelas vítimas e o sofrimento do próprio povo. Pelos que morreram quando se abateu sobre o próprio país, com violência total, a guerra que os alemães haviam alastrado por quase toda a Europa, por cinco anos e meio. Por aqueles que sucumbiram à chuva de bombas sobre as cidades, na fuga do leste alemão, durante a ocupação do país.

Há as mulheres e meninas, violentadas aos milhares à chegada das Forças Aliadas e em seus festejos de vitória – e não só pelos soldados Exército Vermelho, como se costuma pensar. Há os soldados alemães mortos nas prisões de guerra – seja nos campos às margens do Reno, seja nos da Sibéria. E os 12 milhões de pessoas expulsas de seus lares depois de 8 de maio de 1945.

Também é legítimo e necessário recordar todos esses fatos. Pois isso não implica nem uma comparação do número de vítimas, nem uma relativização da culpa.

Mas também há vergonha. Vergonha por a Alemanha não ter sido capaz de se livrar sozinha da peste do nacional-socialista. Vergonha por o Estado nazista ter funcionado, por toda parte, praticamente até o último minuto, embora a catástrofe final fosse iminente e previsível.

Muitos dos que cedo demais acenaram com a bandeira branca, ou removeram inúteis barricadas antitanques, pagaram a iniciativa com a vida. Assim como os desertores, executados por tribunais improvisados, mesmo tendo as tropas inimigas já à vista.

Destruição sem sentido por todo lado, exatamente como desejara Adolf Hitler: em 8 de maio de 1945 era rara a ponte que ainda estivesse intacta, em aldeias anônimas, incontáveis fazendas e oficinas de artesão ardiam em chamas, porque um sargento fanático acreditava estar inaugurando, assim, a virada para a "vitória final". Tudo isso nos é estranho, hoje. E no entanto é parte da nossa história.

Por último, há também a gratidão, por termos obtido uma segunda chance, apesar do nacional-socialismo. A chance de não virar uma colônia ocupada, mas sim podermos seguir o nosso caminho para o futuro, como nação independente, em liberdade e autodeterminação.

A França, o Reino Unido e, acima de tudo, os Estados Unidos possibilitaram esse passo bem cedo: em 8 de maio de 1949, exatamente quatro anos depois da capitulação incondicional da Wehrmacht, 65 homens e mulheres aprovaram a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, válida até hoje.

Foram poucos os alemães que em 8 de maio 1945 perceberam a data como um dia de libertação. Eram desesperadas e inseguras demais as circunstâncias na época: para muitos, o que estava em jogo era a sobrevivência pura e simples, num momento em que o terror do regime nazista era substituído pela arbitrariedade dos ocupadores.

Em retrospectiva, contudo, esse dia foi a guinada decisiva em direção ao presente. A liberdade, o respeito pelos direitos humanos e a liberalidade, de que somos tão orgulhosos na Alemanha de hoje, não seriam possíveis sem esse 8 de Maio.

O 8 de maio de 1945 foi, ao mesmo tempo, golpe de sorte e trauma. Para quem se pergunta por que os alemães são tão hesitantes em relação a missões militares internacionais; por que, em situações de crise, preferem agir e mediar a fornecer armas; e por que, na crise da Ucrânia, é sobretudo Berlim a apelar sempre para que se converse mais uma vez com Moscou: a resposta está nos acontecimentos do ano 1945.

A brutalidade da guerra no próprio país permanece um trauma nacional, que sobreviverá por muitos anos as últimas testemunhas da época.