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Opinião: A catástrofe diplomática de Vladimir Putin

Konstantin Eggert
28 de março de 2018

O Kremlin continuará seu vale-tudo contra o Ocidente, e um boicote diplomático não vai impedi-lo. Do ponto de vista de Moscou, uma retirada significaria derrota, opina o jornalista russo Konstantin Eggert.

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Russische Flagge hinter Stacheldraht
Bandeira russa na embaixada da Rússia em Kiev é vista por detrás de arame farpado Foto: Reuters/G. Garanich

"Não estou acreditando!", era o que Constantin Stanislavski, o pai do moderno teatro russo, dizia aos atores quando não estava satisfeito com o desempenho deles. Em 26 de março, o Reino Unido e suas duas dezenas de aliados em todo o mundo falaram como um Stanislavski coletivo.

"Vocês estão mentindo" é a mensagem por trás de uma expulsão sem precedentes de diplomatas russos por países da União Europeia, os Estados Unidos, Canadá e Austrália. A medida política passará agora a constar de todos os livros sobre a história das relações internacionais. Até mesmo Saddam Hussein ou a dinastia Kim da Coreia do Norte foram poupados de tal humilhação pública. Trata-se de uma grande vitória política e diplomática para a primeira-ministra britânica, Theresa May.

Dois elementos desse drama chamaram minha atenção. A minúscula Islândia certa vez desafiou a poderosa União Soviética ao ser a primeira a reconhecer a restauração da independência da Lituânia em 1990. Na segunda-feira, Reykjavik anunciou um boicote político e diplomático a Moscou, mesmo sem ser membro da UE nem ter qualquer relação especial com o Reino Unido – ao contrário, por exemplo, do Canadá, Austrália e EUA.

Em segundo lugar, o "melhor amigo" do Kremlin, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, decidiu expulsar um diplomata russo. O líder populista, crítico ferrenho da UE, conhecido por suas boas relações com o presidente russo, Vladimir Putin, mostrou onde residem suas verdadeiras prioridades.

Konstantin Eggert é comentarista e apresentador da emissora independente de TV russa Dozhd
Konstantin Eggert é comentarista e apresentador da emissora independente de TV russa Dozhd

E esse pode não ser o fim da estória. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, declarou que os países-membros da UE poderiam adotar outras medidas. Ou seja, aqueles que ainda não expulsaram o quadro diplomático russo, como a Eslováquia ou Portugal, ainda podem fazê-lo. Especialistas da Organização para a Proibição de Armas Químicas (PCW) analisam agora  a substância que foi utilizada para envenenar o ex-espião britânico Sergei Skripal

 e sua filha Yulia. Se concluírem que o agente químico é de origem russa, poderá haver mais expulsões. Tóquio também está esperando o momento certo. O Ministério japonês do Exterior diz que tem monitorado a situação de perto, mas evita responder se o principal aliado asiático de Washington apoiaria a posição britânica e americana.

Numa democracia normal, um desastre diplomático tão amplo e público teria levado à demissões no alto escalão do Ministério do Exterior e dos serviços especiais, assim como a um inquérito parlamentar imediato. Também teria minado consideravelmente a posição do Executivo.

Mas a Rússia não é uma democracia. Na segunda-feira o chanceler Sergei Lavrov foi desafiadoramente jogar futebol com veteranos do FC Spartak. A embaixada russa em Washington respondeu à expulsão de 60 agentes russos dos EUA com uma piada no Twitter: ela pediu a seus seguidores que escolhessem online qual dos três consulados dos EUA na Rússia Moscou deveria fechar em resposta ao fechamento à representação russa em Seattle.

Os deputados-fantoches do Kremlin na Duma e seus "especialistas"-fantoches nas redes de televisão estatais fizeram a festa, zombando dos europeus e fomentando teorias conspiratórias: o ataque químico em Salisbury é uma provocação britânico-americana, argumentam.

"A Rússia cresceu, e os americanos invejosos querem fazê-la encolher. Washington obrigou seus lacaios a aderirem ao boicote diplomático": essa versão dos acontecimentos tem sido enfiada goela abaixo dos telespectadores russos. Afinal, a grande Rússia só pode ter grandes inimigos, não uns mini-inimigos quaisquer, como Romênia ou Finlândia. Muitos acreditam nessas explicações delirantes.

Não tenho dúvidas de que o Kremlin responderá às expulsões: por na rua pessoal diplomático, fechar mais um consulado americano. O escritório da BBC em Moscou também pode ser fechado, caso o Ofcom, órgão regulador de radiodifusão do Reino Unido, suspenda a licença da RT, canal de propaganda do Kremlin.

Além disso, as opções políticas e diplomáticas padrão de Moscou são limitadas, enquanto o Reino Unido tem muitas mais: confiscar "propriedade suspeita" – em outras palavras, os ativos dos oligarcas russos no Reino Unido –; retirar a cidadania britânica deles e de seus familiares; incluir autoridades russas na versão britânica da "lista Magnitsky". Não se pode nem mesmo descartar um boicote em larga escala à Copa do Mundo pelo Reino Unido, caso a investigação revele novas provas significativas de envolvimento do Estado russo no atentado em Salisbury.

Antes desse incidente, Moscou mentiu muitas vezes: sobre o ex-oficial da KGB Alexander Litvinenko ter sido envenenado por Boris Berezovsky; sobre "agressão georgiana" contra a Ossétia do Sul; sobre "fascistas ucranianos" na Crimeia; sobre a ausência de tropas russas no Donbass; e sobre o falso controlador de tráfego aéreo que viu um falso caça ucraniano abater um avião de passageiros da Malásia. Agora, essa longa série de mentiras levou a um desastre diplomático.

Mas o Kremlin não vai ceder, pois percebe qualquer retirada como uma derrota. Tenho certeza de que Moscou já está considerando a chamada "resposta assimétrica" ao Ocidente. Para isso, existem hackers, propagandistas e, se necessário, as Forças Armadas russas. A Guerra Fria costumava lembrar uma luta de boxe: tinha regras. Nesse novo confronto com o Ocidente global, não haverá nenhuma. A Rússia de Putin opta pelas artes marciais mistas.

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