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Opinião: "Bom aluno" Portugal se rebela contra a austeridade

Johannes Beck
11 de novembro de 2015

Esquerda portuguesa supera divergências históricas, derruba o governo de centro-direita e envia um sinal contra a política europeia de austeridade, opina o chefe da redação Português para África, Johannes Beck.

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Na noite de 4 de outubro, dia das eleições legislativas em Portugal, os dirigentes do Partido Social Democrata (PSD) e do Partido Popular (CDS-PP) ainda sorriam, pois a sua coligação Portugal à Frente tinha conquistado o maior número de votos, com 38,5%. Isso não assegurava a maioria parlamentar, mas o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (PSD) considerava que seria o suficiente para governar.

Desde o verão de 1975, quando Portugal oscilou entre a economia de mercado do Ocidente e o comunismo do Leste, um fosso ideológico separava o Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista Português (PCP). Não parecia provável uma aliança dos dois para derrubar a coligação de centro-direita no governo em Portugal, mas a política de austeridade coordenada pela troica da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional nivelou o fosso que os separava.

A eleição evidenciou uma mudança nas coordenadas políticas em Portugal – em grande parte ignorada pela Europa, que concentrou suas atenções no Syriza grego e no Podemos espanhol. Em Portugal não houve vitórias tão claras como a do Syriza na Grécia, mas o Bloco de Esquerda (BE), com o seu programa antiausteridade, conseguiu duplicar os seus votos para 10,2%.

Agora, PS, PCP e BE derrubaram o governo ao rejeitar o programa governamental na Assembleia da República.

O presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, terá agora que decidir se apoia a formação de um governo de esquerda liderado por António Costa, do PS. No sistema político português, o presidente tem um poder quase discricionário de nomear um governo, mas esses governos sempre podem ser derrubados no Parlamento caso haja maioria absoluta contra o seu programa, como aconteceu agora.

Cavaco Silva já se manifestou contra um governo que dependa de partidos como o Bloco de Esquerda ou os comunistas do PCP, pois defendem a saída de Portugal da Otan e da União Europeia. Cavaco Silva deveria mudar a sua posição.

Por um lado, não haverá nunca uma saída da Otan ou da União Europeia com um partido tradicionalmente europeísta como o PS. Isso destruiria os ideais de seu fundador, Mário Soares.

Por outro, não se entende por que não pode haver um governo em Portugal apoiado por uma aliança de esquerda se ela reúne a maioria absoluta dos votos e dos deputados. Seria uma interpretação estranha de princípios e regras democráticas.

Os pontos comuns acordados entre os três partidos de centro-esquerda mostram uma reviravolta clara em relação à política de austeridade dos últimos anos. Os três querem revogar cortes nas aposentadorias e aumentar gradualmente o salário mínimo mensal dos atuais 505 euros para 600 euros até 2019.

Se compararmos esse valor com a Alemanha, vê-se em que nível Portugal opera: um alemão que recebe o salário mínimo ganha atualmente cerca de 1.470 euros por mês. Mais do que o dobro de um português em 2019.

Como surpresa, a nova aliança entre PS, PCP e BE não pede uma renegociação da dívida do país. Mas penso que, mais cedo ou mais tarde, um governo de centro-esquerda vai colocar esse tema em cima da mesa.

A austeridade europeia falhou redondamente em relação à redução da dívida. Desde 2011, ano do primeiro pacote de ajuda externa a Portugal, a dívida continuou aumentando, mesmo com a execução exemplar das medidas de austeridade por Portugal. Cresceu de cerca de 110% para aproximadamente 130% do Produto Interno Bruto. No longo prazo, um nível insustentável.

Berlim e Bruxelas deveriam começar a desenhar mecanismos internacionais de insolvência para Estados. Apenas com a política atual de austeridade não se pode resolver a crise da dívida. Isso é claramente visível não somente em países considerados "problemáticos", como a Grécia, mas também no caso do "bom aluno" Portugal.

Se em Portugal ou em outros países aumentarem as vozes que pedem uma renegociação da dívida, seria importante existir um mecanismo internacional para coordenar a reestruturação da dívida de países superendividados. Apenas assim seria possível evitar o caos das últimas crises financeiras.