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Opinião: Brasil comete erro estratégico ao não mediar na Venezuela

Marc Koch (rc)24 de março de 2014

Situação na Venezuela necessita de mediação externa, e Brasil erra ao não assumir responsabilidades, opina o correspondente da DW em Buenos Aires, Marc Koch.

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Nada mais funciona. A Venezuela está presa numa armadilha. Há semanas o país está à beira de uma guerra civil. Ao regime do sobrecarregado presidente Nicolás Maduro não ocorre nada além de repressão e retóricas ofensivas para resolver o conflito com os estudantes. E a oposição venezuelana não consegue – mais uma vez – se apresentar como uma força democrática que possa ser levada a sério, ou seja, como uma real alternativa.

Marc Koch
Marc Koch, correspondente da DW em Buenos AiresFoto: DW

Mesmo se todas as noites barricadas queimarem e pessoas morrerem em Caracas e outras cidades, isso não vai solucionar o impasse político. Uma análise isenta mostra que os protestos estudantis trouxeram muito pouco ao país. Conseguiram alguma atenção internacional em curto prazo, e mostraram ao mundo do que é capaz um político autoritário e ultrapassado como Maduro. Mas, se tudo continuar como está, sobrará uma população frustrada num país assolado por má gestão econômica, hiperinflação, escassez e violência desmesurada.

A Venezuela – isso é possível afirmar depois dessas semanas de violência – não está em condições de se ajudar. Essa seria a solução ideal, mas para isso falta vontade política de ambas as partes. E possivelmente também habilidade política. As ofertas de diálogo e de paz vindas do presidente, enquanto interlocutores da oposição se amontoam nas prisões militares, são claramente uma manobra hipócrita.

Mediação e moderação devem vir de fora. Mas, por incrível que pareça, essa tarefa se mostra complicada para a comunidade dos Estados latino-americanos. A maioria dos países tem se limitado a tecer comentários triviais sobre o valor dos direitos humanos e da democracia. Mas pelo menos a maioria não teve atitudes bajuladoras como as da Argentina, que, sem ser questionada, declarou-se solidária ao regime venezuelano.

Agora existe um plano: a Unasul vai analisar a situação na Venezuela para, quem sabe, mediá-la. Não importa de onde veio essa ideia: ela não é muito promissora. A neutralidade não é o ponto forte desse organismo sul-americano, de tendência esquerdista. Além disso, a missão tem por base uma cláusula do acordo da Unasul que não visa proteger as instituições democráticas, mas o governo em questão. Caso essa tentativa de mediação seja levada adiante, restarão poucas esperanças à oposição venezuelana.

O fato de a Unasul ter de preencher essa lacuna é também um retumbante fracasso de uma autodeclarada potência regional: o Brasil desempenha nesse conflito um papel especialmente infeliz. Disso deu mostras o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, que declarou numa entrevista que prefere não fazer julgamentos sobre os eventos na Venezuela, uma vez que a não-ingerência seria um fundamento básico da política externa brasileira. Isso não o impediu, porém, de justificar, na mesma entrevista, a intervenção da Rússia na Crimeia.

De qualquer modo, o Brasil não utiliza o seu potencial. A presidente Dilma Rousseff não é conhecida por ser uma opositora de Maduro. Assim, haveria ao menos alguma chance de ele dar ouvidos a ela. E, por ser pragmática, a presidente poderia ser a figura ideal para resolver o impasse político.

Assim, chega a ser estranho e difícil de explicar, até por causa dos interesses econômicos do Brasil na Venezuela, que o país deixe passar essa oportunidade de melhorar sua imagem política internacional ao não assumir responsabilidades.

Não se trata de uma irrelevância política regional, mas de um erro estratégico. Cientistas políticos venezuelanos, que analisam a situação de seu país, aguardam o surgimento de uma terceira força que possa solucionar o conflito. Mas isso é especulação acadêmica. Até porque não há como isso acontecer no curto prazo.

Um possibilidade maior e mais realista é a de que forças externas venham a assumir uma posição no mercado latino-americano, rico em matérias-primas. A China, por exemplo, acaba de conceder, pela segunda vez, um empréstimo bilionário à Venezuela. Se a América Latina não tomar uma atitude e enviar sinais claros, talvez todo o continente acabe dentro de uma armadilha.