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Memória de Ruanda

7 de abril de 2009

O genocídio em Ruanda, ocorrido há 15 anos, vitimou 800 mil pessoas. Após o Holocausto, o terror de Pol Pot no Camboja e o genocídio turco contra os armênios, esse foi o mais grave crime contra a humanidade no século 20.

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Eugénie, três meses de idade, assassinada com golpes de machete. Laurence, oito anos, primeiro estuprada, depois espancada até perder a consciência e por fim afogada numa latrina. Chanelle, recém-nascida, queimada viva por seus assassinos. Katherine e Marie-Christine, queimadas com centenas de outras pessoas na igreja onde haviam se refugiado.

Pelo menos um assassinato por minuto: durante infinitamente longas seis longas semanas, o ódio cego racista moveu os genocidas em sua caça aos tutsis. Vizinho contra vizinho, marido contra mulher.

Enquanto isso, em Nova York, a comunidade internacional se reunia nas salas com ar-condicionado da ONU. A súplica por reforço e intervenção por parte da missão das Nações Unidas em Ruanda foi ignorada com frieza em Nova York, Paris e Bruxelas – em Bonn e Berlim, de qualquer forma. Os apelos das organizações de ajuda humanitária e de direitos humanos foram relativizados.

O então secretário-geral da ONU, Butros Ghali, falava de uma "guerra civil de tutsis contra hutus e hutus contra tutsis"; outros representantes das Nações Unidas se referiam a "proporções genocidas". A mídia ocidental achava que se tratava de "desavenças seculares entre tribos".

Naqueles dias, nada era mais importante para a comunidade internacional do que evitar o conceito de "genocídio". Afinal, nesse caso, ela teria tido o dever de ajudar e o direito internacional teria obrigado as Nações Unidas a intervir com rapidez.

Mas todos achavam ter razão. Na ONU, na UE e nos governos isolados, sabia-se da violência homicida que irrompera em Ruanda. Teria sido possível ler os relatórios do general canadense Roméo Dallaire, comandante dos capacetes azuis em Ruanda. Relatórios detalhados sobre uma carnificina contra a qual os poucos soldados da ONU não tinham como se opor. Sim, é claro que todos achavam ter razão; caso contrário, os cidadãos europeus remanescentes não teriam sido evacuados em meados de abril.

Não há como relativizar. Sim, a comunidade internacional teve responsabilidade pelo genocídio de 800 mil pessoas em Ruanda há 15 anos. O silêncio do Ocidente impulsionou ainda mais os genocidas. E foi o poderio colonial belga que abriu espaço para a propaganda racista e para a separação de raças em Ruanda, algo que o país desconhecia anteriormente.

O chamado "mundo desenvolvido" teve, portanto, um papel ativo nos precedentes do genocídio de Ruanda. Inclusive por ter, como a França, apoiado politicamente e munido de armas os genocidas do regime hutu em Kigali. Posteriormente, uma comissão de investigação de Ruanda viria a acusar a França de cumplicidade com os assassinos. Em suma, a política do chamado mundo "desenvolvido" contribuiu para o genocídio.

"A história de Ruanda em 1994 é uma história de traição, fracasso, ingenuidade, indiferença, ódio..." – esse é o amargo balanço do soldado da ONU Dallaire. Depois disso, não é preciso dizer mais nada.

Ruanda serve até hoje como exemplo da predileção de se ignorar qualquer conflito na África. Exemplo de que os conflitos e violações dos direitos humanos na África são medidos com parâmetros diferentes dos utilizados para a Europa. Resta a questão: o que a comunidade internacional aprendeu com 1994? Será que um genocídio como o de Ruanda poderia voltar a acontecer hoje, sem que a comunidade internacional interviesse?

Provavelmente não. Em seguida, a União Africana conferiu-se o direito de intervir em caso de graves violações dos direitos humanos no continente africano. Ela coordena missões militares em uma série de países africanos. A comunidade internacional se tornou mais atenta, em se tratando de violência e desrespeito aos direitos humanos na África.

As antigas potências coloniais também participam de missões da Eufor e da ONU para assegurar a paz e resolver conflitos na África – seja na fronteira entre o Chade e o Sudão ou para observar as eleições na República Democrática do Congo.

Além disso, o mandado de prisão contra o presidente sudanês, Omar Al-Bashir, mostra que ditadores e infratores dos direitos humanos, que instrumentalizarem politicamente a violência contra a própria população, terão que prestar contas ao Tribunal Penal Internacional, além de correrem o risco de um isolamento político.

Para as vítimas e sobreviventes do genocídio de Ruanda, isso não relativiza nada. O trauma do genocídio pesa até hoje sobre a sociedade ruandesa. A memória do que ocorreu em Ruanda deve servir de advertência clara para a comunidade internacional: o fracasso humanitário e político de então não poderá se repetir. É preciso haver uma política de segurança multilateral mais decisiva, que obrigue o cumprimento do respeito aos direitos humanos. E isso, no mundo inteiro!

Autor: Ute Schaeffer

Revisão: Soraia Vilela