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Putin vai para ficar

Ingo Mannteufel (rw)6 de maio de 2008

A Rússia passa por uma semana emocionante: Medvedev se tornará presidente; Putin, premiê, e toda a Rússia festeja a vitória na 2ª Guerra. Mas tudo não é tão cor-de-rosa quanto parece, opina Ingo Mannteufel.

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Nesta semana fica comprovada mais uma vez a inclinação dos governantes russos pelo simbolismo político: na quarta-feira (07/05), encerram-se os oito anos do mandato presidencial de Vladimir Putin e o novo presidente Dmitri Medvedev será empossado no mais alto cargo do governo russo, após ter vencido o primeiro turno da eleição em 2 de março, com 70% dos votos.

Na quinta-feira, o atual presidente Vladimir Putin e candidato de Medvedev ao posto de chefe de governo russo deverá ser confirmado no posto pela Assembléia Nacional da Rússia, a Duma. Às trocas de poder sucede-se, na sexta-feira, o maior feriado nacional russo: o dia da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, que sempre é festejado com paradas e muita pompa. Difícil imaginar um final mais grandioso para a "operação sucessão".

Sucesso absoluto de Putin?

Vladimir Putin conseguiu assim um feito político especial, que quase lembra uma quadratura do círculo e que até alguns meses ainda era considerado impossível por observadores políticos: ele realmente entrega o cargo de presidente, mas − sem precisar mexer na Constituição − se tornará primeiro-ministro sob a presidência de sua "cria política" Medvedev e continuará sendo a figura central na política russa. Ou seja: Putin vai para ficar.

Para deixar mais claras ainda suas pretensões, há algumas semanas Putin fez-se eleger presidente do partido Rússia Unida, que domina dois terços da Duma. Além disso, através de mudanças na legislação, ele providenciou que os governadores passassem a dever explicações ao premiê. Isso ampliou de fato a posição do chefe de governo, em detrimento da do presidente.

Este também é um claro sinal de que Putin não se vê como um chefe de governo tecnoburocrata, como o foram os antecessores Mikhail Fradkov e Viktor Subkov. Putin reivindica para si o papel de um "premiê político", que participe ativamente da política nacional. Com isso, ele abala inevitavelmente a posição de poder do presidente.

Arriscado jogo de Putin

A mensagem central de Putin e Medvedev nos últimos meses foi que esta nova "dupla liderança" –Medvedev como presidente e Putin como chefe de governo – asseguraria a estabilidade política e econômica da Rússia.

Ambos repetiram constantemente que só assim seria possível continuar modernizando o país. Mas justamente esta tese da estabilidade política sob Medvedev-Putin provoca grandes dúvidas.

Em primeiro lugar, na história russa, "duplas lideranças" trouxeram instabilidades: em 1917, a dupla liderança do governo provisório com o conselho de trabalhadores e de soldados levou à guerra civil. Ou ainda a dupla hegemonia do presidente Boris Ieltsin e do Soviete Supremo terminou em novembro de 1993 com o bombardeio da sede do Soviete Supremo.

Em segundo lugar, a existência de dois "czares" não coaduna com a política cultural russa. Não só atritos entre os dois centros do poder parecem inevitáveis, se pensarmos em Kruchov e Malenkov após a morte de Stalin, ou em Gorbatchov e seu rival Ligatchov. A percepção política dos russos espera clareza sobre quem afinal é o czar "verdadeiro".

Impõe-se a pergunta sobre a disposição de Medvedev em se sujeitar a um premiê Putin. No momento, Medvedev ainda reage diplomaticamente e de forma evasiva a esta pergunta, embora, quando for presidente, disponha de poderes absolutos. Nesta posição, ele será o comandante-em-chefe das Forças Armadas russas e controlará os chamados ministérios do poder: exército, polícia e serviços de segurança.

Segundo a Constituição, Medvedev também tem poder sobre o premiê, o qual pode demitir, e em relação a uma Duma insubordinada, que ele pode dissolver. Por outro lado, um premiê Putin e a maioria de dois terços do seu partido na Duma podem bloquear decretos presidenciais e, em caso de dúvida, podar completamente o poder do presidente através de uma mudança na Constituição.

À primeira vista, a dupla liderança de Medvedev e Putin pode ser vista como uma forma russa especial de "freios e contrapesos". Mas um erro básico desta nova construção política consiste no fato de a distribuição de poder não se dar – conforme a concepção do grande filósofo político francês Montesquieu – entre Executivo, Legislativo e Judiciário, mas sim através de uma divisão um tanto difusa dentro do Executivo.

Por isso será decisivo no início desta "dupla liderança" que Medvedev e Putin deixem claro quem deve ser o "número um" na política russa. E muito mais importante ainda será ambos manterem este acordo de forma permanente. Caso contrário, em vez de constância e continuidade, haverá atritos e instabilidade política. (rw)

Ingo Mannteufel é o chefe das redações russas de DW-RADIO e DW-WORLD.DE.