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Opinião: Elites políticas fracassaram nos Bálcãs

Verica Spasovska
17 de agosto de 2015

Quase metade dos solicitantes de asilo na Alemanha foge da pobreza e falta de perspectivas nos Bálcãs. Eles são uma prova do fracasso das elites políticas locais, afirma a chefe da redação de notícias, Verica Spasovska.

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Verica Spasovska é a chefe da redação de notícias da DW

Não há guerra, fome ou tortura no Kosovo, na Albânia, na Sérvia, na Macedônia nem na Bósnia-Herzegovina. Os estados oriundos da antiga Iugoslávia e os seus vizinhos vivem em paz há uma década e meia. A Croácia e a Eslovênia são até membros da União Europeia. Os demais países dos Bálcãs têm há anos uma perspectiva de ingresso.

Nada parecido, portanto, com o que acontece na Síria, no Iraque ou no Afeganistão, onde pessoas morrem diariamente por causa do terrorismo e da guerra. E, ainda assim, milhares de pessoas deixam os Bálcãs para tentar asilo na Alemanha. Elas fogem sobretudo da pobreza e da falta de perspectivas, decepcionadas e frustradas com a inércia política e econômica de seus países. E responsável por essa situação é principalmente a elite política desses países.

A bilionária ajuda para a reconstrução, vinda da União Europeia (UE), não impulsionou de fato o desenvolvimento econômico e a democratização. E mesmo a possibilidade de ingressar na UE não parece elevar o entusiasmo por reformas dos atores políticos. Afinal, enquanto eles receberem dinheiro da UE sem estar na UE, não precisarão transferir poderes para Bruxelas e ainda assegurarão seus benefícios sem maiores transtornos.

Nos países dos Bálcãs Ocidentais, a taxa de desemprego está há décadas entre 20% e 50%. Na Bósnia-Herzegovina, mais de 60% dos jovens estão sem trabalho. Mesmo acadêmicos jovens e bem preparados têm dificuldades para conseguir um emprego adequado, já que corrupção e clientelismo impedem que haja chances iguais no mercado de trabalho. Os partidos políticos espalharam seus tentáculos pela sociedade. Ao menos indiretamente, eles são os maiores empregadores, pois é o partido no governo que decide quem vai ser porteiro ou diretor, pouco importando as qualificações dos candidatos.

Diante dessa situação, a sensação de impotência aumenta em muitas pessoas. Muitas se filiam a partidos políticos apenas porque esperam assim ter melhores chances de conseguir um emprego e não porque querem entrar para a política. Na Albânia, no Kosovo e na Macedônia, mais da metade dos jovens com boa formação educacional quer emigrar.

Depois do colapso do antigo sistema, não houve investimentos em infraestrutura, por exemplo em um sistema de saúde eficiente. Isso vale sobretudo para os roma, que estão no nível social mais baixo nos Bálcãs. Eles são frequentemente discriminados por sua origem étnica e ainda sofrem fortemente com o colapso do sistema social. Muitas vezes eles não têm recursos para consultar um médico. Eles vêm para a Alemanha porque o dinheiro que recebem durante o processo de asilo já é um apelo para eles. E porque, na Alemanha, podem consultar um médico sem custos.

Estruturas autocráticas se fortaleceram em muitos países. Por exemplo em Montenegro, que há décadas está firme nas mãos dos clãs do chefe de governo Milo Dyukanovitch, ou na Macedônia, onde o governo conservador de direita é acusado de espionar cidadãos e onde ameaças de morte a jornalistas independentes intimidam a imprensa.

Relações autoritárias semelhantes predominam no Kosovo, que, desde a sua independência, em 2008, é de facto um protetorado da UE. Mas, apesar da longa presença da Eulex, a corrupção e uma estreita ligação entre a elite política e o crime organizado dominam a cena política. No Kosovo, muitos deputados e membros do partido governista saíram do antigo Exército de Libertação do Kosovo. Segundo pesquisas do enviado especial do Conselho da Europa, Dick Marty, o exército está envolvido em inúmeros casos de crimes de guerra, como fuzilamento e sequestros.

Na multiétnica Bósnia-Herzegovina, os políticos ainda jogam com ressentimentos nacionais em vez de tocar adiante reformas econômicas, e isso passados 20 anos do fim da guerra. A metade dos jovens bósnios quer deixar o país, e o número deles que decide ter uma família diminui. Para um país que já tem problemas demográficos, isso é uma ameaça séria.

A lenta mudança rumo à democracia e ao Estado de Direito nos Bálcãs compreensivelmente gerou frustração na União Europeia, que se ocupou de outras regiões em crise, como a Grécia e a Ucrânia. Mas talvez o êxodo em massa coloque os Bálcãs novamente em evidência. Seria bom se Bruxelas voltasse a se ocupar com o ritmo lento das reformas no quintal europeu. Em último caso, poderia também fechar a torneira dos recursos se as reformas não forem implementadas.

Entretanto, as elites políticas estão desperdiçando, com seu egoísmo, o principal capital social. Quanto mais durar o êxodo de jovens bem preparados, menos eles vão se engajar pela mudança social nos seus países. Para as elites políticas de lá, essa é uma situação confortável. Para as sociedades cujos interesses elas deveriam representar, é um desastre. Nos Bálcãs pode não haver guerra, fome ou tortura, mas também a falta de perspectivas pode se tornar uma ditadura da qual se deseja fugir.