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EUA têm que acordar para a realidade do próprio racismo

Deutschland DW Journalistin Jenipher Camino Gonzalez
Jenipher Camino González
31 de maio de 2020

Grande parte dos americanos brancos não consegue admitir o próprio privilégio e empatizar com as minorias. Em tempos de tribalismo político, isso perpetua a instabilidade e a violência, opina Jenipher Camino González.

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Policiais avançam em meio a nuvem de gás azul
Policiais mobilizados contra protestos pela morte de George Floyd em Minneapolis Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Minchillo

Imagens de viaturas policiais em chamas, nuvens de gás lacrimogêneo, agentes da lei pressionando civis contra o chão e manifestantes marchando incontidos são espantosas e chocantes para nós, americanos, mas não surpreendentes.

O vídeo de um afro-americano morrendo diante de uma câmera, sob o peso do joelho de um policial branco em seu pescoço, é brutal e chocante. Também ele não é surpreendente: já vimos imagens como essa antes.

Ecos dos protestos de 2015 em Ferguson, Missouri, vêm à mente; para gerações mais velhas é um déjà-vu dos tumultos de 1992 e dos linchamentos durante o movimento pelos direitos civis.

No entanto, os protestos de massa de hoje tomam conta dos Estados Unidos num momento em que uma pandemia levou mais de 100 mil vidas, em que há mais de 30 milhões de desempregados, desigualdade salarial e de renda, e uma polarização política que esfacela o país.

A sensação é de que os EUA estão se aproximando de um ponto de ruptura. O futuro da nação parece lúgubre e incerto.

Quando ela entrou em regime de confinamento devido à pandemia de covid-19, estancou muito do que caracteriza a vida normal. No entanto os problemas mais fundamentais e estruturais do país continuaram. O racismo sistêmico é um deles, com numerosos exemplos nos últimos meses, mesmo com a vida normal paralisada.

Em fevereiro, um vídeo mostrou Ahmaud Arbery, um homem negro, ser fuzilado por dois "vigilantes" brancos ao sair para dar uma corrida em Geórgia.

Em outro, vê-se uma mulher chamar a polícia no Central Park de Nova York, porque um negro lhe pedira para seguir os regulamentos do parque e colocar seu cão na coleira. Aos policiais, ela alega falsamente que o "homem afro-americano" estava ameaçando a ela e a seu animal de estimação.

À medida que a pandemia se expandiu, a população de cor sofreu taxas de letalidade desproporcionalmente elevadas pelo coronavírus – mais um efeito colateral da desigualdade e racismo sistêmicos. No entanto, quando manifestantes brancos ocuparam diversas câmaras estaduais em protesto às medidas de confinamento, berrando, intimidando e até cuspindo nos agentes da ordem, estes os trataram com cuidado extremo, num gritante lembrete de que brancos recebem tratamento diferente pela polícia.

Assim como praticamente qualquer tópico nos Estados Unidos no momento, o papel da polícia e da Justiça criminal é visto ao longo de linhas políticas e raciais. Os protestos de 2015 em Ferguson levaram à criação do Black Lives Matter (Vidas negras importam), um movimento visando aumentar a consciência do racismo sistêmico e combater os vieses individuais e coletivos que o perpetuam.

Repórter negro da CNN é preso ao vivo em Minneapolis

Em reação, nasceram contramovimentos com os slogans All Lives Matter (Todas as vidas importam), afirmando a crença de que os americanos vivem numa sociedade que não vê cor, e Blue Lives Matter (Vidas azuis importam), promovendo a visão de que os policiais são heróis supostamente incriminados em violência de fundo racial.

Não é surpresa esses movimentos serem basicamente sustentados por brancos de tendência conservadora. Enquetes têm mostrado consistentemente que a confiança na polícia é mais forte entre os eleitores republicanos, brancos e mais idosos, enquanto apenas uma minoria dos hispânicos, afro-americanos, jovens e democratas partilha essa confiança.

Em 2020, essas linhas demográficas, raciais e políticas opostas se encontro num grau máximo de antagonismo, alimentando a incessante fragmentação e tribalismo do país. Esses grupos são ativamente separados por líderes políticos oportunistas como o presidente Donald Trump, cuja colocação na Casa Branca é um resultado direto dessa alta polarização e das guerras culturais resultantes.

Num cabo-de-guerra como esse, o progresso é bloqueado, e as ruas dos EUA seguirão suscetíveis à violência.

As estatísticas mostram, os estudos analisam, e vídeos como os do homicídio de George Floyd cristalizam o fato de que afro-americanos são desproporcionalmente mais visados pela polícia. No entanto, são muitos os americanos brancos incapazes de admitir que o sistema de Justiça criminal e a cultura policial do país os protegem e beneficiam.

Muitos americanos brancos não são capazes de admitir que o racismo permanece um problema social inerente, e que há necessidade premente de reformar as estruturas estatais, a fim de alcançar tratamento igual para os cidadãos que ela alega servir.

Essa incapacidade de uma parcela tão grande da América branca encarar seu próprio privilégio e empatizar com as experiências das minorias é a maior de todas as barreiras ao progresso e à reconciliação.

Quem é parte do problema tem que ser parte da solução. Os cidadãos de cor não podem, por conta própria, mudar um sistema que inerentemente tendencioso contra eles – e nem devem ser forçados a fazê-lo. Por toda a história, a mobilização negra tem requerido que uma massa crítica de brancos entre na luta para fazer a balança pender na direção ao progresso – durante o movimento abolicionista, pelo sufrágio negro, pelos direitos civis.

O mesmo vale para hoje. Mas será possível isso acontecer mais uma vez, numa época em que reina o tribalismo político? O desafio nunca foi tão grande, e nunca houve tanto em jogo. Se é para haver progresso no sentido de eliminar a injustiça e a violência racial, a complacência da América branca com o racismo sistêmico do país tem que acabar.

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