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Opinião: Europa precisa de emissoras públicas?

Ute Schaeffer
8 de março de 2018

A Suíça respondeu que "sim", mas a discussão prossegue em todo o continente. Quem diz "não", argumentando em nome da diversidade de opiniões, pode estar fazendo o jogo dos populistas, opina a jornalista Ute Schaeffer.

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Emissora suíça SRF, de direito público
Emissora suíça SRF, de direito públicoFoto: picture-alliance/Keystone/G. Bally

Quando, após a Revolução da Praça da Independência, em Kiev, os parlamentares da Ucrânia decidiram transformar a emissora estatal numa de direito público, sua motivação era clara: proporcionar oferta de informação para todo o país e conteúdos para além dos interesses particulares de certos magnatas econômicos. Eles almejavam um produto jornalístico profissional, tendo a mídia de direito público da Alemanha e do Reino Unido como modelo para essa reforma.

Também na Polônia, Hungria e numa série de Estados antes pertencentes à União Soviética, havia uma nítida vontade, depois da ditadura, não só de fixar nas Constituições a liberdade de opinião e de acesso à informação, mas também de criar as condições para que os cidadãos pudessem usufruir desse direito básico.

Ute Schaeffer é vice-diretora da DW-Akademie
Ute Schaeffer é vice-diretora da DW-Akademie

Nesse aspecto as emissoras de direito público dão uma contribuição central. Elas são assunto da comunidade; meios de comunicação que garantem o abastecimento básico independente de informação, educação, cultura e entretenimento, possibilitando assim a livre formação de opinião.

Não se pode dizer de forma mais direta: o sistema de direito público foi a resposta à censura, intimidação e propaganda estatal, em particular também na Alemanha. Por isso ele é um modelo para países que deixaram uma ditadura para trás e tentam construir uma democracia.

Tudo isso é ignorado na atual discussão, travada exatamente nos países de origem do sistema de direito público. "Há um lugar onde mentiras se transformam em notícias", alardeou no Facebook o vice-chanceler federal da Áustria, Christian Strache. Esse lugar seria a emissora de direito público austríaca ORF.

O político do Partido da Liberdade (FPÖ) classificou sua postagem como "sátira". Coisa difícil de acreditar, já que há muito a legenda populista de direita de Strache insiste na mesma mensagem que a Alternativa para a Alemanha (AfD) - populistas de direita de toda a Europa afirmam: "Esse sistema pode ir embora!"

E fundamentam isso com o argumento de que eliminando-se os gigantes financiados por tarifas compulsórias, haverá finalmente lugar para um grande número de atores independentes. Quer dizer, mais diversidade de opinião através de concorrência generalizada? Um equívoco, como uma olhada na internet logo confirma.

Quem se impõe no setor digital, via de regra, são as grandes operadoras comerciais, que disponibilizam conteúdos grátis para faturar com os anúncios de publicidade. Suas matérias são produzidas com pouco investimento. Pesquisa? Correspondentes? Verificação de fontes? Direitos de personalidade? Retificação de erros? Nem pensar. São ofertas que nada têm a ver com jornalismo de qualidade.

O contrato de direito público perdeu o sentido na era da internet? O contra-argumento é que algoritmos escapam ao controle democrático. Essa distribuição de informação não transparente, subordinada às regras do marketing, tem efeitos distorcedores sobre a formação de opinião. O avanço maciço da desinformação e propaganda torna mais necessários ainda os conteúdos bem pesquisados e com controle de qualidade.

Acho que a atual discussão passa por questões essenciais para as democracias da Europa: como garantir um dos mais importantes direitos básicos, a liberdade de formar uma opinião e defendê-la? Qual é o quadro adequado para isso, em face da profunda transformação estrutura digital? Quais são as condições necessárias?

Nos países em transição para a economia de mercado, os reformistas têm respostas: é preciso mídias comprometidas com a comunidade. E no mercado faz-se necessária uma combinação de interesses privados com a missão pública, comunitária. Em face de sua importância, a discussão deveria ser travada aqui de forma muito mais dura e crítica.

Os pré-requisitos estão todos sobre a mesa, e na Suíça terão agora consequências: uma vez que o contrato público é do âmbito da comunidade e financiado por ela, é preciso intensificar a participação dessa comunidade na oferta de programação. As decisões deverão ser apresentadas publicamente de forma mais transparente do que até então. As operadoras de direito público só se imporão na competição se se engajarem mais intensamente com sua obrigação perante a esfera pública.

Não se deve esquecer quem são os remetentes da mensagem "Pode ir embora!" Decerto, há muitos anos também se escutam vozes da economia privada e pró-liberalização de mercados argumentarem nesse sentido. Mas em toda a Europa quem se arvora como verdadeiros impulsionadores da discussão são os populistas de direita.

Estes gostam de posar como vítimas de uma assim chamada "ditadura de opinião". Populistas de direita que raramente se distanciam das declarações racistas ou misantrópicas nas colunas de opinião de suas plataformas de internet ou nas redes sociais; que em sua comunicação digital, sem ter medida nem vergonha, discriminam grupos humanos inteiros; que incitam e agitam.

Eles pretendem estar falando por todo o povo – como se este tivesse uma opinião unificada. Quando alegam estar lutando pela diversidade de opiniões, pensam, acima de tudo, na própria opinião. Isso vale tanto para a AfD na Alemanha, como para a Frente Nacional na França ou o Fidesz, de Viktor Orbán, na Hungria.

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