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Centralização do poder

12 de agosto de 2010

Medvedev e Putin não pagarão a conta dos incêndios florestais, mesmo que a catástrofe evidencie outra vez os pontos fracos do sistema de poder centralizado da Rússia, diz o editor da redação russa da DW, Ingo Mannteufel.

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De forma trágica, a "maldição de agosto" se abateu mais uma vez sobre a Rússia este ano. Depois de uma crise monetária, acidentes com submarinos, ataques terroristas, guerras e catástrofes tecnológicas (como uma explosão numa usina hidrelétrica) nos anos passados, neste ano o país sofre com as altas temperaturas e os devastadores incêndios em florestas e turfeiras, que chegaram a envolver Moscou durante dias numa terrível nuvem de fumaça.

Claro que ninguém pode ser responsabilizado pelas condições climáticas e pelas temperaturas recordes na Rússia – nem mesmo o presidente Dimitri Medvedev e o primeiro-ministro Vladimir Putin. Mas a atual "crise de agosto" expõe mais uma vez não apenas a incompetência amplamente disseminada da burocracia russa, como também as deficiências generalizadas do sistema político do país.

Claro, Medvedev e Putin aprenderam com as catástrofes do passado. Desde o início da crise, a televisão russa os mostra em ação de forma incansável. Medvedev passa duras ordens, com grande efeito midiático, a funcionários de alto escalão. Putin visita frequentemente locais afetados e promete ajuda rápida às vítimas. Ele inclusive participou, como copiloto de um avião anfíbio, de duas ações para apagar incêndios, também acompanhado de um grande aparato midiático.

A cúpula governamental russa não comete mais erros como os de dez anos atrás, na tragédia do submarino atômico Kursk. Na época, o então recém-eleito presidente Putin fora alvo de críticas por não ter considerado necessário interromper suas férias e também por ter demorado para emitir uma posição oficial sobre a tragédia.

Erros como esses, Medvedev e Putin não cometem mais. Por isso, não é de se esperar que os incêndios causem danos de longo prazo à imagem política de ambos perante a população russa. A conta pelo fato de os incêndios, comuns no verão, terem evoluído para uma crise de amplas proporções será paga por alguns poucos funcionários subalternos das autoridades responsáveis nas regiões afetadas.

A eles será atribuída a culpa pelas desleixadas medidas de prevenção, pelos equipamentos deficientes e pela política de informação ruim. O único ponto realmente interessante nessa história é saber se o poderoso prefeito de Moscou, Yuri Lushkov, vai sofrer pressão por ter relutado a interromper suas férias apesar da cáustica fumaça que pairava sobre a cidade.

Mas a atual crise não tem origem apenas nos erros individuais de alguns poucos burocratas. Na verdade, ela atinge o núcleo do sistema político surgido sob a égide de Putin, a assim chamada "linha vertical do poder": o sistema altamente centralizado não assegura suficiente liberdade de ação ou meios financeiros aos responsáveis locais ou regionais.

Os governadores não são diretamente eleitos pelos cidadãos de uma região, mas escolhidos pelo presidente. Em consequência, para cada decisão importante os chefes regionais esperam pelas instruções do Kremlin e das autoridades nacionais controladas pelo governo em Moscou.

Soma-se a isso a propensão da burocracia à ineficiência e à corrupção, oriunda do inexiste controle público da administração, que exigiria uma imprensa livre e uma Justiça independente. A instalação de câmeras de vídeo para acompanhar pela internet a reconstrução de casas deixa claro que nem mesmo Putin confia no seu aparato de funcionários públicos.

Mais importante do que a instalação de câmeras de vídeo seria uma modernização política ampla e estrutural da Rússia. Talvez assim até mesmo a "maldição de agosto" poderia um dia cair no esquecimento.

Autor: Ingo Mannteufel
Revisão: Rodrigo Rimon