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O caso Taison e o silêncio dos inocentes

Guilherme Becker
13 de novembro de 2019

Atacante brasileiro que joga na Ucrânia reagiu a ofensas racistas no último domingo. Mas não basta Taison, sozinho, combater o racismo. É preciso que haja união e protestos veementes de todos os envolvidos no esporte.

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Taison, jogador
Ao ser alvo de racismo, Taison chutou a bola em direção à torcida adversária e mostrou dedo do meioFoto: picture alliance/dpa/U. Anspach

Estádio Metalist, Ucrânia. Domingo, 10 de novembro de 2019.

O clássico entre Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev transcorria normalmente aos 28 minutos do segundo tempo, com vitória parcial do Shakhtar, que jogava em casa. Até que o atacante brasileiro Taison perdeu a cabeça, chutou a bola em direção à torcida adversária e, de brinde, mandou o dedo do meio junto.

Perdão. Permitam-me refazer o primeiro parágrafo: o clássico entre Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev transcorria de maneira bizarra devido aos urros racistas vindos da torcida visitante, do Dínamo, até que o atacante brasileiro Taison, com razão, perdeu a cabeça. Chutou a bola em direção à torcida adversária e, de brinde, mandou o dedo do meio junto.

Parece um antagonismo bárbaro, mas, na realidade, é isso mesmo: com razão, Taison perdeu a cabeça. Racionalmente, o atacante brasileiro de 31 anos jogou a racionalidade para os ares. De maneira comovente, defendeu a sua cor. Como um búfalo diante de dezenas de leões, gritou de volta. Bateu o pé e tentou escudar-se frente a um crime perverso. Foi expulso.

Racismo não é novidade para Taison, garoto pobre, negro, criado em um bairro periférico de Pelotas, no sul do Brasil. Negros brasileiros sabem muito bem o que é racismo, principalmente no seu país de origem, o último do Ocidente a abolir – oficialmente – a escravidão. Uma vergonha histórica e irreparável.

Nas redes sociais, o jogador bateu ainda mais forte. Escreveu uma frase da ativista americana Angela Davis, que disse: "Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista."

O caso de Taison não foi o primeiro. Aconteceu em outubro com jogadores ingleses na partida contra a Bulgária, em Sófia. Aconteceu agora, em novembro, com o atacante Mario Balotelli, na Itália. E acontecerá mais vezes se a passividade continuar a ser regra nos estádios europeus.

Isso é o que mais intriga: a falta de empatia de todos os não afetados pelo racismo que os jogadores negros sofrem no continente. A bela, intelectualizada e socialmente avançada Europa vira as costas para o problema. Dá de ombros para a adversidade de milhares de atletas que buscam uma vida melhor e um maior reconhecimento naquele que é o grande mercado futebolístico do planeta.

As pífias campanhas da Uefa e das federações contra o racismo se transformaram em tentativas tão frustradas que mais parecem algumas políticas de guerra às drogas, que igualmente deram errado, mas seguem a ser impostas por alguns países. Uma multa aqui e uma suspensão ali são, até agora, provas da ineficiência frente a qualquer possível solução. Não funcionou. Não vai funcionar. É embaraçoso, para a Europa, agir desta maneira. Ou melhor, não agir. Ser ineficaz, pobre de espírito e socialmente nada engajada. A velha Europa, dita integrada e desenvolvida, mostra-se frágil quando um tema aparentemente tão distante – mas tão atual – bate à sua porta.

Há apenas uma maneira de mudar isso: dentro do campo. Jogadores que sofrem racismo costumam ser amparados com abraços e tapas nas costas, como se estivessem em um velório – a diferença é que eles seguem vivos para contar história. Chegou a hora de os colegas agirem.

Se a Uefa é ineficiente, se as federações são incompetentes, se as autoridades não fazem jus ao status de lideranças, chegou a hora de os técnicos, os patrocinadores, os dirigentes, os jornalistas e, claro, os torcedores, mas principalmente os jogadores se unirem e colocarem um "basta" em prática, isto é, retirarem-se de campo e não retornarem até o fim das ofensas.

Não vai ter jogo? Não. O torcedor vai ficar chateado? Vai. O time retirante perderá a partida? Sim. Mas, no fim das contas, sairá vencedor. Ganhará o respeito e a admiração de quem não compactua com atos, gestos e cânticos hostis. E obrigará todo mundo a refletir.

O caso de Taison não foi o primeiro. Mas bem que poderia ser o último se o silêncio de todos os inocentes, que não são diretamente atingidos pelos gritos aterrorizantes das arquibancadas, fosse quebrado contra a psicopatia que é o racismo.

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