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Opinião: O fantasma do racismo na Alemanha

7 de janeiro de 2016

A origem dos criminosos da noite de réveillon na cidade alemã de Colônia criou um dilema para muitos jornalistas no país. Ela deve ser mencionada? É fundamental que seja, opina o jornalista Kersten Knipp.

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Kersten Knipp é jornalista da redação alemã da DW

Desde o Wikileaks que as autoridades estatais sabem que algo assim pode acontecer com a comunicação interna: se não for tomado extremo cuidado, ela acaba vazando e se tornando pública. Foi o que aconteceu com o relatório de um chefe de polícia que estava trabalhando em Colônia na noite de réveillon.

O relatório, originalmente previsto para ser apenas de uso interno, foi divulgado, praticamente sem cortes, na edição desta quinta-feira (07/01) do jornal Bild, maior diário da imprensa sensacionalista alemã. Inúmeros outros veículos da imprensa fizeram o mesmo.

Assim, milhões de pessoas tomaram conhecimento de qual foi a característica central observada pela polícia nos criminosos: a origem. Essa é citada várias vezes. Fala-se de "algumas milhares de pessoas predominantemente masculinas e com origem migratória". Mulheres e meninas teriam relatado à polícia ataques sexuais por "vários grupos de migrantes do sexo masculino". Além disso, chama a atenção dos policiais o "alto número de migrantes [atingidos] pelas intervenções policiais".

O relatório também descreve cenas isoladas. Os policiais teriam vivenciado como pessoas rasgaram vistos de permanência diante de seus olhos, gesto acompanhado de observações como "vocês não podem nada contra mim, amanhã eu apanho um [visto] novo". Outra pessoa é citada com as palavras: "Eu sou sírio, vocês devem me tratar bem! A senhora Merkel me convidou."

O relatório abre uma questão criminológica, jornalística e política, que é, ao mesmo tempo, filosófica: o que compõe a identidade de uma pessoa? Ou, formulado de outra maneira: como outros reconhecem essa identidade? Para os policiais que estavam a serviço em Colônia, a resposta parece ser clara: a origem. Numa situação em que se sabe quase nada sobre esses criminosos, a origem é, para os policiais – assim como para as centenas de vítimas do sexo feminino –, aparentemente a principal característica.

Do ponto de vista jornalístico e político, esses escassos atributos de identidade são explosivos. A pergunta é: o que se conclui disso? O código de ética do jornalismo alemão ajuda muito pouco nesse caso: a origem de um suposto criminoso só é passível de ser mencionada quando ela tem uma comprovada relação com o crime. Pois mencionar a origem de uma pessoa "pode fomentar preconceitos contra minorias".

Ao menos pessoas esclarecidas procuram evitar preconceitos na Alemanha. Elas estão habituadas a diferenciar – e não só em relação aos imigrantes. Mas elas se irritam quando se quer omitir ou minimizar uma característica que, neste caso, possivelmente é importante – ou seja, a origem. E elas também se irritam porque a omissão da origem é um insulto a todas as tradições e padrões europeus. De onde você vem? – essa é uma questão ancestral e de forma alguma apenas europeia. Ela também não é discriminatória, mas profundamente humana, expressando consideração e interesse.

A pergunta sobre a origem é também interessante do ponto de vista filosófico: é possível, afinal, conceber uma pessoa sem levar em conta sua origem? É possível imaginar uma pessoa sem o sistema de coordenadas temporais e espaciais que a circunda? Se sim: em que medida? Até que ponto uma pessoa pode se dissociar de sua origem?

De um modo geral, o poder que a origem tem de marcar uma pessoa é tão forte que toda tentativa de se afastar dela gera admiração. Deixar para trás, emancipar-se, trabalhar o eu – não é à toa que esses são valores centrais da modernidade. Digamos que seja "questionável" que os criminosos do réveillon de Colônia também tenham adotado esses valores – para usar um termo neutro.

Mas isso não vai impedir a maior parte dos alemães de acompanhar o debate sobre migração bem como sobre os refugiados que chegam ao país com a necessária diferenciação. Só que, para elas, é importante obter determinadas informações – e não apenas aquelas que jornalistas penitentes supõem que sejam boas para a harmonia social. A maioria das pessoas reage a uma insolência desse tipo com irritação.

Por isso, o debate deve ser franco e sem reservas – o fantasma do racismo, que os supostamente bem-intencionados querem afugentar, será na verdade atraído pelo paternalismo presunçoso.

Kersten Knipp
Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.