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Balanço de Putin

15 de fevereiro de 2008

Vladimir Putin se apresentou como protagonista e diretor do espetáculo em sua última coletiva de imprensa. Por quanto tempo ainda ele ditará as regras do jogo, pergunta-se Cornelia Rabitz.

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Um vencedor abandona o palco com estardalhaço – e volta dos bastidores logo em seguida portando um novo figurino: dentro de alguns meses, Vladimir Putin não será mais o presidente e sim o chefe de governo da Rússia. Ele decorou bem o seu texto; declama ao público que não se "apega" ao poder.

Ao mesmo tempo, não deixa a menor dúvida de que continuará desempenhando um papel de protagonista na política russa. O coadjuvante deverá ser então Dimitri Medvedev, que provavelmente será eleito novo presidente da Rússia a 2 de março.

Cornelia Rabitz
Cornelia Rabitz

Nesta manobra, o protagonista Putin assumiu também a direção. Não deixou nada ao acaso. E aproveitou mais uma vez habilmente a coletiva de imprensa perante 1.300 jornalistas para se auto-elogiar e enaltecer seus próprios sucessos. Ele não vê fracassos, afirmou. Alcançou todas as suas metas. Uma beleza poder dizer isso a seu respeito – após oito anos como presidente, um período marcado pelo crescimento econômico e pelo aumento das receitas das empresas estatais de energia, por algumas melhorias sociais, mas também por alguns pontos baixos, problemas não solucionados e hipotecas políticas que oneram a Rússia.

Os oito anos de Putin na presidência trouxeram melhores condições de vida para muitas pessoas. Mas, do ponto de vista da política interna, eles representam uma piora contínua: o solapamento da liberdade de imprensa, o desrespeito e a marginalização da oposição, o papel forte dos serviços secretos, a centralização das competências no Kremlin.

"Democracia dirigida" e "vertical do poder" são dois conceitos que permanecerão vinculados à pessoa e à política de Putin. O desprezo aos valores democráticos que se fez muitas vezes sentir, a presunção agressiva das elites no poder e a deterioração das relações com o Ocidente – ao presidente cabe uma co-responsabilidade em todos esses casos.

Em relação à política exterior, o que se ouviu nessa quinta-feira (14/02) foram mais tons apaziguantes. A Rússia não tem em vista nenhum novo confronto Leste-Oeste, disse Putin e anunciou que o diálogo construtivo com os EUA não deve ser interrompido. Só que pronunciamentos desse tipo – o passado já o demonstrou várias vezes – são regularmente contrariados por meio de ameaças rudes. Todas as vezes que a Rússia vê ferida sua autoconsciência ressurgida, recorre-se a uma retórica quase agressiva.

A política externa deste presidente é contraditória. Ainda há alguns dias Putin havia advertido que ficaria de mira na Ucrânia, caso uma parte do escudo antimísseis fosse estacionado lá. Agora ele anunciou, pelo contrário, que a Rússia não apontará seus mísseis contra outros países. Putin criticou mais uma vez o apoio do Ocidente aos planos de independência do Kosovo – a bem da verdade, pouco lhe resta no tocante a essa questão. O potencial de ameaça e a margem de ação de Moscou não são muito grandes.

Falar em mudança no poder significaria estar abrandando as coisas. Não há campanha eleitoral em toda a extensão da Rússia. Assim como a eleição parlamentar em dezembro foi conduzida a partir de cima, o mesmo ocorre agora com a eleição presidencial. Deve ocorrer uma mudança silenciosa e uma troca de papéis sem atritos.

O sucessor Dimitri Medvedev, escolhido a dedo, e o novo primeiro-ministro Vladimir Putin formarão uma aliança inquebrantável, ao lado da qual caberá a todos os demais políticos somente o papel de figurantes.

Os dois dividirão as responsabilidades entre si. A "química" entre os dois futuros líderes políticos funciona. O comando, ao que parece, ficará a cargo do ex-presidente, que determinará o rumo. O novo, uma criatura da graça de Putin, o seguirá. Quanto tempo será que ele levará para desenvolver ambições próprias? Como se posicionarão as cliques do Kremlin e os serviços secretos?

Putin, entretanto, quer nos fazer crer que uma maioria dos cidadãos aprova o silêncio de chumbo no país e apóia sem crítica o rumo do governo. Não é uma maravilha essa unidade entre líderes e liderados? Mas talvez a peça do ator e diretor estatal ainda adquira suspense. Afinal, alguém terá de fazer o papel de vilão. (lk)

Cornelia Rabitz é chefe da redação russa da DW-RADIO.